O camarão da Luzia
Éramos um grupo de três casais. Resolvemos fazer uma trilha, a pé, entre Santo Amaro e os Atins em Barreirinhas. Os raios do sol começavam a aparecer quando, ao raiar do dia, partimos em direção ao litoral. À nossa frente o horizonte e mais ao longe dunas e mais dunas de areia branca. Nós e somente nós. A imensidão daquele deserto, salpicado de lagoas de água doce, nos fazia ver o quanto somos insignificantes neste Universo. Dar um mergulho nas cálidas águas da Lagoa da Gaivota na espreita da aparição do sol por entre as dunas é uma dádiva divina e um espetáculo de rara beleza.
Após umas duas horas de caminhada no sentido leste chegamos ao mar. Do outro lado a África. Catando conchas, brincando com os bandos de maçaricos na areia branca da praia, molhando os pés na água morna do mar, caminhamos por mais algumas horas quando, sedentos, avistamos uma habitação na linha do horizonte. O fim da tarde se aproximava. Distante, tremulando pelo calor do ar ainda quente, a casa parecia flutuar. Ao longe a miragem parecia um mosteiro perdido naquela imensidão de paz. De perto, era apenas uma palhoça.
Hoje, sentado no aconchego de minha casa, nem sei se posso chamá-la de habitação…
Por entre as montanhas de sable e o oceano a miragem tinha um endereço: O Bar da Luzia. Barraco de taipa, chão de areia socada, coberta de palha de carnaúba e perdido naquela remota paisagem, ostentava uma placa de identificação: Restaurante!
Acomodei-me num pequeno mocho e pedi uma cerveja gelada… Ahhhh! Que maravilha!
A dona da casa chegou-se até a mim e perguntou em que podia nos ajudar. Deu-nos o cardápio. Costeleta de bode ao molho de coco, peixe frito e churrasco de camarão. Fiquei curioso. Jamais imaginei comer algum dia na minha vida um churrasco de camarão. Pedi pra ver como era feito o tal churrasco.
Ultrapassei uma meaçaba que separava a sala da cozinha e pude ver a habilidade da Luzia enfiando, um após outro, cabeça contra rabo, aqueles imensos camarões, recém tirados do mar, temperados na hora pelas mãos hábeis de suas duas filhas. Nos espetos feitos de talo de pindova, os camarões eram besuntados num molho de alho socado, tomate, cheiro verde, e azeite de coco. Numa grelha improvisada, ela equilibrava os espetos de camarão sobre o fogareiro de barro feito com os restos das casas de cupim. As brasas que crepitavam ao sabor da brisa soprada do mar se encarregavam do resto.
Não creio que era a fome, mas, certamente, nunca comi um camarão tão saboroso igual a esse! Os chefes Alain Ducaisse, ou mesmo o Ferran Adrià comeriam de joelhos e implorariam à Luiza a receita desse manjar dos deuses. Sartre e Simone de Beauvoir, amantes da boa cozinha, se vivos ainda estivessem, batizariam esse prato com o nome de Crevettes a soixante-neuf.
Enquanto saboreava a iguaria meus olhos viajavam pelas paredes da palhoça. Via pequenos textos grafados nos mais diferentes idiomas: grego, italiano, francês, inglês, indiano, espanhol, alemão, japonês… Todos enaltecendo o encanto da paisagem, a passagem por esse paraíso e escritos por aventureiros que se lançaram ao mundo em busca de um pedaço de paz.
Completamente exausto da caminhada e sem forças para continuar, sugeri a meus amigos dar um tempo e quem sabe fazermos uma parada para continuar no dia seguinte. Para nosso encantamento, como se o mar se abrisse para dar passagem, uma enorme bola prateada surgia no horizonte. Era noite de lua cheia.
Na boca da noite, para meu conforto, e com o auxílio de duas lamparinas que teimavam em ficar acesas, pude constatar que o restaurante era também uma pousada! Em não mais que 70 cm de largura por um metro de altura, pendurada num armador de rede, uma pequena tabuleta anunciava a tabela de pernoite: Cama – R$ 10,00; rede nova – R$ 5,00 e rede usada – R$ 3,00…
Nem me recordo mais se tinha rede nova para todos. Aproveitando o assunto, deixo como sugestão ao novo Governo da presidente Dilma: a criação do Programa Rede Nova para Todos…
O certo é que cantarolando Estrela do Mar de Caymmi “um pequenino grão de areia, que era um pobre sonhador, olhando o céu viu uma estrela, imaginou coisas de amor…” adormeci contando as estrelas no céu.