A Palmeira do Babaçu (parte1)

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TOBASA BIOINDUSTRIAL - COCO DE BABAÇU

Por ocasião do sesquicentenário de Pinheiro, fiz uma pesquisa sobre a história da cidade que resultou na publicação de três livros: Lugar das Águas, Coisas de Antanho e Quadros da Vida Pinheirense.

Fruto dessa busca, pude identificar a iniciativa de um grupo de franceses, através da Compagnie Française d´Entreprise, de implantar em Pinheiro, quase um século atrás, uma indústria de beneficiamento de coco babaçu.

Provocou em mim uma imensa curiosidade em desvendar um pouco mais esse capítulo da nossa história. Como esses franceses tomaram conhecimento da existência dessa palmeira? Por quê em Pinheiro e não em outra região, até mesmo com maior incidência desses palmeirais? E, principalmente, por que não prosperou ao longo de todo esse tempo?

Por muitos anos, o babaçu e poucos dos seus derivados eram itens de peso na pauta de produtos comercializados com o exterior, sobretudo com a Europa.

Estudos já comprovavam que o beneficiamento do coco babaçu podia produzir uma gama considerável de subprodutos de grande interesse por parte da indústria Francesa e Inglesa, que se desenvolvia a pleno vapor no pós-guerra. No entanto, foram raros os movimentos no sentido de desenvolver economicamente uma planta industrial capaz de extrair todos os seus derivados. Até os dias de hoje, quase nada se extrai do babaçu além do óleo.

Os franceses, há cem anos, já haviam levado as amêndoas e teriam feito estudos pelo laboratório da “École d`Arts et Métiers”. Estas pesquisas foram comprovadas pela “Societé de la Carbonisation” e pela “Societé des Produits Chimiques”. Os resultados destes estudos serão objetos de novos artigos a serem compartilhados com os leitores aqui no caderno Opinião do Jornal O Estado do Maranhão.

Tem-se falado e publicado muito sobre o babaçu. Em 24 de abril de 1925, Viriato Correia veiculou um artigo no Jornal do Brasil intitulado “A Palmeira Babassú” e fez a abertura com a primeira estrofe da Canção do Exílio.

“Minha terra tem palmeiras …

Quando Gonçalves Dias, há mais de meio século, escreveu esses versos que o popularizaram nunca imaginou que os primeiros que ele cantava pudessem ser um dia a riqueza máxima de sua terra natal. As célebres palmeiras, que ele a Deus pedia que não lhe deixasse morrer sem que as avistasse, nada mais eram que as “babassus” de hoje, a grande fonte de renda do povo maranhense…”

Nesse artigo, Viriato faz uma apologia à palmeira e registra a relação de dependência e de quase amor existente entre a população rural e a palmeira: “Ela serve para tudo. É o teto, é a luz, é a cama, o mobiliário, a alimentação, a ornamentação, o condimento de cozinha, a vaca leiteira, a farmácia e até a defesa dos roceiros de minha terra”.

O texto do escritor aborda a vasta gama de produtos, objetos e utensílios provenientes do babaçu, utilizados pelos habitantes.

O “côfo”, registra Viriato Correia, “é uma criação maranhense…”

(E, diga-se de passagem, uma das raras palavras do nosso vernáculo que só existe no vocabulário maranhense. Tem origem na palavra francesa “coufin” que deve ter sido muito utilizada pelos franceses quando da sua ocupação na Ilha de São Luís e incorporada pelos nossos indígenas. Significa cesto). 

 “… Nada mais, nada menos, − completa Viriato que uma espécie “samburá” tecido com folhas verde de “babassú”. Não há nada que tenha para o roceiro do Maranhão as utilidades de um “côfo”. É um pedaço do seu eu. É-lhe indispensável, como um braço, como uma perna, como os dentes. Ora é grande e fundo para carregar algodão, arroz e farinha, ora pequenino, bem tecido e bem galante, para a moreninha guardar o pente, o vidro d’água de cheiro, as fitas, os brincos e todo o seu resumido arsenal de faceirice.”

O artigo do Viriato segue enumerando uma vasta gama de derivados utilizados no cotidiano da vida maranhense e encera o texto de forma poética: “Até nisso Deus foi amigo da minha terra. Não tivesse tido essa previdência, já hoje não existiriam os imensos palmeirais que de sul a norte, da beira do mar ao amargo do sertão, cobrem a terra gloriosa.

… onde canta o sabiá.”

Certamente o babaçu não fazia parte da flora, muito menos da vida europeia. Então, como os franceses tomaram conhecimento dessa exuberante palmeira?

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A fábrica de Babaçu dos franceses em Pinheiro

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Vou reativar o meu espaço no Blog trazendo o resumo de uma pesquisa que fiz acerca da iniciativa de alguns filhos da terra em implantar, cem anos atrás, no Vale da Curacanga em Pinheiro, um empreendimento industrial capaz de transformar a vida daquela gente, àquele tempo.

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Longevidade

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Neste último final de semana conclui o meu check-up médico.

Submeti-me durante dois dias a uma gama completa de exames por exigência da companhia onde trabalho. Meu saudoso pai sempre dizia que quem procura, acha! No entanto, penso que cuidar da saúde, de forma preventiva, é bem melhor que cuidar da doença.

Ao entrar no consultório para apresentar os resultados dos exames fui recebido por um médico gordinho, baixinho e muito atencioso. Com um cordial bom dia cumprimentou-me e solicitou que apresentasse a ele o resultado da bateria de exames que havia me submetido. Analisou cuidadosamente cada um deles e, olhando-me por cima das lentes dos óculos, perguntou todo solícito:

̶ O que o senhor está sentido?

