Os cães e a caravana…

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Peço permissão ao meu amigo Augusto Cesar Maia para reproduzir neste meu blog o texto que foi, por ele escrito, a respeito do ex-presidente José Sarney. O poeta soube, com o depoimento de quem presenciou boa parte da trajetória desse grande brasileiro, dar a sua contribuição para o debate atual, convocando os leitores a refletirem e não se deixarem manipular pelas matérias tendenciosas  veiculadas na imprensa do sul do País.

“Os cães e a caravana…

Era final de junho de mil novecentos e setenta e dois, quando voltei para São Luis após minha primeira passagem pelo Rio de Janeiro, onde vivi parte de minha juventude. Sem lenço, mas com documento, especializado em programação de sistema, meu destino era a Prodata, primeira empresa maranhense no ramo da informática, onde iniciei de fato a minha mutante vida profissional, que se não chega a ser brilhante, pelo menos me permite andar de cabeça erguida. Trinta e seis anos depois, atravesso o túnel do tempo para imprimir lembranças desses anos, os mais dourados de minha vida, que me ensinaram a fazer, o mais corretamente possível, o dever de casa.

 O momento era de mudanças, o Estado caminhava para o futuro após o revolucionário governo do Dr. Sarney, o povo respirava desenvolvimento e a cidade se vestia de esperanças para encarar ousados desafios. Ainda cheia de preconceitos, que caminhavam maliciosamente entre suas vielas estreitas, tão estreitas quanto o amanhã que se antevia antes de minha partida, a cidade crescia com expectativas de ser tão grande quanto a visão de quem a modificara. De um lado, a ponte ligando o centro histórico ao São Francisco, tinha a visão do futuro, do outro, a barragem do Bacanga, abria suas portas para o mundo, através do porto do Itaqui e para lá do Estreito dos Mosquitos, novas estradas integravam o Estado aninhando seus filhos em torno da bandeira do progresso. O Maranhão estava planejado para 50 anos na frente.

Os hábitos aos pouco mudavam, a televisão embora ainda não massificasse os maus costumes, já influenciava no dia a dia das pessoas. As políticas culturais implantadas pelo Sarney das artes, evidenciavam as manifestações populares, que de restritas as periferias, passaram a frequentar os salões, com pompas e galas (mais tarde Sarney Presidente, criaria a primeira lei brasileira de incentivo a cultura) e nossa exuberância literária prosseguia com o sonho da Atenas. A Ilha continuava pacata e seus “meganhas” honravam a farda que vestiam. O cotidiano só se agitava no banzeiro das ondas e marinheiros de além mar aqui aportavam atraídos pela oportunidade de bons  investimentos. Os bondes já fora dos trilhos davam lugar a transportes mais confortáveis, novos bairros surgiam e o asfalto cobria as ruas paralepipedadas, escondendo os longos anos de atraso por que passamos. Era um Maranhão novo, onde a universidade deixava de ser um sonho de gerações para que a escolaridade colasse grau acadêmico. O projeto João de Barros, pioneiro no Brasil com sua TV – Educativa, levava sem medir distancias, o ensino a quem tinha a sede do saber. E a saúde se prevenia contra os males para não agonizar num tratamento intensivo.

Na Prodata fiz carreira, percorri seu organograma e compus numa equipe técnica de alto gabarito, até o dia que descobri que meu compromisso era com as palavras e meu ofício vinha das madrugadas, procurei meu rumo e agora estou aqui gastando vossas vistas e paciência.

 Foi assim que me instalei naquela realidade, esqueci que o Rio era a cidade maravilhosa e passei a admirar José Sarney, por entender ser ele o mais ilustre e o mais importante maranhense de todas as épocas. 

O Maranhão Novo foi um atestado de competência e serviu como primeiro capítulo para a trajetória deste homem simples, desencravado das margens do Pericumã, que iluminado pela estrela das manhãs, transcendeu a sua província para governar sua Nação. Um dos maiores políticos de nossa história contemporânea, responsável pela redemocratização do Brasil, que se privilegia da imortalidade como cronista, poeta, romancista, ensaísta e intelectual, de um caráter e uma lealdade irrepreensível e acima de tudo, de um profundo amor pelo seu povo. 

Sobre as pedras que agora lhe jogam, entristeço ao localizá-las em uma passagem bíblica. “Ele” também não agradou a todos, por isso foi crucificado.

A intenção é clara, manipular informações e inverter fatos para desgastar a imagem de quem pesa na balança do processo sucessório que se aproxima. É lamentável esta prática de fazer política.

 O Dr. Sarney por tudo que representa para o nosso Estado e para esta Nação é intocável, no mais, é gente querendo pousar na foto ao lado de quem é ídolo.

 Presidente não se deixe abater diante desta perseguição. E enquanto o tempo não lhe absolve, vamos de provérbio árabe: “Os cães ladram e a caravana passa””.

Texto escrito pelo poeta e compositor Augusto Cesar Maia
 

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A Curacanga

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curacanga.jpgCriança de hoje se diverte com o Play Station. O Lobisten e o Krakken, personagens do Ben 10 Power Splash e o Darth Vader e o Skywalker, do Star Wars, fazem atualmente a alegria da garotada.

No meu tempo de criança, em Pinheiro, as brincadeiras eram outras. Se o tempo das chuvas chegava, umedecendo o solo arenoso, a pedida era o jogo de chucho. Cada um preparava com esmero sua ferramenta dobrando cuidadosamente uma das extremidades do vergalhão e amolava numa pedra a outra ponta, como se fosse uma agulha. E partíamos alternando as jogadas, espetando o chão e interligando os furos deixados na areia, na tentativa de bloquear a jogada do adversário. O jogo de Borroca era outro que atraía a meninada. Carregávamos sempre dentro de uma velha meia, amarrada na cintura, as bolinhas de vidro que eram disputadas ardorosamente no jogo. Quando a estiagem chegava dava-se início a temporada de empinar os papagaios. Para cada tempo, uma brincadeira diferente.

