Há alguns mitos consolidados a respeito de Wilson Simonal (1938-2000). “Inventado” por Carlos Imperial, dividiu com Roberto Carlos, na década de 60, o lugar de cantor mais popular do Brasil. Fez 30 mil pessoas cantarem “Meu limão, meu limoeiro” e “Cidade Maravilhosa” no Maracanãzinho.
Filho da empregada doméstica da crítica Barbara Heliodora, deslumbrou-se com o sucesso. Era “alienado”, apolítico. Inventou de cantar a ufanista “País Tropical” com mais gosto e originalidade (suprimindo a última sílaba de cada palavra) que o próprio Jorge Benjor.
Era o “rei da pilantragem” – tanto no palco quanto fora. Dirigia carros esporte importados e namorava loiras – um negro arrogante, metido a besta. “Ou você vai ser alguém na vida ou vai morrer crioulo mesmo”, ele disse, uma vez.
Em conflito com o seu contador, mandou policiais do Dops darem uma dura no sujeito. O contador diz que foi torturado e apanhou. O “Pasquim” decretou: “dedo-duro”. Foi submetido, nas palavras de sua segunda mulher, a uma “overdose de ostracismo” – passou 30 anos na Sibéria, como observou Arthur da Távola. Quando os filhos começaram a carreira artística, assistia aos shows escondido, com medo de prejudicá-los.
Morreu aos 62 anos, em conseqüência de complicações geradas pelo alcoolismo.
O que há de verdade e mentira nessa história tão fascinante quanto terrível? Difícil saber. “Simonal – Ninguém Sabe o Duro Que Dei”, documentário que estreia nesta sexta-feira, pode até ter a pretensão de esclarecer alguns desses mitos, mas o seu maior atrativo é deixar tudo sem um ponto final.
Dirigido por Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal, o filme resgata imagens sensacionais de Simonal, a lembrar do seu talento e carisma. Recolhe ótimos depoimentos (até Pelé e Nelson Motta falam coisas interessantes!), ouve a versão do contador Raphael Viviani e leva o espectador a se emocionar com a tragédia que embalou as últimas três décadas do cantor – a tal “overdose de ostracismo” a que foi submetido.
Passada a emoção, restam várias dúvidas. Ainda que jornalístico e, naturalmente, superficial, o documentário poderia ter investigado um pouco mais. Foi, ou não dedo-duro? Mandou, ou não, bater no contador? Não consegue, porém, avançar no esclarecimento da questão que transformou Simonal num pária.
De um lado, os amigos conservadores (Mieli, Chico Anysio, Boni) repetem o discurso que o cantor foi vítima de um tempo de intolerância e radicalismo. O ex-todo poderoso da Globo chega a dizer que Simonal era boicotado pelos diretores e roteiristas de programas da emissora – ele nada podia fazer. De outro lado, apenas Jaguar e Ziraldo mostram a cara, como que conformados com o “inevitável” papel do “Pasquim” no episódio, mas lembrando que a condenação a Simonal começou na grande imprensa.
Apesar da forte, comovente e dominante presença dos filhos Max de Castro e Simoninha, “Simonal – Ninguém Sabe o Duro Que Dei” consegue ser um filme aberto, sujeito às mais variadas interpretações. É simpático a Simonal? É generoso com a memória artística de um cantor genial. Deixa claro que o músico cometeu um erro grave. E obriga o espectador a pensar sobre o tamanho desse erro e os seus efeitos. É bastante coisa para um filme.
Em tempo: o trailer do filme pode ser visto aqui.
Texto: Jornalista Mauricio Stycer