̶ Uma enorme vontade de engordar. Respondi de pronto.

O médico riu. Disse-me que o meu pedido era inusitado. Normalmente as pessoas o procuravam para perder peso e não o contrário… Mediu minha pressão arterial e continuou com as perguntas tradicionais, se havia feito algum tipo de cirurgia…

̶ Duas. E de alto risco! Respondi. Pterígio e fimose… Ele sorriu novamente e inquiriu, mais ainda, sobre antecedentes familiares.

Esclareci que meu avô morreu aos 93 anos, que eu tinha 15 tios, todos ainda vivos e que pelo menos três deles ultrapassavam a barreira dos noventa anos.

̶ A longevidade faz parte da nossa família. Complementei.

̶ Não se preocupe. Disse-me ele.  ̶  Você também vai passar dos noventa! Sua saúde está excelente, você não fuma, pratica exercício, se cuida… você vai longe!

Coisas de Pinheiro! Pensei comigo mesmo. Ato contínuo, lembrei-me do jornal Cidade de Pinheiro. Esse vai longe muito mais ainda!

Fundado em 21 de dezembro de 1921, o Teimosão, como é carinhosamente tratado por nós pinheirenses, comemora nos próximos dias, seus 90 anos de fundação.
Em que pese toda a evolução tecnológica, o jornal sobrevive aos tempos modernos e continua, a cada semana, com suas edições impressas com enormes dificuldades, cumprindo com seu papel de informar e de ser um veículo de irradiação de idéias.

Ao longo do tempo, nunca se furtou a abraçar as causas nobres, sempre se posicionando em defesa dos direitos do cidadão e do combate aos desmandos das administrações municipais.

Para aqueles que não o conhecem, o Jornal Cidade de Pinheiro é o jornal mais antigo em circulação do Estado do Maranhão. Desde sua fundação, por iniciativa do desembargador Elisabetho Carvalho, de Josias de Abreu e de Clodoaldo Cardoso, esse jornal tem registrado os principais acontecimentos da vida de Pinheiro.

Por muitos anos os editores se valiam dos programas de rádio da BBC de Londres ou da Voz da América que traziam as notícias dos acontecimentos Mundo a fora, para repassar aos leitores aquelas que consideravam de maior importância. Sem, contudo, deixar de manifestar suas próprias opiniões.

Dessa forma é que, pouco antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, mesmo tendo o Oceano Atlântico a separá-los, o pequeno jornal manifestou-se através de um editorial, lançando um grito de protesto ao Adolf Hitler, alertando-o pelas consequências de suas atitudes bélicas.

Hitler ignorou as ameaças do Jornal, acabou por invadir a Polônia e cometer as maiores atrocidades já vistas na história da humanidade.

Mais tarde, com a morte de Elisabetho, coube a seu genro Chiquinho de Jeco a tarefa de continuar à frente desse importante veículo de comunicação, da guarda das edições anteriores e de continuar organizando esse precioso arquivo.

Graças a eles, o arquivo do Jornal Cidade de Pinheiro tem sido fonte de consulta a todos aqueles que se interessam pela história da vida de Pinheiro.

Pelo que tenho conhecimento, a Biblioteca Pública de São Luís abriga uma boa parte das edições microfilmadas, o acadêmico Carlos Gaspar guarda a sete chaves outro lote de edições históricas desse fabuloso arquivo, que, juntas poderão complementar, na integra todos os exemplares publicados desde a sua fundação.

Quero sugerir ao confrade José Marcio Leite, presidente da Academia Pinheirense de Letras que viabilize a digitalização de todas as edições do Jornal Cidade de Pinheiro.

As gerações futuras terão, assim preservadas, toda a história de Pinheiro registrada nas páginas desse importante veículo de comunicação.

Parabéns aos que hoje continuam à frente do jornal e vida longa ao Teimosão!

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São Luís 400 anos

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Várias frentes vêm sendo constituídas para conduzir as comemorações dos 400 anos de São Luís. O governo do Estado discute a construção de um imponente marco comemorativo, assinado por um dos mais renomados artistas plásticos de nossa terra, para registrar a passagem dessa data histórica além de preparar uma série de eventos significativos.

A prefeitura de São Luís, por sua vez, instituiu um Conselho Gestor Central, envolvendo sete secretarias municipais e planeja construir, também, outro monumento, “implantar projetos estruturantes e impactantes” e realizar ao longo de todo o ano inúmeros “eventos culturais, artísticos, históricos” e até religiosos!

O Convention Visitors Bureau se movimenta para dar maior brilho à extensa programação da data, atraindo encontros, seminários e congressos, potencializando os resultados em benefício da economia maranhense.

A Universidade Federal do Maranhão incorpora-se nos festejos do quarto centenário abrigando a SBPC e se propõe a dar sua contribuição com uma extensa programação de eventos acadêmicos da maior importância.

Por sua vez, a Aliança Francesa de São Luís já está com sua programação fechada dando ênfase aos eventos culturais que recebem a chancela da Delegação Nacional das Alianças Francesas no Brasil.

Para engrossar as fileiras daqueles que querem contribuir para o brilhantismo da Festa, a Assembléia Legislativa do Maranhão, através de Resolução Administrativa instituiu uma Comissão Consultiva para sugerir ações em homenagem à cidade pelos quatrocentos anos de sua fundação.

