Yo ! Chico Buarque
Um baita susto deve ter tomado o rapper paulistano Criolo [grave o nome desse artista] na noite do último sábado, diante de 1.700 pessoas no Palácio das Artes, em Beagá (MG), ao receber a notícia de que um trecho da versão que fez para “Cálice” fora entoado por ninguém menos do que [ele] Chico Buarque, o próprio autor da música, no show de estreia da sua turnê. Como bem se sabe, além de pouquíssimo ou nada afeito a entrevistas e exibições ao vivo, o discreto e a cada dia menos frequente intérprete e compositor não costuma expressar gostos ou opiniões sobre coisa alguma, o que por si só reforça o caráter extraordinário do acontecido:
“Era como se o camarada dissesse: “Bem-vindo ao clube, Chicão, bem-vindo ao clube. Valeu, Criolo Doido! Evoé, jovem artista. Palmas pro refrão do rapper paulista.” , versou Chico antes de cantar a letra alternativa criada para um de seus maiores sucessos: “Pai, afasta de mim a biqueira/ afasta de mim as ‘biate’/ afasta de mim a ‘cocaine’/ pois na quebrada escorre sangue”.Antes de aprofundar a polêmica inerente à homenagem prestada, cabe lembrar que, há coisa de duas semanas, Criolo já havia sido prestigiado por Caetano, que o acompanhou na interpretação de “Não existe amor em SP” durante o VMB, premiação anual de clipes transmitida pela MTV. Dessa maneira, o jovem cantor conseguiu alcançar a façanha de, num punhado de dias, ter seu trabalho publicamente reconhecido por dois dos mais emblemáticos nomes da música popular brasileira, o que, convenhamos, seria motivo de orgulho para qualquer artista.
Assim deve ter sido para a equipe Furacão 2000, que há exatos dez anos teve o mega hit “Tapinha não dói” incluído no repertório da turnê “Noites do Norte”. Na ocasião, Caetano respondeu às vaias recebidas em algumas cidades alegando não compreender a razão pela qual Adriana Calcanhotto, Rita Lee e Fernanda Abreu podiam cantar incólumes o batidão, ao passo que apenas ele era repudiado por fazê-lo; quando perguntado sobre por que insistia na inusitada escolha, alegou divertir-se com as manifestações contrárias, considerando tratar-se de uma estratégia infalível para afastar de suas apresentações os chatos.
Em comum, ambos os episódios têm o fato de representarem tentativas de romper a bolha de erudição que costuma se estabelecer em torno de nossos artistas mais renomados, como se a qualidade de suas obras fosse uma sentença que os condenasse a viver isolados da música produzida pelos reles mortais, que são todos os outros. A ideia defendida por muitos, de que o som da periferia é algo necessariamente menor, que não deveria associar-se ao que se convencionou chamar de MPB, não só denota preconceito como contraria a essência da verdadeira identidade musical brasileira, que sempre foi de miscigenação.
Certamente não faltará quem diga que, ao evocar as rimas de um rapper, Chico busca desviar os holofotes de sua vida amorosa, ou, quem sábe, até do desempenho de sua irmã frente ao ministério da cultura. Dentre os que na web se antecipam em defender ou atacar a inesperada citação –procurando justificar seus argumentos através de explicações mirabolantes– difícil é encontrar quem aposte na tese mais plausível, a de que Chico ouviu a versão de Criolo, encantou-se por ela e decidiu cantá-la num show, apenas motivado por seu apreço.
A despeito das inúmeras leituras que este fato ainda pode vir a assumir, quero destacar uma específica, que me parece ser a mais interessante de todas: afinal, que clube seria esse do qual Chico se sentiu convidado por Criolo a fazer parte?
Blog – Bruno Medina: músico da banda Los Hermanos e escritor nas horas vagas. Nascido no Rio de Janeiro, formou-se em comunicação pela PUC-RJ, mas a música nunca permitiu que chegasse ao mercado publicitário.