A cantora, compositora e percussionista pernambucana Alessandra Leão (ex-comadre Fulozinha, Fulorzinha ou Florzinha) faz show gratuito nesta noite, 1º, no Circo Cultural Nelson Brito (ao lado do Terminal da Praia Grande). Ela aproveita para lançar o mais novo CD “Dois Cordões”, em um projeto itinerante, com o patrocínio da Petrobras Cultural, que passará ainda por Fortaleza (2), Salvador (6) e Recife (7).
A artista disse que São Luís foi escolhida para abrir a turnê e o show a ser mostrado na cidade é uma fusão dos dois discos: Brinquedo de Tambor e Dois Cordões. “Será um show dançante, festivo, mas que permite uma pausa para a contemplação”, admite.
Alessandra Leão afirmou ainda ser uma grande fã e entusiasta da música maranhense. Confira na íntegra o bate papo com a artista pernambucana.
Blog: Muitas vozes femininas brilham em carreira solo no País. Qual a leitura que você faz do seu momento solo. E como você se sente desenvolvendo um trabalho fiel à tradição pernambucana ?
Alessandra Leão: De fato temos muitas excelentes cantoras no Brasil. Confesso que ainda acho estranho um em me apresentar como “cantora”. Costumo assinar “compositora, percussionista e cantora”, porque acho que a composição é que fala mais alto pra mim, talvez com o tempo a cantora possa falar mais alto ou no mesmo volume da compositora e instrumentista… em Dois Cordões já sinto um pouco disso…
Penso que cada disco novo represente um momento de recomeço e ao mesmo tempo de afirmação na carreira de qualquer músico, acho que esse é o momento em que me encontro. Me mantenho fiel à música em que acredito e respeito, à música que escuto e isso não se restringe à música pernambucana, apesar de tê-la muito presente comigo e como grande fonte de inspiração.
Blog: De que forma o grupo Comadre (Fulozinha) (Florzinha) foi importante para que você se credenciasse a alçar voo e lançar-se como cantora ?
Alessandra Leão: A Comadre Fulozinha foi a minha primeira experiência profissional, por isso, sempre digo que foi a minha primeira escola também. O período em que estive na banda (da fundação em 97 à 2000) foi muito intenso e rico e me possibilitou uma série de aprendizados e afirmações profissionais.
Blog: Falamos do mais novo disco solo “Dois Cordões”. O que ele representa nesse contexto musical que você vivencia?
Alessandra Leão: Representa esse recomeço e também uma afirmação e amadurecimento da minha carreira, principalmente como compositora e cantora.
Blog: Em um comentário lido sobre “Dois Cordões”, você o define como um disco de festa e, aparentemente, melancólico. Como foi trabalhar com a contradição no disco ?
Alessandra Leão: Sempre planejo o conceito, juntamente com meu parceiro Caçapa (produtor musical e arranjador) do disco antes mesmo dele nascer, antes das composições. Esse é um processo que gosto muito e acho que força um certo amadurecimento das ideias antes de pôr em prática. Fizemos isso com o Brinquedo de Tambor, fiz isso com o Folia de Santo (sem Caçapa) e repetimos a parceria em Dois Cordões.
Para Dois Cordões o conceito foi o da dualidade. Buscamos trabalhar isso das composições aos arranjos, na formação instrumental (acústica da percussão e elétrica da guitarras), no projeto gráfico…
Blog: Em quase dez anos de carreira vieram em dois discos solo. Neles, você incursiona por elementos do samba de roda do Recôncavo Baiano, do coco de roda de Pernambuco e Alagoas e da música negra contemporânea. Tanto a platéia brasileira quanto a gringa já assimilaram essa sonoridade ?
Alessandra Leão: Apesar de tantas referências, todas tem uma matriz musical e estética muito semelhante e de fácil assimilação porque são baseadas numa música muito ancestral e forte. Por onde tocamos temos tido uma boa receptividade e empatia, ainda bem!
Blog: Outro dado a ser levado em conta para se compreender a força rítmica tribal de seus discos solo é o fato de você se sentir atraída pelos instrumentos de percussão. Entre os instrumentos percussivos está o pandeiro. Fale dessa afinidade ?