Tomei conhecimento de que até a paróquia de São Paulo também quer participar e busca parceiros para construir mais um marco comemorativo, em frente à Igreja do Calhau, desta feita uma estátua gigante de São Luís; não do rei Luís XIII e sim do São Luís; o santo.

Compartilho com os leitores minha preocupação quanto à pulverização de ações, sem uma coordenação e um amplo entendimento em torno das comemorações dos 400 anos de São Luís. Tem muita gente pensando muito e poucos agindo menos ainda.

Atrevo-me a sugerir que os governos, tanto Estadual quanto Municipal, busquem um entendimento institucional entre si e com o governo Francês através de sua embaixada em Brasília. Seria uma forma de racionalizar recursos, evitar redundância de ações e de gastos públicos e envolver o governo francês na programação oficial dando uma conotação mais ampla a data em questão.

Sem isso, vamos ficar no campo das idéias e das sugestões.

E por falar em sugestão, já que muitas estão na ordem do dia, tomo a liberdade de externar uma delas. E para justificá-la lembro de que a cidade de Paris, com seus quase 5 milhões de habitantes, é  pródiga em Parques e Jardins. O Bois de Boulogne, com seus 846 ha e o Bois de Vincennes, de dimensões semelhantes, são legados de reinados distantes para as gerações futuras. Antes, estações de caça da realeza, estas florestas nativas foram transformadas, por decisão de Napoleão III, em Bosques para usufruto da população. Atualmente, esses espaços públicos são os verdadeiros pulmões da cidade luz que com seus gramados impecáveis, suas alamedas, caminhos e trilhas bem cuidadas, recheados de lagos e adornados com pássaros e flores, encantam os olhos dos turistas e descansam as mentes daqueles que valorizam a natureza e buscam um pouco de paz.

Aqui em São Luís, por conta do Decreto Estadual No. 21797 de 2005, foi instituída a Reserva Ecológica do Rangedor. Recentemente a Assembléia Legislativa do Maranhão construiu sua nova sede utilizando-se de um pequeno naco desse precioso espaço.

Mesmo não fazendo parte da Comissão Consultiva da Assembléia e mais ainda, sem voz no plenário da Casa, deixo aqui a minha sugestão: que tal a Assembleia Legislativa do Maranhão entabular um contato com o Governo francês, em busca de uma parceria no sentido desenvolver um projeto e transformar a Estação Ecológica do Rangedor em um grande parque a ser ofertado à população de São Luís? Seria uma forma, inclusive de evitar que outras construções se façam nesse precioso espaço da Ilha do Amor.

A partir de um projeto bem concebido, poderá ser feito um levantamento das espécies da flora e da fauna ainda remanescentes nessa área e destinar espaços voltados para a prática de esporte e lazer, repletos de gramados e trilhas para pedestres e ciclistas, sites para apresentações musicais, etc.

Alguns pessimistas podem argumentar que a Assembléia não dispõe de recursos financeiros para implantar o projeto e muito menos ainda para garantir sua permanente conservação. Ledo engano! As grandes empresas, como a Petrobrás e Vale do Rio Doce dispõem, sim, de recursos destinados a compensação ambiental e teriam o maior interesse em participar de um projeto dessa magnitude.

Em assim procedendo, o Poder Legislativo ofertaria um belo presente pelo aniversário da cidade. Um precioso legado que as gerações futuras agradeceriam.

Com a palavra o presidente Deputado Arnaldo Melo!

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Seu Chiquinho

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Aprendemos desde cedo, nas leituras do catecismo, a reverenciar aquele que abdicou de uma vida de larga fartura para dedicar-se ao próximo. Há quase oitocentos anos, na Itália, Giovanni di Pietro di Bernardone, fundador da Ordem dos Franciscanos, inovou ao abrir as portas da Igreja para sair em peregrinação divulgando a palavra de Deus. Virou Santo! São Francisco de Assis.

Aqui, em nossa querida Pinheiro, não temos a figura do São Francisco, mas sempre tivemos personagens que honraram o nome de batismo lhes dado em homenagem ao santo que se propôs amar aos mais pobres dos pobres.

Seu Chiquinho, Francisco da Costa Leite, meu avô, destacou-se como advogado provisionado e uma das vozes mais contundentes em defesa dos fracos e necessitados de Justiça. Sua palavra era respeitada por todos e sua liderança incontestável.

Desde menino, aprendi a admirar, também, um outro Francisco. Chiquinho de Jeco. Mais tarde conhecido como Seu Chiquinho.

Muito embora de gerações distintas, pelos idos da década de 70, sempre que retornava a Pinheiro nas férias escolares, passávamos horas e mais horas conversando. Com sua calma, seu andar macio e seu refinado humor, Seu Chiquinho tinha histórias e estórias para satisfazer qualquer curiosidade. Sempre bem informado, era interessado em saber das novidades e preocupado em ouvir nossas opiniões sobre os fatos mais relevantes.

Mesmo para quem em 1946 havia ajudado a fundar o Diretório Municipal de Geografia e Historia de Pinheiro, dois anos mais tarde ter implantado o Grêmio Cultural e Recreativo de Pinheiro, e em 1954, por sua iniciativa, ver criada a primeira Biblioteca Pública do município, a preocupação com a educação e a cultura dos jovens pinheirenses ainda era uma obstinação para ele. Sempre se posicionou como um homem à frente de seu tempo.

