Com a palavra, Bruno Duailibe!

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"O Filho ´Pródigo", tela do pintor francês James Tissot, inspirada na parábola bíblica, é a ilustração escolhida para acompanhar o texto de Bruno Duailibe.
“O Filho ´Pródigo”, tela do pintor francês James Tissot, inspirada na parábola bíblica, é a ilustração escolhida para acompanhar o texto de Bruno Duailibe.

Assepsia da alma

De acordo com uma compreensão contemporânea e laica, o perdão pressupõe uma transformação moral tanto do agressor quanto do agredido. Assim, de um lado, deve haver um arrependimento sincero, e, de outro, deve existir a disposição de apagar os ressentimentos (vide reportagem O poder do perdão, In Revista Veja, edição 2175, de 28.07.2010, pp. 128-134).

Essa noção, segundo os estudos de David Konstan, foi concebida no Iluminismo com fundamento nas modificações que Immanuel Kant provocou no pensamento ético até então vigente, ao sustentar a autonomia moral do homem em relação a Deus. A partir de então se disseminou a noção de que o perdão outorgado pelo agredido adviria de uma avaliação sobre a mudança interior do agressor.

Antes disso, no Ocidente, o perdão era concedido por intermediação divina. E se buscarmos elementos anteriores à expansão do Cristianismo, na Grécia Antiga, por exemplo, perceberemos que os erros humanos eram atribuídos às vontades dos deuses. Desses erros emanavam receios de uma reprimenda, mas não remorsos ou arrependimentos.

Acho que esse entendimento contemporâneo sobre o perdão está parcialmente correto. Explico. Decorre da minha vontade de perdoar. No entanto, para mim, o perdão nunca veio antecedido por pressupostos morais, nem é posterior a qualquer mudança de comportamento, assunção de responsabilidades, repúdio ao erro ou expressão de arrependimento pela dor causada. O arrependimento pode servir somente como um bálsamo para a dor infligida, jamais como uma condição.

Então, você poderia dizer:

– Perdoo, mas não esqueço.

Posso não ter a melhor exegese da questão, mas perdoar não implica em esquecer o que originou a mágoa. Na minha opinião, é não sentir mais qualquer mágoa ou raiva quando, porventura, você olhar para trás e se lembrar do fato.

Por exigir humildade, é inegável que o perdão não se concilia com orgulho. E você não precisa demonstrar o gesto de benevolência de que foi capaz. Ademais, tenha esquecido ou não, a verdade é que, se deixou os ressentimentos de lado, você provavelmente não “jogará na cara” de seu ofensor a mácula, nem se sentirá uma vítima das circunstâncias. Estará livre para se reconciliar ou para simplesmente seguir em frente. Sim, o perdão é indispensável para todo tipo de progresso!

Não é difícil compreender o modo como o perdão pode influenciar as nossas relações sociais e familiares. No prefácio do livro do psicólogo norte-americano Robert Enright (Exploring Forgiveness), o bispo africano Desmond Tutu defende que o perdão é importante para a existência humana. E isso também é de fácil assimilação, se lembrarmos que, no passado – e até mesmo no presente –, as civilizações já guerrearam e continuam ferindo umas as outras.

Menos claro, porém, é perceber como ele pode beneficiar nossa saúde mental e física. A plausibilidade desses benefícios fica evidente se você compreender que o perdão não favorece o perdoado em primeiro plano, mas, antes, você que perdoa.

Afinal, quando você se sente amargurado, ferido, traído, frustrado, decepcionado, você acaba por intoxicar a sua alma de negativas emoções e vibrações que podem ser sentidas também pelo seu corpo. E para quem acha que é balela, há investigações científicas que comprovam o efeito do perdão sobre o bem-estar emocional e físico daquele que o concede.

Das pesquisas que encontrei, a que mais me chamou a atenção foi o estudo capitaneado por Fred Luskin com a colaboração do psicólogo Carl Thoreses. Nele, esses cientistas comprovaram que um grupo que passou por oito semanas de aulas com técnicas de perdão, além de ter desfrutado do bem-estar emocional de perdoar, registrou uma diminuição da pressão sanguínea.

A alegação de que Luskin faz uso para explicar os efeitos do perdão sobre a saúde lança verdadeiras luzes sobre o desgaste energético que o rancor, a raiva e o ressentimento causam sobre o nosso corpo. Segundo ele, quando nos envolvemos sobremodo com esses sentimentos negativos, nosso corpo acaba por queimar energias que poderiam ser utilizadas em ocasiões em que elas seriam mais úteis e necessárias. Assim sendo, quem você acha que realmente se beneficia quando perdoa?

Demais disso, todos nós já erramos e, certamente, já fomos perdoados algumas vezes, senão sempre. Não há quem não tenha, mesmo que inconscientemente, frustrado os projetos de alguém, metido os pés pelas mãos, falado o que não devia, ou feito julgamentos equivocados. Erros assim são naturais ao homem, são inerentes à sua própria falibilidade.

E se todos nós somos suscetíveis ao erro, e erramos mesmo, por que não perdoar, então, quem falhou conosco?

O perdão exige que deixemos de lado a nossa limitação material, que nós deixemos de agir de modo estritamente racional. É preciso que “pensemos” e “falemos” com a alma, que é, sem dúvida, o elemento que pode nos ligar a algo divino, a algo superior.

E se perdoar é aproximar a nossa alma a um ser elevado, com certeza é uma forma de extirpar dela as impurezas incrustadas pelo rancor, pela mágoa, pelo ressentimento…

Assim, nessa mudança de ano que se avizinha, se você desejou e prometeu fazer de 2013 um ano diferente, que tal começar isso de dentro para fora? Como? Realizando uma verdadeira assepsia na sua alma através do perdão.

Bruno Duailibe Advogado. Graduado pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduado em Direito Processual Civil no ICAT-UNIDF / [email protected]

PUBLICADO NO JORNAL ESTADO DO MARANHÃO DO DIA 30.12.12

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