Com a palavra Bruno Duailibe!

0comentário

Do equilíbrio

A cena mostrava-se hilariante. O engenheiro vagando, aos tropeços, circulando entre as mesas do bar como se buscasse algo, mas, na verdade, ele estava bastante alcoolizado e tentava se aproximar da mesa do nosso amigo poeta, desenvolvendo um caminho tortuoso, totalmente desnecessário sob o ponto de vista de uma pessoa sóbria.

Eu, propositadamente, atrasei os passos, para acompanhar a cena de perto, com a premonição de que ele iria precisar de ajuda. Não deu outra. Desequilibrou-se para o lado em que eu estava e, se eu não o apoiasse, teria se estatelado no chão. Acomodei-o numa cadeira e ele balbuciando externou:

– A acho que é a mi mi minha la la la labirintite.

O poeta, que acompanhava a cena desde o começo, glosou:

– É, parecias estar no labirinto do Minotauro, da forma como te deslocavas neste pequeno ambiente.

O engenheiro, como que despertasse, imediatamente retrucou:

– Se este ambiente é um labirinto, quem seria o Minotauro?

Senti que o clima iria esquentar. Mas, para minha surpresa, o poeta manteve-se calado, numa postura equilibrada. O engenheiro alfinetou novamente:

– Poeta, parece que viveste na Grécia Antiga, pois toda vez que queres falar alguma coisa sempre te voltas para personagens gregos. O poeta, pensativo, provavelmente ainda digerindo a provocação sobre o Minotauro, aludiu:

– Meu estimado homem do concreto, mesmo passados dois mil anos, vivemos sob a égide das ideias de Platão e Aristóteles. Quase todo o conhecimento posterior a eles está assentado nas suas ideias de como o homem deveria viver. Platão sempre olhando para cima, no mundo das ideias, e Aristóteles, mais pragmático, olhando para o mundo real. Aliás, Aristóteles nos dá uma boa contribuição sobre o princípio do equilíbrio que, pelo visto, o colega hoje desconsiderou ao ingerir uma carraspana, que gerou essa “labirintite” de dá dó.

Para evitar um desentendimento desnecessário, imediatamente intercedi:

– Poeta, o equilíbrio é, por certo, um dos princípios mais apregoados nos dias de hoje, principalmente quando se fala de gestão pública. Eu, por exemplo, tenho um amigo prefeito de um município do interior, que sempre que alguém lhe pede algo logo responde e repete: “Tenho que manter o equilíbrio fiscal, tenho que manter o equilíbrio fiscal”. Vocês não estão vendo o que está acontecendo com a Grécia, Espanha e Portugal? Não mantiveram o equilíbrio fiscal…

O engenheiro, como se despertasse de um novo sono profundo, se levantou e afirmou:

– Eu consigo manter o equilíbrio. Vou fazer um quatro!

Nessa hora, se eu não o tivesse segurado, com certeza teria era caído de quatro no chão. Movido por mais essa cena cômica, o poeta não se conteve:

– Meu caro amigo das leis, o ser humano precisa compreender que o equilíbrio é de fundamental importância para o bem viver. Somos seres duais. Todas as vezes que uma das partes se sobrepõe de uma maneira muito intensa sobre a outra, ficamos desequilibrados e podemos desmoronar…

O engenheiro, porém, insistia em participar da conversa e logo interrompeu o discurso filosófico do poeta:

– É verdade, se não houver equilíbrio entre a quantidade de água, areia, cimento e brita, um prédio pode até desabar. Aliás, decisão sem equilíbrio, seja ela qual for, é sinônimo de decisão equivocada!

O poeta, como se não tivesse ouvindo a participação do engenheiro, continuou:

– Somos disputados por duas poderosas forças internas: Eros e Tanathos. Temos que mantê-las sob controle, como um cabo de guerra, em que não pode haver vencedor. Razão e emoção também devem encontrar o equilíbrio. Embora utilizando a nossa habilidade de racionalizar, não podemos desprezar o sentir. Um ser totalmente racional ou completamente emocional não contempla a beleza que existe na natureza onde tudo tende ao equilíbrio. O mesmo vale para a arte. Aliás, nesse campo é o equilíbrio da forma, é o equilíbrio das cores, é o equilíbrio dos sons que nos permitem apreciar a estética da beleza e do belo.

Mais uma vez, o engenheiro se levantou e, com o dedo indicador em riste na minha direção, inquiriu:

– A questão do equilíbrio é tão importante, meu nobre causídico, que o símbolo da Justiça é uma mulher de olhos vendados, carregando numa mão uma espada e na outra uma balança que expressa o equilíbrio. Não é isso?

– Sim, sim. É a representação da deusa Têmis, a deusa grega dos juramentos e da Justiça, a protetora dos oprimidos – complementei.

Como se refletisse por uns instantes, o engenheiro, agora num tom mais sério, se dirigiu ao poeta e propôs:

– Meu amigo poeta, com o causídico de testemunha, convido-o para visitar a Grécia, com todas as despesas por mim custeadas. Não posso morrer sem ver de perto o local onde viveram esses homens que tanto nos influenciam.

O poeta, como se duvidasse, me olhou de soslaio e indagou:

– Será que amanhã, quando ele recuperar o equilíbrio, ainda manterá esta proposta de pé?

Bruno Duailibe

Advogado. Graduado pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduado em Direito Processual Civil no ICAT-UNIDF/ [email protected]

 

Sem comentário para "Com a palavra Bruno Duailibe!"


deixe seu comentário

Twitter Facebook RSS