Quando da morte de seu sogro, o desembargador Elizabetho Carvalho, o destino lhe fez fiel depositário de uma das maiores riquezas de Pinheiro: O Jornal Cidade de Pinheiro. Passou a carregar a cruz de manter em funcionamento, à duras penas, aquele que ainda nos dias de hoje teima em ser o jornal mais antigo em circulação na imprensa maranhense.

Ao elaborar este texto, sentado em frente ao teclado de meu I-Pad, vejo-me adentrando nas oficinas do Jornal Cidade de Pinheiro tendo à minha frente a figura de Tejeco, exercitando sua habilidade de compor as palavras, montando os tipos de chumbo, letra após letra, de traz para frente e de cabeça para baixo.

O mesmo banco da Praça José Sarney, onde juntos sonhamos por uma Pinheiro melhor, mais tarde encharcou-se com nossas lágrimas derramadas quando da derrubada do prédio do Jornal para dar vez à ampliação do Armazém Paraíba.

Relembro de sua dor quando da perda do filho Francisco José. Mais uma vez o destino lhe repõe a perda. Junta-se a sua família, pelo laços do casamento com sua filha, um jovem de posições firmes, João Paulo Castro Nogueira, que segue os seus passos e torna-se um dos vereadores mais atuantes de Pinheiro.

Seu exemplo de vida e dedicação tem sido trilhado por seus seguidores, destacando-se dentre tantos, Paulinho Castro, que desde cedo vivenciou a saga do verdadeiro jornalismo e hoje é o maior expoente da imprensa em toda a Baixada maranhense.

Nas gincanas culturais promovidas pelas Escolas de Pinheiro, Seu Chiquinho era caçado por todas as equipes. Encontrá-lo, era certeza de ter a resposta certa.

Quando das comemorações dos 150 anos da fundação de Pinheiro, foi ele a quem recorri para pesquisar, em seu rico acervo e nos arquivos ainda vivos de sua memória, as informações necessárias para por em ordem a exaustiva pesquisa que havia feito.

Uma figura como essa não se vai. Fica eternizada pela sua obra. Pela sua dedicação e exemplo Pinheiro lhe deve uma estátua!

Obrigado Seu Chiquinho! Seu, meu, e de todos os pinheirenses.

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GUY LOUIS DIMANCHE – UM PARISIENSE DE CORAÇÃO BRASILEIRO

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Postei dias atrás, um artigo sobre o navio Bluette que chegou, a deriva, aqui em São Luís, no início de 1949. O artigo circulou pela Net, recebi inúmeros comentários e informações complementares sobre a saga desses aventureiros.

Hoje, chega às minhas mãos mais este relato, que aproveito para compartilhar com os leitores:

GUY LOUIS DIMANCHE – UM PARISIENSE DE CORAÇÃO BRASILEIRO

Poucas pessoas sabem que o grande maquetista do renomado arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer foi o meu pai, Guy DIMANCHE, francês, nascido em Paris em 1919, porém com um coração brasileiro, pois foi em São Luis onde começou sua vida no Brasil.

Descendente de várias gerações de artistas parisienses, decidiu com o casal de franceses Charles e Lucia Paulette Dell’Eva e o amigo Auguste, tentar nova vida em um novo continente.

Inicialmente seu sonho era ir para Argentina, mas as coisas não foram bem assim… Longe ainda de pensar que seu destino seria a Venezuela também conhecida naquela época como a “Oitava Ilha”. Após 3 anos em campos de prisioneiros na Alemanha meu pai não conseguia mais residir na França. Foi uma época de muito sofrimento para toda a família em Paris.O campo que era, digamos assim, uma espécie de hotel no meio daquela barbárie, acabou virando algo terrível. Um dos castigos era enfileirar os soldados e começar a brincadeira: você morre, você não morre. Meu pai virou expert no assunto e em segundos sabia se iria escapar ou não. Só que no campo tinha um prisioneiro brasileiro, baiano de nascimento, que veio a se tornar uma espécie de figura folclórica naquele local porque estava sempre de bom humor e não se deixava abater. Por pior que fosse a situação, ele nunca perdia a esperança de sair vivo dali.

Um belo dia, todos ficaram enfileirados novamente e dessa vez meu pai viu que iria morrer. Só que aconteceu um verdadeiro milagre: o baiano descontrolou a fila e mais uma vez ele escapou.

Tempos depois a guerra acabou e ele e o baiano conseguiram sobreviver. Não sei por qual motivo um brasileiro teria ido parar em um campo de concentração na Alemanha, visto que os nossos pracinhas lutaram na Itália. Deve ser alguma coisa do destino que o salvou e justamente pelas mãos de alguém que nasceu em um país em que ele iria aportar por acidente anos depois, o fez conhecer o grande amor de sua vida e fazer dois filhos. E foi assim que em um belo dia meu pai Guy Dimanche, decidiu partir de sua terra natal no Velho Continente ainda abalado pela sangrenta guerra, em busca de novas conquistas.

O trajeto percorrido pelo meu pai para chegar no Maranhão “à Ilha dos Amores”, inicialmente deu-se de Paris à Madrid, onde lhe foi informado que muitos navios partiam para as Américas das Ilhas Canárias. Sem sombra de dúvida, pegou um trem de Madrid e foi para a cidade de Cadiz onde, alguns dias mais tarde, embarcaria em um vapor com destino à Ilha Las Palmas. Foi em Las Palmas (Ilhas das Canárias) que meu pai conheceu seus amigos franceses Auguste, Charles e Lucia Paulette, os quais se encontravam na mesma situação.

