A casa das formigas

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formiga.3Dias atrás chegava tarde da noite em casa e decidi fazer um lanche. Qual não foi a minha surpresa ao me deparar com verdadeiro exército de saúvas que se deslocava sobre a bancada da cozinha. Fiquei um bom tempo observando-as. Quando criança, imaginava que as formigas deviam se comunicar em alguma língua. Observava o comportamento delas. Elas andavam, às vezes paravam no caminho para cumprimentar as outras que vinham em sentido contrário, conversavam um pouco e cada qual seguia o seu caminho. Eram fortes o suficiente para carregar pesos muitas vezes maiores que o seu próprio peso e, quando não conseguiam sozinhas, juntavam-se em grupo e numa sintonia de fazer inveja a nós humanos, eram capazes de transportar “toneladas” de alimentos para suas casas.

Júlia, minha filha, aos dez anos, dizia que nossa casa havia sido construída em cima de um formigueiro. Por onde ela andava, tinha formigas: saúvas; aquelas miudinhas (as diabéticas), loucas por açúcar; tanajuras voadoras, que anunciam a chegada do inverno; e até aquelas amarelinhas microscópicas, que quando picam nos deixam uma forte dose de ácido fórmico.

Atualmente nossos filhos já não moram mais conosco, mas as formigas… Essas continuam a nos fazer companhia.

Após essa reflexão resolvi exterminar as formigas lá de casa de uma vez por todas. No dia seguinte, saí para comprar os inseticidas e em conversa com o veterinário descobri que para cada tipo de formiga há um veneno específico. Desiludido, pensei até em comprar um tamanduá. O que seria, até, politicamente mais correto.

No início do século XVIII, restos de farinha de trigo carregados pelas saúvas tiraram a paz dos monges franciscanos do convento Santo Antonio, da Província de Piedade, no Maranhão. Os padres descobriram que essas incansáveis formigas criaram gigantescos labirintos por entre os alicerces da dispensa do mosteiro a ponto de comprometer toda a estrutura do convento.

As primeiras vozes foram levantadas por alguns padres no sentido de exterminar as formigas. Outras, mais sensatas, apelaram pela preservação da espécie. Das formigas, é claro! Não havendo consenso, decidiu-se que o assunto seria levado a Juízo.

Instalada a Corte para o julgamento, a promotoria, segundo os autos do processo, apressou-se em apresentar suas justificativas para a condenação das formigas: “Essa praga procede como ladrões,” enfatizou a acusação – “invadem nosso lar, roubam nossos alimentos e não sendo suficiente, ainda com manifesta violência, pretendem expulsar-nos de nossa casa arruinando-a. Afirmo também que agem de má fé, pois apesar desta província ser imensa, vieram elas escolher justamente nossa dispensa para sua morada”.

Após um infindável rosário de acusações, concluiu solicitando que fosse decretada a pena capital. “Que sejam todas mortas por algum ar pestilente ou afogadas por uma inundação. E que desta forma, para sempre sejam exterminadas de nosso recinto”.

A defesa das formigas, também feita por freis franciscanos, lançou mãos de argumentos irrefutáveis, ressaltando as virtudes da prudência, caridade, dedicação e superação. Argumentou ainda o direito de propriedade, por já estarem (as formigas) de posse do local muito antes dos monges ali chegarem, portanto não poderiam ser expulsas.

Após réplicas e tréplicas, o veredicto foi proclamado: “ Ilustre comunidade, diante de Deus, o Justo Juiz, declaro: Dado a extensão destas terras, e que ambas as partes podem ser acomodadas sem mútuo prejuízo, ordeno que os frades sejam obrigados a assinalar dentro de sua propriedade um lugar competente para vivenda das formigas. E que elas, sob pena de excomunhão, deverão mudar logo de habitação, deixando as dependências do convento”.

Promulgada a sentença, foi designado um frade, a mando do juiz, para intimá-las em nome do Supremo Criador para que se retirassem imediatamente das instalações do mosteiro. Enquanto o religioso ia proclamando para cada um daqueles incontáveis formigueiros o resultado do julgamento, um milagre aconteceu: imediatamente, todos aqueles minúsculos seres, saíram de suas tocas formando intermináveis fileiras e, abandonando suas antigas moradas, partiram em direção ao local a elas destinado pelo juiz…
No meu caso, ainda estou em dúvida. Não sei se extermino todas elas, se compro um tamanduá ou se aguardo por um milagre.

2 comentários para "A casa das formigas"


  1. francisco de asis peres soares

    Zé,

    Pensava eu, que o caso do julgamento das formigas havia se passado no Convento do Carmo (pç João Lisboa) !

    abçs

  2. Lídia Giovana

    Em relação à fé, Roberto Carlos diz hoje que a referida(fé) não remove montanhas,o que pode ser feito é encontrar-se formas de continuar o percurso,muito embora tenhamos que desviarmos o caminho.Sensata a decisão das formigas.Já o presidente do Brasil não foi sensato ao chamar a crise de “marola”.

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