Quando da fundação de São Luís, os frades capuchinhos (conhecidos como padres barbadinhos) edificaram uma capela que, mais tarde, após a expulsão dos franceses, foi ocupada pelos frades carmelitas. Na segunda metade do século seguinte, os confrades da irmandade de Nossa Senhora do Rosário levantaram uma igreja no mesmo local.
A devoção dos negros a Nossa Senhora do Rosário é cheia de histórias e lendas. Numa delas a imagem da Nossa Senhora do Rosário teria aparecido nas águas do oceano Atlântico em um determinado local da costa africana. Os homens brancos teriam ficado impressionados e feito inúmeras homenagens para tornar a vê-la. Sem sucesso, teriam pedido ajuda aos negros que, ao entoarem seus cânticos e danças tribais, comoveram a Santa que emergiu das águas claras do mar e apareceu boiando na praia.
Durante o período colonial, por conta da segregação racial, esta irmandade cresceu espalhando-se pelo Brasil inteiro, abrigando sob seus tetos um grande contingente de negros.
A igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos em São Luís é uma das mais belas jóias arquitetônicas do século XIX. São refinados os altares e imagens entalhados com esmero pelas mãos hábeis dos santeiros e mestres da marcenaria daquela época. Dentre elas destaca-se a imagem de um reluzente São Benedito cujos traços denotam a perfeição da arte de entalhar.
Confesso que sempre tive muita curiosidade em saber sobre a origem dessa imagem.
Alguns historiadores registram que se trata de uma imagem de vestir, em madeira policromada, com 123 cm de altura, datada de meados do século XIX. Teria sido esculpida por João Baptista Pisani, um mestre italiano nascido em 1818, que permaneceu em São Luís por cerca de duas décadas, exercitando seus dotes de dourador e entalhador.
Atualmente está em curso a restauração desse belo espaço arquitetônico e religioso. Graças ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional estão sendo revelados ricos detalhes esculpidos em madeira e folheados a ouro que se escondiam sob camadas e mais camadas de tintas encardidas pelo tempo.
A cada mês de setembro, durante os festejos de seu padroeiro, novenas e procissões reúnem fiéis e atraem multidões de turistas e curiosos.
Quem sempre acompanha e documenta a festa de São Benedito, registrando esses momentos carregados de emoção e movidos pela fé, é o fotógrafo Edgar Rocha. Ao longo dos anos ele tem convivido com a comunidade e guardado não apenas na mente e no coração, mas, sobretudo, nos negativos e na memória de seu computador um rico material sobre a igreja, suas imagens e seus devotos fiéis. Tornou-se um deles.
Certo dia, ele documentava a festa e demorou-se um pouco mais em frente à imagem de São Benedito. Pelas frestas da janela, um pequeno facho de luz invadia o recinto e fazia refletir a testa lustrada da imagem do Santo.
− Ei, seu Edgar, o senhor tá filmando a gente? Indagou, com sua voz mansa, uma idosa senhora, negra, bem velhinha, aparentando ter mais que 80 anos.
− Não, minha senhora. Estou apenas fotografando.
− Minha mãe conheceu São Benedito…
Observando o ar de espanto do Edgar, ela continuou.
− Ele trabalhava na Praia Grande. Era um pretinho que trabalhava na cozinha, mas não era um bom cozinheiro. Apanhava muito, sofria demais… Continuou ela, fazendo uma expressão de dor.
− Certo dia, depois de ter levado uma surra daquelas, ele veio se lamentar aqui na Igreja. Era noite, a igreja tava fechada e ele passou a noite todinha no sereno. Coitado! No dia seguinte, quando abriram a porta da igreja ele apareceu lá dentro e em cima do altar. Virou estalta!
Pronto! Satisfiz a minha curiosidade.
* Photo by Edgar Rocha