Decidiram, então, embarcar em um pequeno veleiro de origem francesa do Porto de Camaret (Bretagne) chamado BLUETTE que se encontrava no Porto de la Luz em Las Palmas. Era um pesqueiro de atum, medindo um pouco mais de 15m, dois mastros e sem motor, com destino à Venezuela.

Não fosse o Bluette, com certeza, meu pai teria embarcado em outro navio para Argentina. Era Dezembro de 1948 quando partiram desse porto. Enfrentando grandes tempestades e a fúria dos mares do Oceano Atlântico, o Bluette perdeu-se e foi parar na Baia de São Marcos em São Luís do Maranhão em 18 de Fevereiro de 1949!

Quando penso no tamanho desse navio, um pouco maior do que a palma da minha mão, sinto um frio na espinha. Longe de imaginar ainda, que estava no Brasil! Foi quando meu pai avistou a bandeira do Brasil no mastro do pequeno porto de São Luis, a mesma bandeirinha que se encontrava na embalagem do café que tomava na França e então ele gritou:

− Estamos no Brasil!!!

Sua vida no início não foi fácil, como a de seus 3 amigos franceses, os quais decidiram não prosseguir esta viagem maluca para a Venezuela. E, juntos, enfrentaram mais uma etapa de suas vidas. Com a ajuda do conhecido professor e doutor Pedro Braga Filho, maranhense, iniciou-se na construção de um Centro de apoio às famílias de colonos que ali moravam (Assistência a Menores) e, mais tarde, na fabricação de telhas e tijolos na Olaria às margens do Rio Bacanga.

Estas atividades se encontravam naquela época no meio do mato, no meio do nada, em meio de plantações de bata doce, de rãs e até de crocodilos! Que eram, também, seus pratos preferidos !

O início de vida dessas pessoas aqui em nosso país foi árdua, como a de qualquer imigrante que chega a um novo porto com uma mão na frente e outra atrás. Muita luta, pouco descanso e nada de dinheiro sobrando para qualquer coisa minimamente supérflua. Foi quando meu pai conheceu minha mãe Maria de Jesus Bezerra Dimanche. Apaixonou-se por ela. Minha mãe era uma belíssima maranhense que conquistou o coração deste jovem parisiense a qual teve um papel de extrema importância em sua vida, como em sua carreira profissional no Rio de Janeiro posteriormente, cidade onde nasceríamos eu, e meu irmão Guy Tadeu Bezerra Dimanche,alguns anos mais tarde.

Minha mãe sempre contou que quando começou a namorar o meu pai, ele era um semi-mendigo, porque suas roupas eram pavorosas. Ela, com muito tato, aproveitou o Natal e deu-lhe duas calças e quatro camisas para que ele pudesse fazer um bico que foi uma oportunidade de ouro para quem ganhava uma miséria: dar aulas de Francês para o José Sarney, até então um ilustre  desconhecido de família abastada maranhense.

Em 1952, meu pai por sua vez foi para o Rio em um navio denominado Poconé que era, ainda, mais sofrível do que o outro que saiu da Espanha. Passageiros e tripulação tiveram que ficar três dias em Recife devido a um incêndio a bordo do navio.

Não sei quem o teria convidado migrar para o Rio de Janeiro. Nem estou certa se o seu primeiro emprego realmente foi o de maquetista, porque acredito que ele nunca havia feito uma maquete na França e muito menos em São Luís. Só que a minha família paterna é de  artistas. Inclusive o meu irmão. A única esquisita sou eu que trabalhei no Banco do Brasil e fiz faculdade de Matemática (incompleta) e Ciências Contábeis.

Bom, o que importa é que um de seus primeiros trabalhos no Rio ou talvez o primeiro tenha sido esse. Ele foi tão brilhante em sua  profissão que foi convidado pelo Oscar Niemeyer para ser o maquetista oficial de Brasília. Toda e qualquer maquete existente sobre as primeiras construções em Brasília foram feitas por meu pai Guy Louis Dimanche, sendo a primeira delas o PALÁCIO DA ALVORADA.

Ele não só fez as maquetes de Brasília como, também, de outras obras do grande arquiteto Oscar Niemeyer no exterior. O ateliê onde ele trabalhava em suas maquetes ficava no Leblon; era um “térreo” de um prédio alugado pela NOVACAP. Ficava perto da praia onde ele gostava de tomar seus banhos de mar. As maquetes eram feitas por ele de compensado e revestidas de “flexiglass”, não de gesso.

Seu pai, meu avô paterno, Marcel Edmond DIMANCHE, desenhista, veio da França para trabalhar com ele nesta importante e fascinante missão, o qual foi contratado pela NOVACAP, Cia. Urbanizadora da Nova Capital, e nomeado Chefe do Setor de Maquetes.

Meu pai e meu avô são citados no Diário Oficial da União em data de 1965 e 1967 conforme contratos de trabalho pela Novacap, a seguir: “O Prefeito do Distrito Federal, no uso de suas atribuições legais, resolve: designar Marcel Edmond Dimanche, Desenhista, nível 16, matrícula número 2.199, da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), à disposição desta Prefeitura, para exercer a função em comissão símbolo FC-8, de Chefe do Setor de maquetes, da Seção Técnica Auxiliar, da Coordenação de Arquitetura e  urbanismo, da Secretaria de Viação e Obras”.

