Mulheres ludovicenses conquistam o direito à dupla maternidade

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O sonho da maternidade uniu as maranhenses Ana Luísa Azevêdo e Rayane Moura em um só propósito e possibilitou à Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE/MA) atuar em uma ação de dupla maternidade, tornando oficial o que já era realidade na vida das duas mulheres. É que, às vésperas do Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, celebrado no último 29 de agosto, as jovens tocaram pela primeira vez a certidão de nascimento do filho Pedro Miguel Azevêdo Moura, de 1 ano e 9 meses.

“Quando eu olho para essa tão simbólica folha de papel, vem o sentimento de gratidão. O meu maior desejo era que ele levasse o meu nome e o da Rayane. Foi um processo que não demorou, foi muito rápido, cerca de um ano, e nós tivemos uma excelente assistência da DPE/MA. Olhar para o nome dele, carregando o nosso sobrenome e de nossas famílias é muito gratificante. Nós sempre nos perguntávamos se seria possível e, hoje, a gente vê que sim, foi possível”, se alegra a dona de casa Ana Luísa Azevêdo.

A causa chegou até a DPE/MA por meio do Núcleo de Defesa da Mulher e da População LGBTQIAPN+, ainda sob a titularidade da defensora pública Lindevania Martins, que recebeu a demanda, preparou a documentação e protocolou a petição. Foi um trabalho conjunto. No âmbito forense, quem acompanhou todo o processo, inclusive nas audiências, foi o defensor público titular da 3ª Vara da Família, Marcelo Ramos de Oliveira.

A defensora pública Lindevania se sente orgulhosa por desempenhar as suas funções laborais em casos como o de Ana Luísa e de Rayane, muito além do campo jurídico, do conflito. “Não percebemos como o momento presente pode produzir uma alegria e uma esperança em dias melhores que se estende para além das partes que se encontram envolvidas no caso específico em que trabalhamos.  É algo que nos fortalece como seres humanos e aprofunda o nosso senso de coletividade, sabendo que nossa geração não irá durar para sempre e que todo o trabalho que fazemos hoje, resultado da soma de muitas mãos e de olhares que vem de diversos lugares, também se faz por uma ética pelos que virão depois de nós”, conta a defensora pública Lindevania Martins.

Para constarem os nomes da consultora de vendas Rayane e de Ana Luísa na certidão de nascimento de Pedro Miguel, a DPE/MA realizou estudo social para constatar a união do casal, visita domiciliar para observar as condições do ambiente em que a criança estava sendo criada, quais cuidados estavam sendo ofertados ao bebê e também escuta das partes pelo Núcleo Psicossocial da Defensoria. Localizado na Casa da Mulher Brasileira, no bairro Jaracati, em São Luís, o Núcleo da Mulher da DPE/MA tem as demandas atendidas pela assistente social Nathalia Tinôco, que também é responsável pelos mutirões de retificação de nome e sexo em todo o estado. “O estudo social é essencial para a fundamentação das ações de dupla maternidade. Durante a movimentação processual, por exemplo, sempre nos colocamos à disposição das partes a fim de esclarecer todas as dúvidas. Alguns casais, após o ato da gestação, já procuram a DPE/MA para ingressar com ação de dupla maternidade a fim de garantir que, na realização do registro, já seja incluído, no campo ‘filiação’, os nomes das mães. Outros casais também nos procuram após o nascimento da criança, por não terem conhecimento do auxílio da Defensoria Pública”, afirma a assistente social.

Tinôco aponta a relevância da inclusão de todos os documentos e provas que corroborem o pedido de dupla maternidade perante a Justiça. Mais ainda quando se trata de inseminação caseira, método de fertilização mais comum, dentre as demandas desta natureza, recebidas pela Defensoria Pública.

“Dentre os documentos necessários, que orientamos os casais, estão o termo do doador, onde assume não ter interesses na paternidade ou financeiro, no ato da doação do material genético. Esta ação também abarca informações quanto aos valores dos custos com inseminação artificial, com orçamentos coletados pelas famílias, que provem e justifiquem o alto investimento e a consequente escolha pela inseminação caseira. A técnica, que como o próprio nome já diz, é feita em casa e consiste na introdução do sêmen do doador no útero da mulher que pretende engravidar, sem que haja a relação sexual. Por fim, pedimos a declaração de união estável, certidão de casamento e exames médicos que atestem a gestação e o período gestacional, além de documentos pessoais, comprovante de residência e certidões judiciais, para que sejam protocolados todos os documentos de uma vez só”, pontua Nathalia Tinôco.

Ana Luísa Azevêdo, Rayane Moura e Pedro Miguel vivem no bairro São Raimundo, distante quase 25km do centro da capital maranhense.  Para o novo episódio do quadro “Transformando Vidas”, produção jornalística que narra vivências de cidadãos e cidadãs maranhenses que tiveram o curso de suas vidas recalculado por meio da atuação Defensoria, elas puderam contar um pouco de sua história de superação.

“Eu sempre digo para a Ana que eu quero participar da educação do Pedro como a outra mãe dele. Mesmo não sendo a mãe que gerou, que carregou no ventre por nove meses, eu quero fazer parte da criação dele, das responsabilidades e compromissos diários. Nos revezamos em tudo, desde a alimentação até as atividades de higiene, de toda a rotina do nosso filho. Quando a gente ouvia que não ia realizar o sonho de aumentar a nossa família, eu ficava muito triste, mas nunca cogitei desistir desse nosso plano. As pessoas criticam, colocam a gente para baixo, dizem que é difícil ou impossível, mas nunca deixamos de lutar”, lembra a consultora de vendas.

Fora dos serviços de Saúde e da competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou do apoio de um profissional de saúde, o método inseminação caseira ainda não é amparado por nenhuma legislação no Brasil, como alerta a assistente social da DPE/MA. “Infelizmente, a inseminação caseira ainda não é uma atividade assegurada por lei, portanto, sempre exige uma ação judicial. Assim, quando um casal consegue, judicialmente, colocar os nomes das duas mães na certidão, é ali a concretização de um sonho. Casais que tenham esse anseio tão profundo dessa experiência única da maternidade, da gestação compartilhada e da responsabilidade que essa decisão traz, busquem a Defensoria Pública. Somente assim vamos conseguir lutar pelos direitos de quem nos procura”, ressalta a assistente social.

As mães se orgulham da decisão e sabem que todas as escolhas aconteceram em prol de sua família e do desenvolvimento pleno do pequeno Pedro Miguel. “Não há nada que nós faríamos diferente, afinal, o nosso lar é só amor. Construímos um lar do zero, uma família muito feliz. Somos muito gratas. Nosso maior medo era que nosso filho não entendesse que ele tem duas mães, e a nossa maior felicidade é que ele chamou a Rayane de mãe primeiro do que eu, que gestei. Ele é muito amado e será para sempre”, finaliza Ana Luísa.

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