No entanto, nas cidades do interior, diversão de criança era de dia. À noite, com as ruas escuras e sem televisão, criança tinha, mesmo, era que ir dormir cedo.

Nas calçadas, os mais velhos atemorizavam a todos nós com suas histórias mal assombradas que carregamos conosco pelo resto de nossas vidas.

Nos campos e nos alagados de Pinheiro a Curacanga era temida por todos. Um fogo azul, avistado ao longe, deslizava feito pluma carregado pela brisa morna das noites de verão. Dito pelos mais velhos, era coisa do além. Diziam que quando uma mulher tem sete filhas, a última delas vira Curacanga. Sua cabeça sai do corpo e, à noite, assume a forma de uma bola de fogo que sai girando à toa pelos campos atemorizando a quem encontrar.

O Fogo-fátuo dá origem a muitas superstições populares. Os mais antigos amedrontavam as crianças dizendo tratar-se de espíritos malignos que perseguem os viajantes. Há quem os considere como presságios de morte ou desgraças.
Os cientistas (coitados deles, nunca viram uma Curacanga…) explicam o fenômeno do Fogo-fátuo como uma reação química espontânea, proveniente da queima do gás metano, gerado pela decomposição de substâncias orgânicas. É uma bola de fogo frio, de cor azulada, e intensidade fraca que se torna mais intensa, quanto mais escura for a noite.

Vizinho à minha casa morava um velho chamado Mariano Chagas. Seu filho tinha um nome estranho: Prodamor. Quando lhe perguntavam o porquê daquele nome, era respondia que o menino era o produto do amor de Mariano e Maria Amélia, sua mulher.

Tinha eu cerca de seis a sete anos, quando certo dia o velho Mariano Chagas amanheceu enforcado em sua própria casa. Muitos garantem que ele foi assassinado. Confesso que nós, seus vizinhos, não ouvimos nada de suspeito nessa noite fatídica.

A partir desse dia, durante as noites, eu não passava, nunca, em frente à velha casa dele. Dava volta inteira no quarteirão. Morria de medo! E se a Curacanga aparecesse lá do fundo do quintal?

Tempos atrás, passei por uma experiência terrível. Era tarde da noite. Noite de Lua Nova. Já não havia mais luz. Apenas as estrelas a iluminar o meu caminho em direção ao Porto de Doroteu. A escuridão era total e eu ia pegar uma canoa na beira do campo para me dirigir ao Bamburral onde meu pai tinha uma fazenda chamada Bom Jesus.

João Costa, canoeiro dos mais hábeis, carregou a canoa com os mantimentos e eu tomei lugar num banquinho estreito. Equilibrado em pé ao fundo canoa João Costa começou a empurrá-la com sua vara de Atiriba, enquanto eu permanecia sentado, imóvel, para não fazer água. Fiquei a contemplar os vagalumes que, tal qual Leds intermitentes, iluminavam o caminho aberto pela canoa entre as flores do Mururu. Ao longo da viagem as pragas (o mesmo que pernilongo) não me davam tréguas. De repente, lembrei-me das Curacangas. Comecei a ficar com medo.

Não conseguia domar o meu pensamento. E eis que de repente serpenteava bem a nossa frente uma enorme bola de fogo. João Costa, um negro forte, mas tão medroso quanto eu, desequilibrou-se quase alagando a canoa. Tentou mudar de direção e a Curacanga acompanhava a canoa para qual lado ela seguisse.

A Curacanga crescia aos meus olhos e flutuava sobre as águas, vindo em minha direção. Lembrei dos espíritos dos mortos e da cabeça da criança. Confesso que nunca senti tanto medo em minha vida. O fogo se aproximava e como um grande clarão, refletia sobre o espelho d´água fazendo-se parecer maior ainda. Suando de tanto medo debatia-me naquele reduzido espaço do banco da canoa na tentativa de me livrar daquela assombração. Um pavor!

De repente, um toque nos meus ombros me despertou. Era apenas um sonho. Na verdade um grande pesadelo.

Obrigado Bete, por ter me acordado a tempo.

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O couro do Boi

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coro-do-boi.jpgDizem que só um louco é capaz de concorrer a uma eleição!

A disputa por um mandato eletivo obriga o candidato a vivenciar situações inimagináveis.

Mas como o ditado popular também registra que “de poeta e louco todos nós temos um pouco”, talvez aí resida a explicação para que tantos tentem e persistam na carreira política.

Da minha pouca experiência eleitoral, e graças aos ensinamentos de Dona Diana, minha mãe, procuro sempre guardar as boas recordações. As outras, meu cérebro seletivamente se encarrega de deletar.

Dias atrás estava eu relendo um livro na sala da minha casa, quando desviei os olhos das páginas e percebi que um Boi me observava. Sisudo, com seus chavelhos lustrados, imóvel logo à minha frente, quase me assustei, não fosse ele presença assídua naquele canto da sala. Não pense o leitor que era um animal, não! O Boi, na verdade, havia sido um presente que recebi de um amigo, muitos anos atrás.

Os canutilhos e as miçangas bordadas sobre o veludo preto conferiam ao couro do Boi uma beleza somente encontrada nas telas dos grandes pintores. Decorando a minha sala e admirado pelos amigos que me visitam, aquele Boi deve ter sido esculpido pelas mãos hábeis de um grande mestre artesão. Quase sempre sou obrigado a contar a história da procedência desse Boi.

Em 1986, certo amigo, ainda hoje deputado, resolveu buscar um assento no parlamento estadual. Seu irmão, Pedro Álvares, renomado advogado, decidiu ajudá-lo financeiramente.

A família deles, natural de Guimarães, era muito conhecida em boa parte da Baixada maranhense. Nada mais justo, portanto, que o candidato fosse buscar votos naquela região.