Meu pai, como um dos pioneiros que fez parte da equipe do Oscar Niemeyer, ganhou uma casa na Av. W3, um terreno no lago e um emprego na NOVACAP.

O nosso ex-presidente Juscelino e sua esposa gostavam muito dele. Ela o recebia de rolinhos na cabeça tamanha era a intimidade. Esse privilégio que meu pai teve foi uma das raras exceções, a grande maioria dos pioneiros não recebeu nada, inclusive o meu avô Marcel Edmond DIMANCHE.

Após longos anos de ausência e um casamento que terminou, meu pai Guy Louis Dimanche decidiu retornar à sua terra natal, onde reside no centro da França. Hoje, em 19 de Julho de 2011, ele completou 92 anos com muita saúde, porém com muitas saudades de seus filhos, de sua neta e de seu querido Brasil, o País das grandes oportunidades nas décadas de 1950 e 1960 !  ”
Yvonne Maria Bezerra Dimanche
Guarapari, ES, 19 de Julho de 2011

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O cheiro das estações

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Nas regiões temperadas do planeta Terra o ano se divide em quatro estações e cada uma delas é bem distinta das demais.
A cada período o figurino das roupas, a programação cultural e até o humor das pessoas se transforma de um dia para outro, na virada da noite, ao primeiro canto do cuco.

Cada estação traz consigo, também, um cheiro próprio. A primavera, a mais esperada por todos, aguça os sensores nasais pelo desabrochar das flores que liberam, cada uma, o seu perfume característico. Os jardins cuidadosamente projetados e elaborados por mãos sensíveis e habilidosas encantam nossos olhos enquanto o perfume das flores fica impregnado em nossa memória. Pelos parques e ruas arborizadas, identificamos aromas que são imediatamente associados a momentos vivenciados em algum tempo de nossas vidas. Outros narizes, mais sensíveis, reclamam do pólen liberado pelas flores prematuras que flutuam pelos ares ao sabor da brisa.

No continente europeu o verão interfere no ritmo da economia. Inúmeros são aqueles que fecham seus estabelecimentos, fogem do calor e partem em busca de refúgio nas praias do Mediterrâneo. Um amigo próximo comenta que viaja todos os anos para a França, mas que nunca vai durante o verão; não agüenta o cheiro forte da inhaca dos franceses que circulam pelos transportes públicos e pelas ruas ensolaradas de Paris. Ainda bem que a França é a terra dos perfumes!

No outono, o cenário se transforma e as folhas queimadas pelo sol adquirem uma tonalidade de um dourado indescritível. Ao sopro dos primeiros ventos gelados as folhas começam a cair e um tapete colorido é estendido aos nossos pés. Um cheiro de ocre se dispersa ao nosso redor. Por ocasião dessa estação meus sensores mentais sempre me carregam aos vinhedos onde o cheiro inconfundível das uvas esmagadas aguça as minhas papilas gustativas. Outono me lembra vinho. 

Por outro lado o inverno é o tempo da elegância. As mulheres bem vestidas com suas charmosas écharpes brotam em todos os cantos. Os guarda-roupas são abertos e, lá de dentro, casacos, botas e outros adereços que passaram meses confinados naquele espaço se libertam ávidos para ganhar rua e tomar um pouco de ar fresco. É bem verdade que um certo odor de mofo é percebido nos primeiros dias dessa estação. Mas, logo passa.

Aqui por estas bandas bem próximas ao Equador não percebemos com clareza a mudança das estações.

Sempre digo que moro num lugar onde o ano é dividido em duas partes. A que chove e a que não chove. Aqui, no inverno, tem muita chuva e não faz frio e no verão nem tem frio e muito menos chuva.

Mas o cheiro do nosso inverno é inconfundível. De minha infância guardo na memória os odores da puaca dos campos de Pinheiro ao rescenderem o perfume das primeiras gotas de chuvas de cada ano. A chegada das águas grandes do Pericumã carrega consigo uma fragrância inconfundível que não se perde com o passar do tempo.

Das noites de inverno e da temporada dos fortes trovões que balançavam as redes de dormir, guardo na memória a falta de luz. E com elas, o forte cheiro do querosene bombeado nos Petromax que enchiam de luz a pequena sala de nossa casa.

Desde cedo aprendemos a identificar e associar os cheiros que ficam depositados em nossa memória e nos acompanham ao longo de nossas vidas. Vez por outra são ressuscitados e nossa imaginação nos transporta imediatamente para algum lugar.
Relembro minha filha Júlia que aos sete anos me perguntou:

− Pai, nariz tem cérebro?

Porque a cada vez que ela sentia um determinado perfume ela se lembrava do Colégio onde havia estudado e das amigas que havia deixado no Rio de Janeiro…

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Lembrança de outros carnavais

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Depois de muitos anos resolvi fugir do Carnaval. Meus amigos, e os Amigos do Agenor também, reclamaram bastante da ausência da “Burrinha” neste Carnaval de 2011.

É bem verdade que no ano passado, também, decidimos fazer forfait nos festejos do Momo aqui de São Luís.

Quando se fala em festas populares o carnaval do Rio de Janeiro tem sido, ao longo dos anos, a grande pedida para os foliões. Ainda mais depois da adoção das práticas e medidas implantadas pelas autoridades que garantiram a segurança e fizeram voltar o verdadeiro carnaval de Rua. Os tradicionais Blocos do Cordão do Bola Preta e o do Boi Tatá, no Centro da cidade, a Banda de Ipanema e o Concentra mas não sai, no Leblon, dão o tom e arrastam, por onde passam, crianças, jovens e velhos carnavalescos.

