Que nessas manifestações tem vândalos, marginais, imbecis e até marginais, infiltrados todo mundo sabe, mas a presença de idiotas covardes que atacam jornalistas em pleno cumprimento do dever é brincadeira, né? Não dá para entender que um movimento que está explorando nitidamente a mídia trazida pela Copa das Confederações para o Brasil, querer hostilizar os jornalistas locais. Até porque muita gente que está lá vai com o único intuito de aparecer. Quem tem de dizer se um veículo de comunicação presta ou não é o telespectador/leitor. E ponto final.
A questão é que a hostilidade contra jornalistas e a mídia em geral durante as manifestações em São Luís é uma tremenda estupidez. A cena do veículo da TV Mirante depredado e as pedras jogadas na equipe de reportagem da emissora na quarta-feira foi uma das mais tristes entre tantas coisas bacanas que aconteceram no evento. Fica a pergunta: o que o movimento ganha com isso?
Nada. Primeiro porque premissa mais básica do movimento é a liberdade. Liberdade de manifestação, de escolher um tema para reivindicar, de não seguir caciques. Ora, se você não gosta desta ou daquela emissora, mude de canal.
Em segundo lugar, a imprensa é extremamente útil para a divulgação do movimento. Nem todo mundo está no Facebook. A informação precisa fluir para que mais gente participe da causa.
Terceiro ponto: é perigoso achar que o fluxo de notícias se resolve pelas redes sociais. Jornalistas profissionais existem (pelo menos ainda) para checar informações, contrapor dados e fontes. Fazer isso custa tempo e dinheiro, por isso a existência de empresas de comunicação.
Manifestações individuais são válidas e essenciais, mas você acha mesmo que ler um monte de opiniões picadas e sem embasamento nas redes sociais vai torná-lo um cidadão bem informado?
A cruzada contra os jornalistas também é um tiro no pé da fiscalização de políticos e partidos, que é afinal o principal foco das manifestações. Nesse caso, sinceramente, você acha que é o seu amigo do Face que descobre as maracutaias dos bastidores do poder? Não, é o repórter que tromba com as excelências o dia inteiro.
Por último, vou repetir o desabafo da minha colega de trabalho, Thamirys D’Eça, que foi covardemente agredida nas redes sociais por expor a sua opinião sobre um fato. O que a minha colega esqueceu é que como diz o cantor Lobão: dialogar com estas pessoas é como é como jogar xadrez com pombo. Ele vai derrubar as peças, cagar no tabuleiro e sair de peito estufado cantando vitória…
O desabafo de uma trabalhadora
Fui chamada de “vagabunda”, “sem noção”, “burra”, “alienada”, “vaca” e “jornalista baba ovo”. Mandaram eu “enfiar o microfone no cu” (apesar de ser repórter de jornal impresso e não de TV), disseram que sou “advogada do ‘Sistema Mentira’” e fizeram referências sexuais que vou poupá-los de descrever aqui. Fui também desafiada a aparecer no protesto que vai acontecer neste sábado na Maria Aragão.
Tudo isso em uma página do Sampaio Corrêa, que eu não sei por qual motivo – afinal, era para fazer postagens sobre o time de futebol, mas agora usa o espaço para discussões políticas – resolveu publicar o print de uma postagem que fiz aqui na minha linha do tempo considerando incoerente quem procura a Mirante quando precisa divulgar algo e agora, embalado pela onda dos protestos, menospreza, ameaça funcionários e promete jogar pedras e incendiar a empresa.
É lamentável saber que passei anos estudando para conseguir uma vaga em uma universidade pública, anos estudando para conseguir concluir as disciplinas do curso de Comunicação Social, anos trabalhando como estagiária até conseguir carteira assinada, perder feriados, festas de fim de ano, carnaval, São João, noites de sono e tantas outras coisas por ter estado, por exemplo, subindo em morro, entrando no mangue, encarando sol e chuva para fazer uma reportagem.
Para muitos, nada disso importa. Para manter o discurso do “Fora Sarney”, vale fazer o que fizeram ontem, por exemplo, depredando o veículo de reportagem da TV Mirante durante o #VemPraRuaSLZ.
Vale também jogar pedras no repórter que estava cobrindo a manifestação e fazendo nada além do seu trabalho. Teve equipe que teve de ir embora escoltada pela polícia. Quem estava lá trabalhando pelo jornal O Estado teve de esconder o crachá para não ser hostilizado.
Ontem, durante o #VemPraRuaSLZ, vários gritavam “Ei, ei, ei, a Mirante é de Sarney”. A pergunta é: o ônibus lotado que eles pegam todos os dias é culpa de quem? A fila nos hospitais é culpa de quem? O engarrafamento diário em diversos pontos da cidade é culpa de quem? É do poder público. Uma empresa privada nada tem com isso. Dentro dali são cidadãos comuns que saem todo dia de casa e trabalham o dia inteiro para receber o salário no fim do mês. Gente como eu, gente como muitos que estavam ali protestando.
E se engana quem pensa que essa “repulsa” acontece só com a Mirante. A imprensa, em geral, sofre esse tipo de represália descabida. Vejam só os exemplos de equipes de reportagens cobrindo os protestos em todo o país. Repórter da Folha que levou um tiro de bala de borracha no olho, carro da Record incendiado, repórter da Globo quase linchado. Vários casos de profissionais que, para cumprir a sua pauta, estavam ali encarando bomba de gás lacrimogêno, spray de pimenta, correria. Falam em liberdade de expressão, mas não deixam a imprensa trabalhar. Os valores estão distorcidos.
Fica realmente muito difícil esperar uma mudança nos rumos do país com um povo que não consegue diferenciar o que é dever da imprensa e o que é dever do poder público, que não respeita o profissional que está exercendo o seu trabalho ou, como aconteceu comigo e expliquei no início do texto, faz um cidadão comum ser tachado por uma coisa ou outra por razões ideológicas.
Por Thamirys D’Eça, jornalista do O Estado do Maranhão