Pedro Álvares lembrou-se de Lauro, um amigo de infância que ainda morava no Interior. Deslocou-se até o povoado do Gurutil, logo após a cidade de Mirinzal. Formado por remanescentes do quilombo do Frechal, Gurutil era um próspero povoado muito conhecido pela fama de, ali, serem produzidos os melhores carros de boi do Maranhão. Lá chegando, ficou sabendo que seu amigo Lauro havia se tornado um importante líder comunitário e estava montando uma brincadeira de Boi para o próximo São João.

Fizeram um trato: Pedro financiava o Boi e Lauro trataria de arranjar 600 votos ao candidato.

Acordo selado. Pedro despachou sua esposa Ana Amélia para a Rua 25 de março em São Paulo com a incumbência de comprar todo o material para o Boi. Canutilhos, miçangas, fitas e paetês foram cuidadosamente selecionados e adquiridos.

Em São Luís, botas, meiões e muita seda foram acrescidos à encomenda e despachados para Guimarães. A carga era tanta que o barquinho a vela saiu de São Luís afogando a linha d`água, tão carregado que estava! Na travessia, atormentado com os banzeiros grandes da Pedra de Itacolomi, quase veio a pique, mas conseguiu chegar intacto do outro lado.

De Guimarães para o povoado do Gurutil, a carga ainda teve que percorrer alguns quilômetros em cima de carros de boi, chegando ao povoado debaixo de muito foguete, para a alegria de toda a comunidade.

Em pouco tempo a brincadeira ficou pronta. Com novos pandeirões, chocalhos reluzentes, caboclos de fitas bem vestidos e brincantes muito alinhados, o Boi ganhou três novos couros, todos, primorosamente bordados.

Todas as noites a cachaça Bambu corria solta animando os ensaios da rapaziada.

O mês de Junho chegou e Pedro Álvares foi convidado para o batizado do Boi, que teve até toada do amo para Ana Amélia:

− Dona Ana, eu vim trazê

− A prenda pra senhora

− Quero botá no curral

− Pra podê eu ir embora.

E depois da festa, foram todos embora aguardando a chegada das eleições.

A campanha ganhou corpo, o candidato se desdobrava em busca dos votos, mas a grande expectativa era com o resultado das urnas do Gurutil.

Apurados os votos de Mirinzal, na seção do Gurutil, o deputado teve três votos.

Indignado com a traição, Pedro Álvares viajou a Mirinzal e, desgostoso com seu amigo Lauro que não conseguiu justificar o fraco desempenho do candidato, trouxe consigo o Boi, símbolo maior da brincadeira.

Pois é esse Boi que enfeita hoje a sala da minha casa.

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La Fête de la Musique

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fete-de-la-music.jpg21 de junho é o dia dedicado à música.

Desde 1982 que a França comemora, com muita festa e, sobretudo, com muita música a chegada do verão no Hemisfério Norte. O País inteiro é invadido por músicos. Por onde se passa, ouve-se música. Nas estações de metrô, nos ônibus, nos trens e nas Gares, as mais diferentes melodias encantam nossos ouvidos. O País pára. O francês fica alegre. Os turistas se encantam com tudo. Nas ruelas, esquinas, praças e parques o realejo ressuscita e o povo sai às ruas para comemorar a chegada do verão. No dia 21 de junho é possível assistir aos grandes espetáculos musicais fora de seus habituais espaços. As grandes orquestras, os espetáculos de ópera, os recitais e pequenos coros musicais saem às ruas promovendo encontros e intercâmbios entre renomados músicos e o público em geral. Tudo de graça!

Esta data começou a ganhar dimensão maior a partir de 1985 por ocasião do Ano Europeu da Música, quando foi considerada por mais de cem países nos 5 continentes.

Nos dias de hoje, a Festa da Música consolidou-se e faz parte do calendário cultural da França. O sucesso é tanto que, embora seja uma tradição recente, ela é hoje adotada nos quatro cantos do Mundo.

Lá em Pinheiro, muito antes disso, no início do século passado, meu avô Chico Leite não media sacrifício para seguir os acordes de uma boa música.

Ainda solteiro, sempre que tomava conhecimento das festas e dos bailes famosos da região, logo arriava o cavalo e se aventurava em longas viagens pelo simples prazer da boa música e da dança.

Certa feita, por ocasião das comemorações de São José, o padroeiro de Penalva, que se realizavam sempre no primeiro domingo que antecede o Natal, ele decidiu participar. Fez a propaganda da Festa, convidou alguns amigos e partiram todos bem cedinho. Fizeram o trajeto todo a cavalo. Atravessaram o Cafundoca, os campos do Pericumã, passaram pela Sororoca na divisa de São Bento e São Vicente Férrer, ansiosos para chegarem ainda de dia. 12 horas depois, apearam em Penalva completamente fatigados. Um bom banho na beira do poço foi suficiente para que ele recobrasse toda a energia. Na verdade, o que mais o atraía era o grande baile animado pela orquestra Lira de Prata, do maestro Antônio Gama.

O baile do festejo era realizado na residência do senhor João Borges, que costumava abrir a sua casa com seus quatro grandes salões para abrigar a festa. As moças da cidade e dos arredores, com seus vestidos rodados, sentavam-se nas cadeiras em volta dos salões e os rapazes se dirigiam a cada uma delas para solicitar a dança.

Tão logo a festa começou, Chico Leite identificou uma bela moça, bem vestida e aparentemente muito recatada. Ao som dos primeiros acordes da orquestra, apressou os passos em sua direção antes que outro mais afoito o fizesse.

Ao se aproximar, pediu à donzela o consentimento para a dança, ao que ela respondeu:

– Ah! Moço, eu só danço afilotando!

Ele, mais que de pronto retrucou, certo de que jamais perderia essa oportunidade.

– Pois em sua frente está o maior afilotador da região! Estou chegando de Fortaleza no Ceará onde já ganhei até concurso de afilotagem!

