
O que realmente estamos celebrando quando paralisamos no feriado de Tiradentes?
O dia 21 de abril é feriado nacional há 135 anos. A data foi oficializada em 1890, pelo governo provisório de Deodoro da Fonseca, como forma de homenagear Tiradentes, figura central da Inconfidência Mineira. Desde então, foi reafirmada em outros momentos da história, como em 1933, 1949 e 2002. Mas o que há por trás dessa escolha simbólica e do herói que representa?
Tiradentes foi apresentado como mártir da liberdade e herói nacional, mesmo tendo sido, à época, uma figura de menor expressão no movimento inconfidente e senhor de escravizados. Foi enforcado em 1792 por ter participado de um movimento que almejava a independência do Brasil do domínio português. No entanto, a escolha desta data como símbolo da luta por liberdade nacional exige uma reflexão crítica e contextualizada.
A Inconfidência Mineira foi um movimento regional, elitista e limitado, restrito majoritariamente à elite letrada e econômica de Minas Gerais, que estava insatisfeita com a cobrança abusiva de impostos — especialmente a temida derrama, imposta pela Coroa portuguesa — mas que não tinha uma proposta clara de ruptura com o modelo escravista ou de inclusão popular.
Ao contrário do que muitas vezes se divulga, não havia um projeto popular ou inclusivo de liberdade. Os inconfidentes queriam, em sua maioria, preservar seus interesses e riquezas. Inclusive, Tiradentes, tido como herói da independência, era também proprietário de escravizados, o que contradiz qualquer ideal moderno de liberdade universal.
Ainda assim, o feriado se mantém e Tiradentes é reverenciado como herói. Ao longo do tempo, foi ressignificado: sua barba foi alongada, sua imagem comparada à de Cristo, e sua figura reescrita como símbolo da luta contra a opressão. A República precisava de um herói fundador e encontrou nele uma construção conveniente, mesmo que seletiva e distorcida. A mitificação de sua história apagou contradições importantes — inclusive o fato de ele ter sido escravocrata.
Essa celebração revela como o Brasil construiu sua identidade nacional com base em narrativas idealizadas, ignorando contradições históricas profundas. Transformar Tiradentes em símbolo da luta pela liberdade é, ao mesmo tempo, excluir os verdadeiros protagonistas das resistências populares — indígenas, quilombolas e camponeses, como Sepé Tiaraju, Maria Felipa de Oliveira e Chico Mendes — que combateram a opressão de forma mais direta e com custos igualmente altos.
Portanto, mais do que uma celebração acrítica, o 21 de abril deveria servir como um momento de reflexão sobre a complexidade da luta por liberdade no Brasil. Revisitar o passado com olhar crítico não significa negar a importância histórica de Tiradentes, mas entender que os símbolos nacionais precisam ser debatidos, contextualizados e, quando necessário, ressignificados para refletir os valores democráticos e inclusivos que o país ainda busca alcançar.