Com a palavra… Bruno Duailibe!

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Hot Spot volta a trazer um dos textos do nosso cronista convidado, o advogado Bruno Duailibe, que aborda, desta vez, sobre o que chama de “não compromisso com o erro”.

Um discussão libertadora e, ao mesmo tempo, construtiva a respeito desta nossa mania – sim, me incluo neste rol – de não conseguirmos admitir os nossos erros com facilidade e, tampouco, de compreender que, ao invés de nos depreciar, esta consciência pode, na verdade, nos edificar.

Bom, a respeito da apreciação do texto – que, confesso ter me identificado  muito -, deixo para os hotspotters tirarem suas próprias impressões após a leitura.

E para ilustrar o post, como sempre faço, decidi trazer duas imagens em forma de notícia. É que a dupla de grafiteiros “Osgemeos“, formada pelos irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, dois paulistanos que se tornaram expoentes mundiais de arte urbana, elevando seu trabalho com grafite ao status de obras artísticas de grande valor – inclusive, em cifras! -, esteve em São Luís nos últimos dias, realizando mais uma etapa projeto Whole Train, no qual pintam vagões de trens e metrôs.

Em nosso estado, a dupla aplicou sua arte em quatro vagões da linha de passageiros da Estrada de Ferro Carajás/São Luís. Assunto que volto a tratar com mais detalhes em outra ocasião. Por hora, trago dois posts no Instagram dos irmãos a respeito da passagem deles por terras maranhenses – o primeiro de um vagão já customizado com a arte de “Osgemeos”; o segundo, um registro dos nossos Lençóis.

O foco do momento é mesmo o texto do nosso convidado especial. Vamos às palavras de Bruno…

Do erro

 

Além de virtudes que parecem faltar aos desavisados, costuma-se reconhecer em Juscelino Kubitschek um homem flexível, humilde e que admitia, sem qualquer cerimônia, os seus erros. Sobre a sua postura em relação às falhas cometidas, reiteradamente ele dizia: “Não tenho compromisso com o erro”. 

 

Vera Brant, uma das grandes amigas do ex-presidente, compartilhou em seu sítio eletrônico uma troca de correspondências capaz de provar que ele seguia esse preceito à risca. Em 1975, durante um jantar, ao ser comentada a prisão do então deputado Chico Pinto, JK teria dito: “Este Chico Pinto deve ser comunista”. 

 

Vera, então, retrucou o julgamento precipitado do ex-presidente que, a um só tempo, utilizara o termo pejorativo dos militares a uma ideologia, quanto condenara o deputado sem nem mesmo saber o real motivo de sua prisão. Em seguida, ela esclareceu que a repreensão tinha decorrido de um discurso realizado na tribuna da Câmara dos Deputados, através do qual Chico Pinto criticava duramente Augusto Pinochet, as torturas e violências do regime ditatorial do Chile (que, aliás, eram bem semelhantes às do regime brasileiro). 

 

Dias depois, com o intuito de realçar a necessidade de se separar o joio do trigo, Vera remeteu ao ex-presidente Juscelino uma cópia do discurso proferido pelo parlamentar. E aqui faço questão de reproduzir um trecho da resposta que o ex-presidente deu a ela:

 

“Li, com muito interesse, a documentação que você me mandou. Sempre tive, quando no governo, um pensamento: ‘Não tenho compromisso com o erro’. Talvez tenha sido esta uma das razões que me impediram de errar muito. Inspirando-me nesta sentença, quero lhe confessar que volto atrás nas restrições que fizera ao seu amigo. Modesto, bravo, sem nenhum exagero na colocação de sua filosofia, ele encarna realmente um pensamento positivo, uma filosofia democrática.”

 

A leitura das palavras propositadamente transcritas denota o bom emprego das características com as quais me referi a Juscelino Kubitschek. Mais do que isso, percebe-se que, embora ele se guiasse por um compromisso com o acerto, ele também errava e era capaz de voltar atrás, o que não o inferiorizava, mas o tornava ainda mais admirável.

 

Num momento em que, por um lado, verifica-se a recorrência de erros; e, por outro, observa-se a crescente intolerância ao erro, JK deve, mais uma vez (e quantas vezes forem necessárias), servir de exemplo. De antemão, não nego que erros possam ser imputados ao ex-presidente ou ao seu governo. Ele mesmo não dizia o contrário disso. 

 

A reflexão sobre um erro leva a crer que tanto as falhas banais quanto os mais graves equívocos nos servem de lição. E, se por um lado, parecem nos empurrar para trás, por outro podem nos conduzir ao crescimento, mesmo que o progresso se limite apenas ao nosso próprio aprendizado. Isso é perceptível nos detalhes mais elementares do cotidiano ou nas decisões que mudam o caminho da história, tal qual o erro de Cristóvão Colombo quanto ao tamanho da Terra, que o conduziu para o descobrimento da América. 

 

É, porém, na produção científica que a manifestação do erro pode levar aos avanços mais significativos. 

 

A ciência trabalha com ideias que nunca estão acabadas e se fomenta no ceticismo quanto à existência de verdades absolutas. Por isso, testa seus fundamentos e pilares constantemente em busca de erros; de sorte que, quando, finalmente, os cientistas verificam existir falhas, acabam por reformular os teoremas, teorias, hipóteses e paradigmas, para novamente começar a testá-los. E, embora se aperfeiçoem técnicas e métodos, até o presente momento ninguém foi capaz de encontrar uma fórmula que impeça o cometimento do erro.

 

Noutro passo, apesar de propiciar progressos, cometer uma falta é sinônimo de falhar, algo cada vez menos escusável na sociedade pós-moderna e, por consequência, pouco tolerado. Na verdade, desde a escola, percebemos que errar pode ter um gosto amargo. E, quando já estamos adultos, as falhas cometidas se transformam em resultados inadmissíveis.

 

Apesar de também ter o desejo de sempre acertar, não creio que uma sociedade que inadmita falhas possa garantir a dinâmica necessária às evoluções que são incitadas por um processo dialético e contínuo da ciência e das relações humanas. 

 

E antes que se faça alguma conclusão apressada, registro que enaltecer o erro por meio de argumentos que o valorizem diante da dinâmica do conhecimento ou justificá-lo através da falibilidade humana, de modo algum significa consenti-lo, tolerá-lo em demasia ou ignorar a responsabilidade que emerge diante de uma falta. 

 

Ainda no sentido de consolidar o raciocínio, devo afirmar que a sucessão dos mesmos erros não pode e não deve ser tolerada (a exemplo da corrupção no Brasil). E, em alguns casos, até o primeiro equívoco deve ser coibido. Mas, na verdade, o bom mesmo seria se antes de repreendermos as falhas alheias com a mesma intolerância que as apontamos, puséssemos a mão na consciência e admitíssemos os nossos próprios erros. 

Bruno Duailibe

Advogado. Graduado pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduado em Direito Processual Civil no ICAT-UNIDF / [email protected]

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