Ela, sem entender nada, lhe explicou:

– Não! O senhor não entendeu! Eu só danço a Filó, minha irmã, tando aqui do meu lado…  

Relembro esta estória para ressaltar como somos diferentes dos franceses! Lá, eles comemoram um dia de música. Aqui, findas as festividades do Natal, mal começa o ano novo e o carnaval toma conta do povo. A depender do calendário, são 60 dias de folia!

Meses depois, os pandeirões e os tambores de São Luís começam a ecoar noite adentro. As matracas marcam o ritmo e martelam nossos ouvidos em todos os arraiais da Ilha. Tem batizado, tem morte do boi… Comemoramos o mês inteiro.
No bairro do João Paulo os Bois se encontram no último dia do mês para festejar a temporada que se finda. Exaustos, porém felizes, os brincantes retornam ao trabalho, certos de que no ano que vem tem mais. Tudo é motivo para festa. No Maranhão e em todo o Nordeste brasileiro, junho é o nosso mês das Festas.

E já que o mês de junho está acabando, vamos todos afilotar enquanto há tempo, dando vivas a São João, São Pedro, Santo Antônio e todos os santos festeiros!

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Junho e suas histórias

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boi-de-sao-bento1.jpgO mês de junho é o mês das festas populares. Tem santo e brincadeiras para todo gosto e é pródigo em histórias interessantes.

Esta me foi contada por João Muniz, prefeito por três mandatos e grande liderança política da Baixada maranhense.

E por falar em santo, teria acontecido em São Bento. Uma das cidades mais antigas do Estado, conhecida pelo seu queijo de sabor inigualável e pelas belas redes de linha de algodão. Mais ainda pelos seus belos campos repletos de jaçanãs, marrecas e japeaçocas que teimam em migrar do hemisfério Norte, voando milhares de quilômetros, para serem ali abatidas sem piedade pelos caçadores.

Até a primeira metade do século passado, São Bento era uma das principais cidades da Baixada maranhense. Mas, assim como a grande maioria das cidades do Interior do Maranhão, não dispunha dos serviços de energia elétrica.

Logo após a segunda Guerra, no ano de 1945, o interventor da cidade Augusto Soares, conhecido pelo apelido de “Farinha D’ Água”, foi comunicado pelo interventor federal no Estado Clodomir Cardoso, que seu pedido de um grupo gerador para fornecer eletricidade aos moradores da cidade, seria atendido em breve. Um sonho, afinal, iria se realizar. A notícia espalhou-se rapidamente pelos quatro cantos da cidade enchendo a todos de esperança.

Imaginem a dificuldade para transportar um equipamento, daquele porte, da Capital até a sede do município!  Atravessar a baía de São Marcos! Que aventura! E depois ainda ter que enfrentar a longa vala, aberta pelas mãos do homem, que dava acesso ao cais da cidade.

Após uma extenuante conversa com o barqueiro para adaptar o barco e fazer toda a estiva necessária, o grupo gerador, enfim, chegou e foi recepcionado em grande estilo pelos moradores. A multidão aglomerava-se no cais do porto. Debaixo de muito foguete, o motor de luz (assim era chamado na época) foi descarregado nos braços do povo.

Em agradecimento, o prefeito Augusto Soares decidiu “montar um Boi” para homenagear o interventor que havia prometido estar presente na cidade por ocasião da inauguração da rede elétrica.

O folclore maranhense registra a existência do “Poção de São Bento”, segundo o qual, quem nele tomar banho ou da água beber, acaba falando fino imediatamente. Dizem até que os aviões modificam suas rotas para deles se desviarem… De certo é que os poções são pequenos lagos de água doce que conferem aos campos da região uma beleza sem igual e são responsáveis pelo habitat tão procurado das aves migratórias que nos visitam de tão longe.

Preocupado com isso, Augusto Soares mandou procurar pelas redondezas e acabou encontrando  em Pinheiro, na região do Gama, um cantador que tivesse uma bela voz.

Egídio, o amo contratado, descendente dos negros do quilombo do Frechal, era daqueles pretos altos, fortes, ombros largos tal qual um guarda-roupa. Sua voz parecia um trovão.

Tecidos coloridos de seda, paetês, canutilhos e fitas foram comprados em São Luís, bordadeiras esmeraram-se na feitura do couro do Boi e das roupas dos brincantes. Dois meses de ensaios não foram suficientes. Mas o que fazer? O interventor chegaria em poucos dias…

O mês era junho. Na inauguração, em frente ao prédio da Usina, o prefeito recepcionou Dr. Clodomir Cardoso com todas as autoridades presentes. Após o tradicional corte da fita e dos discursos de praxe, Augusto Soares apresentou Egídio ao interventor e ordenou o início da apresentação.

Egídio, com seu vozeirão, berrou alto, deu ordem unida ao batalhão com uma salva de apitos e começou a cantoria:

− Prefeito Augusto… Comprou um motor de luz…

Reforçou de forma grave e ainda mais alta o refrão:

− Prefeito Augusto… Comprou um motor de luz…

− Vamo lá rapaziada! Bradou alto convocando os vaqueiros a entoarem o canto.

E a rapaziada, em coro e com um uníssono falsete, entoou:

− Pra iluminar nossa cidade…

O vexame foi tão grande que somente depois de muitos anos ouviu-se falar do Boi de São Bento.

Folclore a parte, o Boi de São Bento, com seu sotaque da Baixada é hoje uma das referências culturais de nosso Estado.

E o povo de São Bento só veio a se livrar da precariedade da energia fornecida pelos grupos geradores, já no ano de 1969, quando João Muniz era prefeito e o governador José Sarney fez chegar até lá a energia elétrica através do sistema interligado vindo de Boa Esperança.

Por conta disso e de outras ações João Muniz elegeu-se ainda mais duas vezes e, atualmente, está engraxando os sapatos para uma nova caminhada rumo à prefeitura.

