Da guitarra elétrica que Gilberto Gil, Caetano Veloso e Os Mutantes usaram para chocar o público durante o Festival de Música Popular Brasileira de 1967 ao videogame portátil Game Boy que o produtor carioca Alexandre Kassin utilizou para gravar os instrumentos de um álbum lançado em 2005, música e tecnologia sempre andaram juntas.
Agora, é a vez de o iPad fazer a dobradinha. O computador da Apple em forma de prancheta (tablet), que funciona com uma tela sensível ao toque dos dedos, tem circulado nas mãos de músicos desde pelo menos dezembro do ano passado, quando os britânicos do Gorillaz anunciaram que estavam compondo um disco inteirinho com o gadget – e entregaram em seu site o mapa da mina (isto é a lista de software necessários) para quem quisesse fazer igual.
Logo em seguida, a islandesa Björk criou a trilha sonora para um aplicativo de iPad. Para fechar o mês, uma desconhecida banda chinesa, Maiyuetuan, conquistou o YouTube com um vídeo em que quatro integrantes tocavam uma música (“Play go”) com quatro iPads nas mãos.
Mas será que o iPad já pode substituir uma banda ou seus instrumentos musicais? O G1 convocou dois experts no assunto – a banda mineira Pato Fu e o DJ do projeto Boss in Drama – para tentar responder à essa pergunta. As opiniões, como você vê na reportagem a seguir e nos vídeos ao lado, nem sempre estão em sintonia.
Péricles Martins, criador do projeto eletrônico Boss in Drama, é um dos defensores desse casamento. Em seu inseparável iPad, o DJ tem instalados vários aplicativos de produção musical, que usa para criar remixes e batidas para seu primeiro disco solo, previsto para sair neste primeiro semestre.
“Sou muito hiperativo, então carrego junto [o iPad] até na fila de espera do dentista. Se vou esperar, pelo menos espero produzindo. Tem gente que lê música, eu faço música com o meu iPad”, brinca Martins. “Às vezes você está em turnê e não tem tempo para parar no estúdio, ligar o computador, a placa de som e abrir o computador. Até fazer tudo isso a ideia já saiu voando”, completa.
O iPad faz a rima
Dentre as criações do Boss in Drama no iPad está o remix de “Hypnotize U”, do N.E.R.D – clique no player ao lado para ouvir. Martins conta que gravou parte da música no próprio aparelho com um aplicativo que criou a linha de baixo e a batida da faixa e, depois, reproduziu tudo em um estúdio profissional. Segundo o DJ, o Gorillaz fez o mesmo durante a gravação de “The fall” – ou seja, o disco não foi feito em um iPad, mas a partir de um iPad.
“O iPad é bom para ter ideias rápidas de timbres, melodias e batidas. Ele não faz música. Eu refaço tudo no computador, pois posso colocar um tom mais pesado, mudar a sequência, o resultado fica outro. Mas os aplicativos estão cada vez melhores: tem programa até de escrever letra, que ajuda a escrever rima. Para músico ou letrista é ótimo”, explica o DJ do Boss in Drama.
Os apps são realmente variados e os melhores costumam ser pagos, com valores que passam de US$ 50. No início, eram desenvolvidos por programadores amadores, mas dado o potencial de negócios que os aplicativos representam, várias empresas e artistas começaram a criá-los.
O DJ David Guetta, por exemplo, tem o Electro Beats, que simula suas produções musicais radiofônicas. Já a fabricante japonesa Korg lançou o iElectribe, um app com a interface de vários sintetizadores analógicos que fizeram parte da história da marca.
Vale lembrar que toda essa “revolução” começou no iPhone e no iPod Touch. A diferença do iPad para eles é simples: com a tela maior fica bem mais fácil brincar de músico. “É fácil montar uma banda. Tenho de flauta a saxofone aqui, você faz uma orquestra se quiser. As possibilidades são infinitas, é só ter criatividade”, garante Boss in Drama.
‘Eu’, robô
Para mostrar como funciona uma banda de iPads na prática, o G1 convidou o Pato Fu para um desafio: tocar no iPad uma de suas músicas.
Uma proposta à altura do projeto que a banda mineira lançou no ano passado: o elogiado CD “Música de brinquedo”, com várias covers tocadas em instrumentos infantis.
Cada um dos tablets testados tinha uma série de aplicativos, pagos e gratuitos, que reproduziam a interface de um instrumento musical – as teclas de um teclado ou as peças e pratos de uma bateria, por exemplo. “O futuro da música pode estar aqui”, comentou a vocalista Fernanda Takai, enquanto mexia em um dos cinco iPads disponíveis, logo após um ensaio da banda em São Paulo na semana passada.
De todos os integrantes, apenas o guitarrista John Ulhoa já tinha passado por experiência parecida. “Nunca toquei um instrumento dessa forma, mas uso alguns aplicativos de programação e de sequenciamento no meu iPhone. É mais para o povo dar risada, fazer alguma maluquice. Tocar bonito não dá”, justificou o músico, que optou por espremer os dedos na tela de seu próprio smartphone em vez de se aventurar na tela maior do iPad.
Foi o baterista Xande Tamietti quem se adaptou mais rapidamente. “A sincronização não é real, às vezes atrasa uma nota. Mas é bem legal”, opinou. Já o baixista Ricardo Koctus, que sofreu para achar algumas notas em seu baixo digital, não o levou muito a sério. “Serve bem como brinquedinho. E brinquedo serve para divertir”, resumiu.
Depois de suar um bocado para se entender com o órgão sensível ao toque do iPad e chegar até o fim do hit da banda no tempo, o tecladista Lulu Camargo chutou o balde e decretou: “Isso aqui é a decadência total do rock’n’roll!”.
Fonte: Gustavo Miller – Do G1, em São Paulo