Em 2010, decidimos ir para o Rio nesse período. Com a programação garantida, fomos ao Baile do MonoBloco e ao desfile das escolas de Samba. Nas manhãs ensolaradas, nos calçadões ou na areia quente da praia, era impossível perder o espetáculo da beleza das praias de Ipanema e do Leblon. Mas, o melhor, mesmo, estava por vir logo em seguida. Os finais de tarde percorrendo o circuito de ruas do Leblon ao som das bandinhas improvisadas com seus animados foliões.

Quem se fez presente em todos os eventos foi a minha inseparável Burrinha, uma alegoria adquirida em Olinda, há mais de vinte anos. A cada ano, ela recebe uma nova paginação e ganha os becos e ruas alegrando as crianças e enchendo de graça, com sua irreverência, a festa momesca.

Já no embarque no aeroporto de São Luís, a “Burrinha” foi calorosamente recebida pela aeromoça Juliana da TAM. Apesar da companhia não permitir a entrada de animais a bordo, uma exceção foi aberta e, com seu largo sorriso estampado no rosto e mostrando seus dentes dourados, a Burrinha embarcou no avião acionando freneticamente sua buzina improvisada.

O Rio de Janeiro com seus encantos e magia, suas ruas recheadas de belas e sensuais mulatas, morenas, ruivas, loiras e mais gente bonita de todos os cantos, encantou-se com o charme da Burrinha. Até entrevista na TV ela concedeu!

Relembro uma cena ocorrida na Avenida Ataulfo de Paiva quando circulávamos pelos bares repletos de animados foliões. Fazia-me acompanhar de Bete, minha mulher, e de minha prima Cecília Leite. A Burrinha distribuía buzinadas e sorrisos a ermo, quando fui abordado por duas lindas turistas. Uma gaúcha e outra de Floripa.

Ma que guapo cavalinho, tchê! Dizia uma delas. Ao tempo em que outra, loura, com seus cabelos sedosos, acariciava a crina dourada da Burrinha.

Não é um cavalinho. Apressei-me em esclarecer.

É apenas uma Burrinha. A cabeça e o pescoço são feitos de madeira, a carcaça em papier maché e a saia de chita estampada. Trata-se de um personagem do folclore nordestino. Na verdade, a história registra que ela nasceu na Bahia, no final do século XVII e foi incorporada aos folguedos do Bumba-meu-boi. E, neste ano, ela veio, de São Luís do Maranhão, passar o carnaval aqui no Rio…

Enquanto levava esse papo, com uma das mãos, puxava pela rédea e provocava a abertura da boca da Burrinha deixando exposto o malicioso sorriso da alegoria.

Ao continuar com o movimento de abrir e fechar a boca da Burrinha, a gaúcha, de short e com um decote todo sensual aproximou-se de mim e perguntou:

E essa burrinha chupa peito?

NÃÃÃÃÃÕ! Entoaram em uníssono, Bete e Cecília que de longe observavam a conversa e chegaram nesse exato momento!
Desde então a minha Burrinha está proibida de fazer gracinhas no carnaval!

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Pouco esforço

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Apesar de nós, brasileiros, falarmos a mesma língua e nos orgulharmos de nossa unidade geopolítica, entre o Oiapoque e o Chuí há muitos Brasis.

Antigamente o Maranhão fazia parte do Nordeste. Mais tarde ficou conhecido como Meio Norte. É bem verdade que estamos na “zona do agrião”. Metade do estado apresenta características muito semelhantes ao Norte do País enquanto que a outra banda muito se assemelha à Região Nordeste. Se por um lado recebemos recursos da SUDAN e da SUDENE, a vocação empreendedora parece que não faz parte do gene do maranhense.

Meu amigo imortal Américo Azevedo Neto diz que aqui no estado do Maranhão tem muita gente que não gosta de fazer muito esforço. E traz como argumentação de sua tese que os frutos mais apreciados pelos maranhenses: bacuri, buriti e babaçu, entre outros tantos, são frutos que não dão trabalho para colher. Afinal, eles amadurecem no pé e caem… Não precisam ser plantados, não há necessidade de maiores cuidados e, depois do fruto no chão, o único esforço é se abaixar e recolher.

Outros podem discordar de sua tese citando, como exemplo, a jaca que deve ser colhida antes de cair. Também pudera! A jaca dá no pé!
Na saída de Pinheiro para a cidade de Santa Helena, os campos alagados impediam o tráfego de veículos durante o inverno. Em meados do século passado foi construída uma barragem e ao longo dos quase 4 km de extensão foram feitas pequenas comportas para extravasar as águas à montante do rio Pericumã.

Durante o inverno, com o represamento das águas dos afluentes do Pericumã, um imenso reservatório é formado. Até os dias de hoje, esse lago artificial, que teima ainda em continuar cheio mesmo durante o período das secas, é morada para os peixes que se reproduzem e garantem a fartura na mesa para grande parte da população.