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O mês de junho

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festa-junina1.jpg

Junho chegou.

Para uns começou o verão. Os ventos alísios que vem do sul sopram e, com eles, os papagaios e as curicas serpenteiam no ar tingindo de cores vivas os céus da ilha de São Luís.

Lembro-me de que quando criança, tão logo as águas do Pericumã começavam a baixar, meu pai recolhia as tabocas e sentava-se ao meu lado ensinando-me a fazer os papagaios. Mandava-me na quitanda ao lado comprar o papel de seda. Cortávamos os talos da taboca e com uma pequena lâmina improvisada, feita das fitas metálicas que amarravam os fardos de algodão, raspávamos os talos até ficarem completamente roliços e polidos.

Enquanto ele cortava o papel eu me encarregava de fazer o grude utilizando um pouco de Maizena. Catava na vizinhança os vidros mais finos e moía até virarem talco. Meu pai, com a paciência que lhe era peculiar, empenhava-se em construir diferentes  modelos: Os papagaios, com suas duas talas horizontais estampavam sempre os mais variados desenhos e cores eram os primeiros a serem confeccionados. Adornados com rabos longos e elaborados com capricho ganhavam vida e equilíbrio com as bolinhas de algodão simetricamente distribuídas. A arraia e a jamanta, esta de tamanho avantajado (que somente os adultos tinham força para empiná-las), tinham apenas uma tala eram desprovidas de rabos. Com o resto do material nós fazíamos as curicas, assim chamadas por serem feitas sem grande esmero.

Os novelos de linha eram cuidadosamente desenrolados e o grude era agregado ao pó de vidro transformando-se no cerol. Uma vez aplicado ao longo de toda a linha, esperávamos, ansiosos que secasse por completo para em seguida enrolar novamente, desta feita, num carretel de linha esterlina.

Devidamente equipado, com dois ou três papagaios debaixo do braço, eu disparava no rumo da beirada dos campos. Passava horas e horas com meus amigos, empinando e lanceando os papagaios, na disputa para saber qual deles reinaria sozinho nos límpidos céus ensolarados de Pinheiro. A gente não podia descuidar… De repente, como que num piscar de olhos, aparecia lá bem de longe, num vôo rasante, um papagaio inimigo ameaçando o nosso espaço aéreo. O lema dos escoteiros (sempre alerta!) nos ajudava bastante.

De volta para casa, radiante, (com muitos papagaios debaixo do braço) ou triste (sem nenhum deles), por mais que tentasse explicar que estava estudando, minha mãe não acreditava. Também pudera! Mais suado que tampa de chaleira, com o rosto em brasa e o nariz de pimentão…

Mas hoje os tempos são outros. O verão continua castigado pelas chuvas e aqueles papagaios de outrora ainda estão por esperar um bom tempo. Atualmente, neste cenário de crise, tem muita gente empinando papagaios. Desta feita, junto às instituições financeiras.

No entanto, para outros, é tempo de se fazer presente nos batizados dos Bois percorrendo os circuitos da capital. Os pandeirões e matracas começam a soar noite adentro e a temporada das festas começou. Antigamente, os Bois só dançavam no período compreendido entre o batizado e a morte. Nos dias de hoje, penso que a tecnologia avançou a tal ponto de ressuscitar Boi. Pois tem Boi dançando durante o ano inteiro…

Há pouco mais de 20 anos, o Arraial de Santo Antonio era um dos mais concorridos de São Luís. José Raposo cedia os espaços de sua bela casa no Olho d´Água e as mais renomadas brincadeiras eram convidadas para ali se apresentarem. A quadra era enfeitada e todos os espaços se enchiam de alegria. Muita música, quadrilhas improvisadas, comidas e bebidas típicas, crianças, “gente grande”, tudo, enfim, contribuía para grandes noitadas.

Nesse ano, José Sarney, então presidente da República, havia confirmado sua presença. A organização da Festa contratou os principais Bois para ali se apresentarem: Boi de Axixá, Morros, Maracanã, Fé em Deus, Pindaré, Maioba, entre tantos.

A esse tempo, minha amiga Flor de Maria estava montando pela primeira vez o Boi de orquestra de Pinheiro.

Aproveitando as sobras das fantasias da Escola de Samba Unidos de Alcântara (bairro da cidade) Flor de Maria preparou com muita dificuldade e com um carinho maior ainda a brincadeira. Como eu participava da Comissão organizadora da Festa, exigi a presença do Boi de Pinheiro. Acabei vencendo a resistência dos demais membros da Comissão, que não admitiam a presença de um Boi desconhecido. O Boi de Pinheiro, então, foi aceito com a condição de ser o primeiro a dançar no terreiro.

Com a presença do presidente da República na Festa, os espaços ficaram pequenos para tanta gente.

Ao ser anunciada a chegada do Boi proveniente da cidade de Pinheiro poucos se mostraram interessados em vê-lo. No entanto, José Sarney ao tomar conhecimento do início da apresentação, levantou-se e caminhou para a Arena levando consigo um séquito de supostos admiradores da brincadeira vinda da cidade natal do presidente.

Minutos depois, o presidente identificando-me do outro lado do terreiro, fez sinal para que eu fosse até ele. Sentindo-me todo orgulhoso, aproximei-me do presidente que murmurou ao meu ouvido:

− Zé Jorge! Bota esse boi no pasto…

Ao que de pronto respondi:

 − Mas presidente, ainda não é um boi, é apenas um bezerro…

Hoje, duas décadas depois, o bezerro cresceu e transformou-se num dos Bois mais requisitados da Baixada fazendo bonito e enchendo de alegria, por onde passa, todos os Arraiais do Maranhão.

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De Pinheiro para o Mundo

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Em Gotemburgo, na Suécia, metalúrgicos de mais de 100 países elegem novas lideranças mundiais da categoria para o período 2009-2013. Ex-dirigente da CNM/CUT, o brasileiro, natural de Pinheiro-Maranhão, Fernando Lopes foi eleito por representantes de mais de 25 milhões de metalúrgicos de todo o mundo.

