Política com “P” x política miúda
Há muito o que se ler e estudar, quando se procura entender os contornos da política e do governo, mas é a Antiguidade clássica que fornece os pilares para a sua compreensão. Em seu diálogo dialético A República, Platão esboça uma sociedade ideal, cujo fim é o bem comum. O seu discípulo Aristóteles, mais pragmático, assenta a política na ética como uma praxis condutora para a felicidade (individual e coletiva).
Todas essas concepções de política tinham como âmbito de aplicação as cidades-estado (polis). Com a sua destruição, novas formas de organização vieram a se estabelecer. No Renascimento, surge a ideia moderna de Estado e as teorias contratualistas desenvolvidas por Rousseau, Hobbes e Locke, que explicitaram o liame existente entre o indivíduo e o Estado: através de um contrato social o indivíduo cede parte de sua liberdade ao Estado que em contrapartida lhe garantirá proteção e segurança.
Sendo gerido por seres humanos – não por anjos, não por santos –, o Estado poderia se tornar uma outra fonte de ameaça contra os indivíduos, por isso passou a integrar o contrato social regras que limitam o poder estatal. De modo que, chegados aos dias atuais, tanto o bem comum como os limites da atuação estatal, assim como suas funções, atribuições de instituições e governantes são definidas pela Constituição.
Porém, há indícios de que nem o bem comum, nem a felicidade, efetivamente, constituem os escopos da atuação estatal; e é perceptível, nessa conjuntura, que grande parte dos governantes há muito deixou de ter em conta os limites do seu poder e de suas atribuições. Parece predominar as formas mais impuras do governo, descritas nas obras de Aristóteles e de Maquiavel, que em razão de suas diminutas finalidades, dão ensejo e vigor a uma política que ultimamente vem sendo tachada de “miúda”.
Cada vez mais presente em nosso tempo, essa “política miúda” administra, organiza e dirige os interesses daqueles que assumem o poder e pautam suas decisões através da troca de vantagens e desvantagens entre os grupos de comando. E, enquanto ocorrem as negociações, criam-se justificativas políticas e jurídicas de modo a demonstrar a todos que isso é para o bem comum.
Ainda que se legitime da ordem estabelecida por um Estado de Direito, a “política miúda” pode, às vezes, assemelhar-se às relações que emanam do pátrio poder ou do poder despótico.
E nem pense que ela é exceção nesses tempos de amadurecimento da democracia. Em verdade, parece endêmica e contamina searas que não se poderia imaginar. Por exemplo: a sua atuação pode contar com a contribuição de muitos daqueles que assumiram o compromisso de ajudar na administração, organização e direção da coisa pública, mas que, no exercício de suas funções, honram os interesses pessoais e materiais ao invés de promover o bem público.
Também a título de exemplo – e sem surpresa nenhuma –, é possível dizer que a “política miúda” está presente entre as entidades privadas que não querem ter seus interesses prejudicados. É que o Estado sempre pode dar um impulso para que a mão invisível não cumpra com a sua função.
Não bastasse a conivência de servidores públicos e da iniciativa privada, toda a “política miúda” também conta com o apoio de quem, por ignorância, imagina que os que estão a exercer o poder político podem usar como bem quiser a coisa pública. Na verdade, esses ignorantes também acham que se estivessem a exercer uma função pública, não deixariam de tirar uma “casquinha” da viúva.
O que é mais infeliz em toda a rede que é trançada pela “política miúda” são as suas consequências e seus efeitos, que podem ser sentidos em menor ou maior grau. E porque a ineficiência e ineficácia do modo de governar desse tipo de política posterga-se no tempo, mesmo aquele que ainda não nasceu também poderá ser atingido pelos seus tentáculos.
A não ser que, de amanhã em diante, a predominância da “política miúda” seja sobrepujada pela Política, escrita assim, com “P” maiúsculo, e que pode ter por referência Platão, Aristóteles, Hobbes, Montesquieu e até mesmo o incompreendido Maquiavel.
Bruno Duailibe
Advogado. Graduado pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduado em Direito Processual Civil no ICAT-UNIDF / [email protected]