Alessandra Leão: Quando me interessei em estudar música, foi pela percussão. Principalmente por conta instrumentos de pele, tocados com a mão. Na formação instrumental do meu trabalho solo, fizemos questão de colocar os ilús e o pandeiro como eixo sonoro da minha música. O primeiro disco reverencia isso de maneira mais explícita por conta do nome, mas em Dois Cordões, a percussão soa mais complexa e “pesada” por conta da inclusão do terceiro ilú (mais agudo, que não estava presente no “Brinquedo de Tambor”), essa decisão reduziu a presença do pandeiro nos arranjos… e estou imensamente feliz com o resultado, porque a minha afinidade é com a sonoridade que conseguimos criar com essa formação instrumental. Sempre dizemos (eu e Caçapa) que cada música tem o que ela “pede” e isso deve ser respeitado…
Blog: O Mangue Beat, movimento surgido no Recife, foi um divisor de águas na cena musical brasileira no final da década de 90. De lá pra cá você ainda acha que a música feita em Pernambuco continua falando para o mundo ?
Alessandra Leão: Sem querer ser bairrista, acho que Pernambuco continua sendo um dos Estados que mais produz música hoje no Brasil e sem dúvida, a partir da efervescência do movimento Mangue gerou-se um interesse muito grande, de diversas partes do mundo, pelo que andamos fazendo por lá. O que acho mais vigorante na música produzida no Estado é o valor que damos a trabalhos autorais, criativos, inovadores e instigantes… Ser de Pernambuco acabou praticamente dando um atestado de qualidade em certos lugares, isso é muito bom em diversos aspectos, sem dúvida. Mudou o cenário do mercado interno, facilitou a projeção de muitos artistas de lá, mas ainda há muitas coisas para se modificar e profissionalizar nesse mercado, mesmo que as mudanças nesses anos tenham sido profundas e benéficas.
Blog: Qual a informação que você tem sobre a musicalidade maranhense ?
Alessandra Leão: Apesar de ser a minha primeira vez no Maranhão, escuto a música daqui a muito tempo. O nome Brinquedo de Tambor, veio da letra da música “Chorei Toada” de autoria de Seu Fernando Cabedá, que fazia parte do Boi de Costa de Mão, de Cururupu. Ouvi muitas gravações feitas na Casa Fanti Ashanti, do Boi de Maracanã, de alguns outros terreiros e grupos de boi e de tambor de crioula.
No repertório do show do meu projeto Folia de Santo (que lancei o CD no final do ano passado), cantava músicas do Baião de Princesa e do Boi de Maracanã… além disso, é impossível deixar de citar a importância da música de Zeca Baleiro e de Rita Ribeiro. Definitivamente, me considero uma grande fã e entusiasta da música maranhense.
Blog: Embora tenha feito um passeio por Alagoas e Bahia, a sua matriz ritmíca, sonora e de composição, é literalmente Pernambuco. O Maranhão estaria incluído em um projeto discográfico futuro ?
Alessandra Leão: Como falei na pergunta anterior, principalmente no “Brinquedo de Tambor” o Maranhão esteve de certa forma, bem presente. Além do título do disco ter saído de uma música de um compositor daqui, utilizamos algumas células rítmicas características do boi maranhense em algumas músicas (principalmente em “Chorei Toada” e “Guerreia, São Jorge”). Em “Dois Cordões” apesar dessa referência ter ficado menos explícita, acho que a referência e principalmente a reverência permanece presente, mesmo que de maneira menos explícita.
Blog: Fale um pouco do projeto itinerante pelo Nordeste do País ?
Alessandra Leão: Quando escrevi o projeto no Programa Petrobras Cultural, no qual ele foi selecionado e patrocinado pela Petrobras por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, deveria constar a produção do CD e a circulação do lançamento desse mesmo CD.
Priorizei essa circulação por quatro capitais do Nordeste (a vontade é que fosse em todas…) porque infelizmente, é muito mais difícil nós nordestinos, circularmos dentro do Nordeste. E como a minha música tem uma base no que produzimos na Região, não haveria sentido priorizar outra região nesse projeto.
Dentro dessa preocupação, os show tem acesso gratuito (com aqui em São Luis) ou com ingressos populares e também foi previsto a doação de CDs para Pontos de Cultura e escolas de música nesses quatro Estados (Maranhão, Ceará, Bahia e Pernambuco). Essa foi a maneira que encontrei de retribuir um pouco do que aprendi com os músicos daqui da Região.
Blog: É possível adiantar o que você reservou para o público de São Luís ?
Alessandra Leão; Escolhemos São Luis para abrir essa turnê e o show que trazemos à cidade é uma fusão dos dois discos. É um show dançante, festivo, mas que também permite uma pausa para a contemplação…
Blog: Obrigado pela entrevista. Bom show. Boa Sorte na carreira
Alessandra Leão: Eu que agradeço pela atenção.
Gostei do show, deu para matar a saudade da rica música pernambucana. Foi dançante e emocionante como uma boa música de raiz.