A votação aconteceu durante o 32º Congresso Mundial da FITIM, iniciado no domingo (24), em Gotemburgo, os delegados elegeram os novos membros da direção da Federação Internacional dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas (FITIM), para o mandato 2009-2013.

O pinheirense, comedor de piaba, Fernando Lopes que já mora na Suiça há mais de um ano, com assento na  FITIM, concorreria primeiramente ao cargo de secretário-geral, assim como o finlandês Jyrki Raina. Na disputa, Fernando tinha o apoio dos sindicatos do Brasil, Nova Zelândia, Austrália, Coréia do Sul, Tailândia, Índia, Itália, duas entidades da Espanha, duas da França, uma da Bélgica, uma da Rússia, todo o continente africano e toda a América Latina. Do outro lado, o concorrente tinha o apoio dos sindicatos estadunidenses, nórdicos, alemães e japoneses, além de sindicatos da Europa e Rússia.

Mas, na eleição, essas entidades representariam cerca de 60% dos votos, e o resultado garantia uma velha hegemonia que estava sendo questionada.

Para que mais uma vez, os cargos mais importantes da entidade mundial não ficassem restritos apenas aos dirigentes europeus, a base de apoio do brasileiro conquistou uma mudança estatutária: o Congresso realizou a eleição para cinco, ao invés de duas posições de liderança, que garantiu a eleição de Fernando Lopes e do japonês Hiroshi Kamada, como secretários-gerais adjuntos em Congresso. Na prática, os dois deixaram de ocupar apenas um cargo indicativo, para serem eleitos e passarem a ter um mandato na entidade assegurando assim uma maior representação de todos os continentes que participam da Federação.

Segundo o secretário-geral da CNM/CUT, Valter Sanches, os sindicatos que apoiavam Fernando Lopes “ficaram satisfeitos com o acordo.”

Ontem no primeiro dia de reunião do Comitê Central da FITIM o metalúrgico brasileiro foi empossado no cargo. Fernando agradeceu a todos os companheiros pelo apoio recebido, e afirmou que ‘disposição e vontade de trabalhar a favor dos metalúrgicos’, não faltará enquanto ocupar o cargo na entidade que tem sede em Genebra (Suiça).

Mas, quem é Fernando Lopes?

Nascido em 14/05/1960, natural de Pinheiro/MA, estudou no Colégio Pinheirense, nos  Maristas em São Luís e formou-se engenheiro mecânico em 1985 pela Universidade Estadual do Maranhão – UEMA.

Iniciou suas atividades políticas em 1974 através do Movimento Estudantil e participou do movimento pela fundação do PT.

Foi eleito Diretor do Sindicato dos Engenheiros do Maranhão de 86/89. Em 1987 mudou-se para Salvador e passou a exercer a função de engenheiro na Usiba-Gerdau. Foi eleito membro da CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho na USIBA-Siderúrgica Gerdau na Bahia. Em 1991 foi eleito Diretor do Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia.

Em 1992 foi eleito para a primeira diretoria da CNM-CUT. De 1995 a 2001 foi Secretário de Formação da CNM/CUT, implementando o Programa Integrar. Em 2001 foi eleito Secretario Geral da CNM/CUT, também responsável pelas relações internacionais da entidade e a partir de janeiro de 2003 exerceu a tarefa de Presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT em exercício. Em 2004 foi reeleito secretário-geral da CNM/CUT e no período de 2003 a maio de 2005 foi também Membro do Comitê Executivo da FITIM.

Nós, maranhenses e em especial os pinheirenses, nos orgulhamos muito de nosso conterrâneo e esperamos que ele possa representar o nosso País com firmeza e determinação. Parabéns Fernando!

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A gripe suína e o mato verde

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charge_gripe_suina.jpgO assunto do momento é a Gripe Suína. O vírus AH1N1 atemoriza a todos. Cada um se protege como pode. Alguns passam até a usar máscaras, mesmo cientes de que os especialistas em saúde pública são céticos quanto a sua eficácia. Máscaras com estamparias e desenhos artísticos já se encontram no mercado para atender ao gosto do freguês. Digo, do paciente!

Outros utilizam a internet para promoverem encontros com o objetivo de, pasmem senhores!, contraírem a doença para ganharem imunidade caso ela retorne numa nova onda mais forte…

O certo é que a história mostra através de relatos de escritores e de quadros de renomados mestres da pintura, a existência de epidemias e pestes que dizimaram populações inteiras séculos atrás.

Giovanni Boccaccio em sua brilhante obra Decamerón descreveu a Peste Negra que, no ano de 1348, afetou metade da Europa. A Peste Bubônica, como era chamada, espalhou-se pela Espanha, França, Reino Unido, Itália, Portugal e parte da Alemanha, chegando a produzir perto de 25 milhões de vítimas.

No início do século passado, a Gripe Espanhola dissipou-se durante cerca de um ano pela Europa e atingiu a Ásia e América do Norte, matando 40 milhões de pessoas. A taxa de mortalidade entre as pessoas que contraíram a doença superou 2,5% das pessoas infectadas.

Deve-se ressaltar que naquela época o fluxo de pessoas entre Países era completamente diferente dos dias atuais.
Hoje, o fenômeno da globalização, da abertura das fronteiras do livre comércio e a enorme mobilidade das pessoas favorecem a rápida disseminação das doenças contagiosas. Daí a grande preocupação mundial com a gripe suína que acaba de surgir no México.

O pânico passa a ser coletivo. Pude comprovar nesta semana quando tomei um taxi em Paris. O motorista ao perceber que estávamos falando em português, pálido de medo, nos perguntou se éramos mexicanos…

Embora os estudos estatísticos da Organização Mundial de Saúde apontem para a existência de ciclos epidêmicos que se apresentam sob a forma de vírus mutantes, a medidas de prevenção e controle e o desenvolvimento de medicamentos adequados devem tranqüilizar a população.

