Com a palavra… Bruno Duailibe
A partir de hoje, as crônicas assinadas pelo advogado Bruno Duailibe para a coluna “Opinião”, do jornal “O Estado”, também serão publicadas em Hot Spot. Seu texto leve, despretensioso, jovem e arrojado tem tudo a ver com o identidade do blog. Diante disto, não pensei duas vezes antes de convidá-lo para dividir com os leitores de Hot Spot um pouco de sua eloquência. Os textos de Bruno virão sempre acompanhados de ilustrações de Salomão Jr., que faz parte da equipe de “O Estado”. Sem mais delongas, vamos às suas letras…
Mudança de Conceito
Em 1987, ao completar nove anos de idade, ganhei um inesquecível presente da minha corajosa mãe. Tratava-se de uma prancha de surf verdadeira, da marca Neutron, feita de fibra de vidro, que foi adquirida numa loja chamada Bandung, localizada no Tropical Shopping Center. Acabava-se, em caráter definitivo, a era das minhas pranchas de isopor.
Lembro-me perfeitamente de que, em razão da minha pequena estatura, não conseguia abarcar o meu novo instrumento de lazer por de baixo dos meus braços. E assim eu terminava chamando a atenção dos banhistas, porque era obrigado a caminhar pela praia até chegar ao mar com a prancha em cima da minha cabeça. E não foram poucas as vezes em que o forte vento se encarregou de derrubá-la na areia diante da falta de equilíbrio que ele me proporcionava.
Também foi marcante, poucos anos depois (1992), nas férias do mês de julho, o ataque de tubarão ocorrido na praia da Marcela, que lesionou no mesmo dia a integridade física de dois surfistas. Essa tragédia, me fez abandonar sem qualquer remorso as arrebentações do mar, que para um menino daquela idade pareciam ser bem mais fortes do que verdadeiramente eram.
Depois disso pratiquei outros esportes. Fui campeão de tênis, fiz judô, vôlei, natação, futebol de salão, de campo, taekwondo, mas nenhum que fiz, nem mesmo de longe, proporcionou-me tanta emoção quanto o surf.
O meu reencontro com esse esporte ocorreu muito tempo depois. Foi no ano de 2007, numa viagem à Costa Rica (reduto de ondas tubulares), por ocasião do casamento do meu irmão mais velho, e estava decidido, a partir daí, a retomar a prática dessa arte. Um torcicolo adquirido logo na primeira tentativa aqui em São Luís me fez rever essa intenção. Todavia, o ano em curso veio para mim como uma onda de retomadas e voltei a tentar equilibrar o quotidiano turbulento com o vai e vem do mar.
E durante esse processo fui surpreendido com uma reportagem no Jornal Nacional sobre o primeiro padre dos últimos cinquenta anos a residir no arquipélago de Fernando de Noronha.
O fato que a reportagem queria ilustrar era o de que, nas horas vagas, em vez de fazer o sinal da cruz, o padre fazia o sinal hang loose – aquele em que o dedo mindinho fica totalmente para fora juntamente com o polegar e os outros três dedos vão ao encontro da palma da mão.
Por detrás dessa imagem, o que ficou claro para mim foi que Pe. Glênio Guimarães percebeu que o surf pulsa na veia dos nativos de Fernando de Noronha e por conta disso ele entrou na vibe da comunidade.
Entretanto, a reportagem chamou a minha atenção para outra questão. Pareceu haver um empenho em enfatizar uma situação como inusitada: Fernando de Noronha tinha um “adepto diferente” do surf, dizia o apresentador Márcio Gomes.
Realmente, a situação é excepcional, mas a forma como foi descrita – e que eu mesmo posso ter, de algum modo reproduzido – deixa clara a tendência que temos de separar tudo em caixinhas e organizá-las em compartimentos isolados. Explico-me.
Na caixinha dos padres está concebida a imagem de um senhor inteiramente dedicado às atividades do seu ofício. Noutra caixinha, bem distante dessa, está a imagem do surfista, o cara da parafina no cabelo, das gírias e “descolado”.
Se tudo fica isolado em seus devidos compartimentos, não haverá problema. Se, por um acaso, duas caixinhas distantes como as que eu citei vierem a se combinar, há um curto circuito no sistema estabelecido.
Isso, a meu ver, está associado a três questões que ganham forma quando se analisa o “diferente” e que tem muito significado para os olhares que emprestamos ao que ocorre ao nosso redor.
A primeira delas diz respeito aos estereótipos, essas imagens preconcebidas e superficiais que criamos em nossas cabeças a respeito de determinadas pessoas, coisas ou situações e que, muitas vezes, são compartilhadas por grupos sociais inteiros. São elas que, normalmente, jogamos para dentro das caixinhas.
A segunda tem a ver com os juízos de valor que acompanham essas imagens, e que nem sempre correspondem à realidade. São esses julgamentos que usamos para isolar cada caixinha em seu devido lugar.
E, no caso de algum curto circuito, a terceira questão logo se manifesta, através de um sistema de represálias sociais e da discriminação.
Como essas três caixinhas possuem conotação negativa, escondemos a todo custo que temos estereótipos e preconceitos. E jamais assumimos que discriminamos quem quer que seja!
Ora, isso é mais que natural. Afinal, conservar as ideias compartimentadas e preservar juízos que entendemos ser “certos” é mais fácil e conveniente que reformulá-los diante dos incessantes curtos circuitos que a vida nos oferece. E aqui posso fazer a mea culpa, pois muitas vezes percebo que também sou levado por essa onda conservadora de paradigmas.
O fato é que tudo está em constante mudança e interação. Assim, tenho compreendido que revisar ideias e conceitos é essencial para que possamos evoluir espiritualmente. Para tanto, curtos circuitos se tornam imprescindíveis.
Se você tem medo de experimentar, vá com calma! Permitir-se conhecer outras caixinhas que se misturam pode ser um bom início.
Como incentivo e para usar apenas o exemplo do surf, compartilho com vocês leitores que o Príncipe William; o Senador Aécio Neves e o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, experimentam a sensação indescritível de deslizar sobre a onda em cima de uma prancha, dropando e surfando na sua crista. E até Barack Obama deu uma de “surfista”, quando numa visita à sua terra natal, Havaí, deslizou sobre as ondas com o próprio corpo, pegando o tradicional “jacaré”.