Bagres, piabas, jejus e traíras são pescados de forma artesanal.  Aos finais de tarde, um passeio ao longo da barragem permite contemplar a maestria dos pescadores ao lançar suas tarrafas. Equilibrando-se em cima de uma ubá, o pescador dá uma boa mordida numa das bordas da tarrafa, separa a rede entre os dedos das mãos e faz o arremesso. A tarrafa ganha vida ao se abrir em pleno ar para despencar tal, qual um para quedas, sobre a superfície lisa das águas cálidas do lago. Depois, é exercitar a paciência e puxar indolentemente. Na medida em que começa a ser recolhida, a tarrafa começa a revelar os seus segredos. A luz refletida nas escamas dos pequenos peixes sinaliza uma boa tarrafada. Um de cada vez, os peixes são retirados e colocados dentro de um pequeno cofo amarrado na cintura.Em poucos minutos a bóia está garantida! É retornar para a casa e ter a certeza de não dormir de barriga vazia.

Mas, é na saia dessa barragem que se encontra uma das pescarias mais curiosas que se tem notícia.

Durante o período das cheias, os pequenos afluentes despejam no lago as águas que descem de suas cabeceiras. Na ânsia de chegar ao mar as águas formam pequenas cachoeiras ao percorrerem os sangradouros da barragem. É chegada a temporada da piracema e os peixes tentam vencer as corredeiras para, rio acima, desovar e garantir a perpetuação da espécie e a mesa farta da temporada seguinte.
Esticadas tal qual uma rede, meaçabas de palha de babaçu são colocadas pelos pescadores, abertas e inclinadas ao lado das comportas. Jogando dominó e conversa fora, além de tomar um trago de vez em quando e outro de quando em vez, os pescadores ficam torcendo para que o peixe, ao tentar vencer o obstáculo do vertedouro, erre o pulo. Ao errar o pulo ele sai da água e cai do lado de fora, em terra firme. E dentro da meaçaba! Em pouco tempo a meaçaba está cheia de peixes. É hora de voltar para casa.

Se a natureza lhe é tão pródiga, pra que tanto esforço?

* Photo by Edgar Rocha

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A imagem de São Benedito

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Quando da fundação de São Luís, os frades capuchinhos (conhecidos como padres barbadinhos) edificaram uma capela que, mais tarde, após a expulsão dos franceses, foi ocupada pelos frades carmelitas. Na segunda metade do século seguinte, os confrades da irmandade de Nossa Senhora do Rosário levantaram uma igreja no mesmo local.

A devoção dos negros a Nossa Senhora do Rosário é cheia de histórias e lendas. Numa delas a imagem da Nossa Senhora do Rosário teria aparecido nas águas do oceano Atlântico em um determinado local da costa africana. Os homens brancos teriam ficado impressionados e feito inúmeras homenagens para tornar a vê-la. Sem sucesso, teriam pedido ajuda aos negros que, ao entoarem seus cânticos e danças tribais, comoveram a Santa que emergiu das águas claras do mar e apareceu boiando na praia.

Durante o período colonial, por conta da segregação racial, esta irmandade cresceu espalhando-se pelo Brasil inteiro, abrigando sob seus tetos um grande contingente de negros.

A igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos em São Luís é uma das mais belas jóias arquitetônicas do século XIX. São refinados os altares e imagens entalhados com esmero pelas mãos hábeis dos santeiros e mestres da marcenaria daquela época. Dentre elas destaca-se a imagem de um reluzente São Benedito cujos traços denotam a perfeição da arte de entalhar.

Confesso que sempre tive muita curiosidade em saber sobre a origem dessa imagem.

Alguns historiadores registram que se trata de uma imagem de vestir, em madeira policromada, com 123 cm de altura, datada de meados do século XIX. Teria sido esculpida por João Baptista Pisani, um mestre italiano nascido em 1818, que permaneceu em São Luís por cerca de duas décadas, exercitando seus dotes de dourador e entalhador.

Atualmente está em curso a restauração desse belo espaço arquitetônico e religioso. Graças ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional estão sendo revelados ricos detalhes esculpidos em madeira e folheados a ouro que se escondiam sob camadas e mais camadas de tintas encardidas pelo tempo.

A cada mês de setembro, durante os festejos de seu padroeiro, novenas e procissões reúnem fiéis e atraem multidões de turistas e curiosos.

Quem sempre acompanha e documenta a festa de São Benedito, registrando esses momentos carregados de emoção e movidos pela fé, é o fotógrafo Edgar Rocha. Ao longo dos anos ele tem convivido com a comunidade e guardado não apenas na mente e no coração, mas, sobretudo, nos negativos e na memória de seu computador um rico material sobre a igreja, suas imagens e seus devotos fiéis. Tornou-se um deles.

Certo dia, ele documentava a festa e demorou-se um pouco mais em frente à imagem de São Benedito. Pelas frestas da janela, um pequeno facho de luz invadia o recinto e fazia refletir a testa lustrada da imagem do Santo. 

− Ei, seu Edgar, o senhor tá filmando a gente? Indagou, com sua voz mansa, uma idosa senhora, negra, bem velhinha, aparentando ter mais que 80 anos.

− Não, minha senhora. Estou apenas fotografando.

− Minha mãe conheceu São Benedito…

Observando o ar de espanto do Edgar, ela continuou.

− Ele trabalhava na Praia Grande. Era um pretinho que trabalhava na cozinha, mas não era um bom cozinheiro. Apanhava muito, sofria demais… Continuou ela, fazendo uma expressão de dor.

− Certo dia, depois de ter levado uma surra daquelas, ele veio se lamentar aqui na Igreja. Era noite, a igreja tava fechada e ele passou a noite todinha no sereno. Coitado! No dia seguinte, quando abriram a porta da igreja ele apareceu lá dentro e em cima do altar. Virou estalta!

Pronto! Satisfiz a minha curiosidade.

* Photo by Edgar Rocha

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