O isolamento das pessoas infectadas passa a ser a medida mais simples e eficaz contra a disseminação da doença. Recentemente o governo mexicano proibiu a presença do publico nos grandes eventos esportivos. Proibiu também o funcionamento de restaurantes, bares, cinemas e teatros. Até o isolamento da população em suas próprias casas foi proposto por autoridades mexicanas como forma de proteção da saúde da população.

Aliás, esta medida proposta pelo presidente do México, me faz lembrar um antigo farmacêutico de Pinheiro.

Qualquer que fosse o problema ligado à saúde, a solução tinha um endereço certo: Pharmácia  da Paz, onde os remédios eram manipulados com maestria pelo farmacêutico Zé Alvim.

Contam que certa feita ele teria prescrito uma série de medicamentos a um paciente, portador de uma doença contagiosa, que morava na zona rural. Ao término da consulta, Zé Alvim, com sua voz rouca e empostada, disse:

─ Presta atenção, meu amigo! Tem que tomar tudo bem direitinho; mas tá proibido de ver mato verde por cinco dias… O que na realidade, significava ficar em repouso absoluto, pois para quem mora no interior e ficar sem ver mato verde, só se ficar trancado no quarto…

Nesses casos de crise, os aproveitadores da situação de emergência sempre aparecem. O remédio some rápido das prateleiras, causado pela aquisição prematura daqueles que, mesmo sem aparentarem sintomas da doença, os adquirem como medida de prevenção.

No caso da Gripe Mexicana, até os Estados Unidos se aproveitam. Usam como desculpa a ameaça da epidemia para fecharem ainda mais suas fronteiras contra o ingresso ilegal de imigrantes que, diariamente, cruzam a fronteira entre os dois países em busca de oportunidades de trabalho e melhores condições de vida.

Enquanto isso… Na Bahia, só mesmo apelando para Nosso Senhor do Bonfim. A dengue e a meningite já se encarregaram de matar pelo menos uma centena de pessoas nestes três primeiros meses do ano.

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Carta a José Sarney

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Minha confreira da Academia Pinheirense de Letras, escritora Graça Leite, elaborou em nome de Pinheiro esta carta endereçada a seu filho mais ilustre.

Compartilho-a com meus leitores.

“Meu menino aniversariante.

A idade cronológica não conta para os grandes guerreiros. O número de vitórias conquistadas substitui o número de anos vividos. A idade é determinada pelo número de batalhas vencidas, o que vale para você completar hoje mais de um século de vida.

Porém os dias correm, o calendário avança e quando nos damos conta dos anos passados, eis que as vitórias já não significam tanto para nós, sendo apenas lembranças gratificantes, títulos, medalhas e troféus acumuladas na empoeirada estante do tempo, mesmo para um guerreiro como você, ainda em plena forma.

Escrevo-lhe sempre no dia do seu aniversário para parabenizá-lo e conversarmos um pouco sobre nós.

Embora os e-mails estejam em moda com a informática dominando o mundo, a sua velha mãe centenária ainda é apologista da caneta, por considerar o ato de escrever uma espécie de canal por onde jorram expressões da alma. As teclas dos computadores são frias, eletrônicas, não conseguem passar a magia que uma carta contém. Ah! Que saudades do carteiro gritando na nossa porta “correio!” e a gente correndo ansiosa para abrir o envelope aéreo com as bordas verde-amarelo porque sabíamos que ao abri-lo encontraríamos dentro um mundo de emoções.

Perdoe as reminiscências, mas são elas que nos fortalecem, alimentando a nossa vivência moderna, levando-nos a comparações que nos colocam em lugar de observadores e daí aceitar, sem entender, a vida moderna que vivemos hoje.

Confesso a você, filho, que é muita confusão para cabeça de uma centenária caipira!

Avalie que até aqui, na nossa casa, ninguém mais pára pra contemplar a beleza dos campos cheios, ninguém se detém para ouvir o canto dos bem-ti-vis, ou sentir o cheiro da terra molhada que exala dos nossos quintais. É uma correria sem fim e o que é pior, as mazelas das grandes cidades já chegaram por aqui: violência, tráfico de drogas, assaltos, chantagens, golpes e seus irmãos, outrora tão pacatos, são agora protagonistas de crimes hediondos, latrocínios, estupros e eu fico estarrecida pois sou a mãe que os educou.

Onde foi parar a educação de respeito, honra, dignidade que lhes dei? Onde estão os princípios de ética, amor, honradez que os nossos antepassados nos legaram?

É com o coração sangrando que vejo as minhas filhas adolescentes exibirem os seus corpos nus e praticarem cenas de sexo explicito que são mostradas nas telas dos celulares e na internet, sem nenhum pudor e até vangloriando-se do feito.
A sua velha mãe está triste, muito triste com os avanços da modernidade por estas bandas.

E eu lhe pergunto:

O que poderemos fazer, eu como cidadã, você como Senador da República e as demais autoridades, para encontrarmos uma fórmula que possa compatibilizar tecnologia, urbanismo, desenvolvimento, com a dignidade e a Paz? O que fazer para resgatar a nossa tranqüilidade que se perdeu no labirinto da aceleração global, do permissível, da busca desenfreada do dinheiro, do trabalho frenético e do prazer insaciável?

São questionamentos como estes que angustiam a sua velha mãe-terra, e fazem dela uma cidade-mulher pessimista quanto ao nosso futuro. Temo por seus irmãos, temo por mim, cidade centenária que a cada dia assisto a destruição dos meus velhos casarões para dar lugar e empreendimentos comerciais modernos distanciando-me cada vez mais, do meu passado, das minhas tradições. A modernidade vai aos poucos acabando com a minha identidade centenária. Desculpe o desabafo. Deve ser fruto da idade!

Hoje é um dia festivo para você e não sou eu, a sua velha mãe-terra que o adora, que vai empanar o brilho da festa com as minhas lamúrias.

Envie-me um fio de esperanças. E não me fale mais de Dossiê, CPI, Grampos e todos esses assuntos, vazios para nós, que somos poetas, e que contribuem para aumentar a nossa desconfiança. Fale-me de assuntos que fortaleçam a nossa credibilidade e façam despertar as nossas esperanças.

Creia, meu filho, não era esta a carta que eu gostaria de lhe escrever hoje, mas sabe como é, a alma triste vai deixando jorrar pela caneta os sentimentos mais profundos. Sei que você me entende.

Parabéns pela data!

Nada, nada mesmo nem as “intrigas da oposição”, nem as loucuras do mundo moderno, serão capazes de me fazer esquecer o filho amado, que sempre pensou em mim e me colocou em destaque na história do Maranhão.

Que Deus abençoe a sua vida, a sua família e os seus projetos.

Sou e sempre serei a mamãe coruja mais orgulhosa do filho que possui.

Carinhosamente, sua mãe-terra.

Princesa da Baixada.”

Pinheiro – 24/04/09
Graça Leite
Membro da Academia Pinheirense de Letras

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Sábia é a natureza

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sabia-e-a-natureza.jpgOs Os verdes campos da Baixada maranhense são um espetáculo de rara beleza. Mesmo aqueles que já estiveram pelo Pantanal de Mato Grosso, dizem que os campos alagados do Pericumã são incrivelmente belos.

A mansidão das águas, repletas de flores que desabrocham das plantas nativas, acolhe bandos de jaçanãs e japeaçocas que, com seus vôos rasantes e belos cantos, preenchem o azul do céu nos dias ensolarados do inverno.

Várias foram as tentativas de fazer o melhor uso dessas terras alagadas. Em meados do século passado, pensou-se que a criação dos búfalos pudesse ser a grande vocação econômica daquela região.

A criação desordenada e extensiva provou que não era o melhor caminho. Surgiram conflitos de interesse entre fazendeiros e os pequenos agricultores. O clima social ficou tenso e o governo teve que intervir. Na luta da sobrevivência, perdeu o búfalo. Tenho minhas dúvidas se o homem do campo ganhou…

O certo é que a tão vislumbrada redenção da Baixada maranhense, com sua pecuária forte, foi literalmente para o brejo. O caboclo continua sobrevivendo da pesca e da cultura da mandioca.

Anos mais tarde, o então presidente José Sarney sonhou e decidiu implantar nas margens do rio Pericumã, um audacioso projeto de irrigação. Espelhado no exemplo de sucesso do vale do São Francisco, o governo investiu milhões, selecionou e assentou colonos na esperança de que a agricultura irrigada na bacia do Pericumã fosse capaz de transformar os pequenos agricultores em produtores rurais.

Teria sido o projeto mal concebido? Talvez aquela gente simples não tivesse recebido a devida capacitação! Ou mesmo, teriam falado mais alto os genes mestiços de seus antepassados indígenas, que lutam apenas pela sobrevivência? O certo é que, infelizmente o sonho não se tornou realidade.

Com a implantação desse projeto chegou a Pinheiro um experiente técnico agrícola com a missão de pesquisar vocações para o cultivo de diversas frutas. Garden era o seu nome. Recrutou alguns serviçais nativos e com eles passou a fazer experimentos. Manga, uva, coco, melancia, melão etc… Além de hortaliças, quase todas, desconhecidas na região.

Dentre tantos, Romualdo destacava-se pela capacidade de trabalho e pelo interesse em tudo o que o Garden lhe ensinava.
Certa feita, Garden decidiu ir até São Paulo e levou consigo Romualdo, que nunca havia saído de Pinheiro, para conhecer alguns projetos de cultivo. Na manhã seguinte, bem cedo, foram ver de perto o Mercado da Ceasa.

No caminho, do hotel ao Mercado, tudo era superlativo para Romualdo. As largas avenidas, a quantidade de carros, os arranha-céus…

Ao chegarem ao local, o negrinho Romualdo assustou-se com as pilhas de melancia, arrumadas umas sobre as outras, formando verdadeiras montanhas. Mais alto que o Outeiro do Finca, pensou consigo mesmo.

Perguntou ao Seu Garden, se essas melancias levavam quanto tempo para serem vendidas.

−Essas melancias vão acabar em poucas horas. Tem muita gente pra comer aqui em São Paulo… Respondeu Garden.

Aquela imagem das montanhas de melancia não saía da cabeça de Romualdo.

No dia seguinte, foram ao centro da cidade. Ao atravessarem o viaduto do Chá, Garden deu por falta do Romualdo. Assustado, (já pensaram se o Romualdo se perde? Nunca mais vai ser encontrado!…) procurando entre a multidão que freneticamente cruzava o Vale do Anhangabaú, identificou o boné do projeto DIBON na cabeça do negrinho. Aproximando-se, percebeu que ele contemplava aquela multidão em baixo do viaduto, balançando a cabeça de um lado para outro. Falava baixinho, consigo mesmo:

− Não dá, não dá….

− Mas o que é que não dá? Indagou Garden.

− Aquelas melancia, siô… Ponderou Romualdo. − Não dá mesmo pra esse povo todo, não…

Hoje, remando numa pequena canoa, deslizando pelas águas do Pericumã não me canso de contemplar a beleza das cenas que se renovam a cada ângulo. Arrisco-me a dizer, que a natureza está a espera que o aproveitamento dessa riqueza deva ser feito através de uma outra forma. Precisamos deixar de ser egoístas e compartilhar a beleza desses campos alagados com mais gente. Vamos preparar nosso povo, fazer a infraestrutura adequada e divulgar nossa região para o Mundo.

O turismo pode ser a grande solução.

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