Rio cinqüenta graus

3comentários

preguiça muito maisEra final da década de setenta. Recém casado, trabalhava no Rio de Janeiro quando recebi a visita de meus pais. Papai buscava tratamento médico e esteve conosco por cerca de trinta dias.

Sempre que passava em frente à praia de Ipanema e Copacabana, ele não perdia a oportunidade para registrar que no Rio tinha muito malandro. Ficava impressionado com a quantidade de gente na praia em pleno horário de trabalho… Eu argumentava com ele que a Cidade Maravilhosa tinha 6 milhões de habitantes e que a cada mês pelo menos 500 mil poderiam estar de férias, todos, desfrutando a boa vida. Isso sem contar com os turistas, brasileiros e estrangeiros, que vinham curtir as praias mais badaladas do País e admirar o corpo escultural das sereias cariocas.

Trinta anos depois, resolvi passar o carnaval no Rio de Janeiro.

Encontrei-me com uma amiga de longas datas que reclamava estar “morta de tanto trabalho!” Pensei comigo mesmo: devias morar era em São Paulo! O Rio de Janeiro é lugar para se divertir. É um paraíso, lugar de não trabalhar! Coberto de razão estava o poeta Vinicius de Moraes: “Nada melhor de que não fazer nada…” e para não fazer nada, nada melhor que o Rio de Janeiro.

E o Rio de Janeiro continua lindo! Para os saudosistas, o Degrau está no mesmo lugar, o arroz à piemontesa do Alvarus ainda é inconfundível, o Jobi, o Diagonal, o Shirley com seus deliciosos frutos do mar continua imperdível e o Antiquarius, com sua cozinha impecável, é ainda a grande referência da mesa carioca. Os botecos continuam a ser a cara do Rio de Janeiro. Passar horas e horas em pé, jogando conversa fora e saboreando um chopp bem gelado, faz parte da cultura local. O antigo Bracarense (com as mesmas caras de sempre…) e o novo Chico e Alayde no Leblon são paradas obrigatórias. Para os mais descolados, se não quiserem sair do point mais agitado Rio, o Zucca, o Quadrucci e o Sushi Leblon dão conta do recado.

Em pleno verão, com o termômetro alcançando cifras nunca dantes atingidas, a grande pedida é a praia. Como sempre foi. Lotada! Uma planície de Babel, inundada por cores, sotaques, e pelo charme das belas cariocas. Afinal, todos se sentem cariocas no Rio. O ser carioca, na verdade, é um estado de espírito que todo turista incorpora assim que põe os pés sobre as ondas em preto e branco dos calçadões das praias da zona sul.

O programa de todo o turista que se preza: acordar tarde, pegar o kit praia – cadeira, barraca, toalha, protetor solar – e descer para tomar um pingado e um suco na esquina. Uma caminhada até o seu pedaço na praia e um efervescente mergulho completa o ritual. Atualmente, a raquete de frescobol virou acessório caduco. Está proibida a prática do esporte e apenas os vendedores do Mate limão e dos Biscoito-Globo conseguiram sobreviver à nova onda do prefeito Eduardo Paz. Para completar, de vez em quando e de quando em vez, um chopp bem gelado!

Imaginem desfrutar de tudo isso, e ainda ter que trabalhar!

Dizem que essa vocação pelo descanso é antiga. Contam que séculos atrás, essa indolência estava matando de fome certo cidadão que seguia carregado numa rede rumo ao cemitério São João Batista. Um curioso aproximou-se do cortejo e perguntou o que estava acontecendo. Foi informado que o moribundo há muito não tinha o que comer, não queria mais viver, estava dando os últimos suspiros e pediu para ser enterrado. Penalizado com o que via, o homem disse que daria uma saca de arroz para sanar a fome e salvar a vida daquele pobre infeliz!

O moribundo esticou-se com muita dificuldade e perguntou:

− O arroz está pilado?

Com a resposta de que o arroz estava “in natura”, ele ordenou:

− Então, segue o enterro!…

Penso que cada turista que vem ao Rio deve ter se inspirado num poema escrito por Nazareth Leite, lapidado numa arvore centenária, no pesqueiro “Tô à toa”, encravado em pleno Pantanal Mato-grossense:

“À toa nunca se vive
Quando se tem um bem querer
Mas às vezes tá à toa
Faz parte do bem viver”.

3 comentários para "Rio cinqüenta graus"


  1. Cecília Leite

    É isso mesmo, Zé Jorge. Adorei o artigo! Parabéns pelo texto e pelo teu aniversário :-). Morando aqui, sou testemunha de que o Rio nos convida mesmo a um eterno dolce far niente! Ora, até o assumidamente preguiçoso (e sensacional) Caymmi chegou a trocar a Bahia para viver seus últimos dias em Copacabana! Afinal, quem resiste aos apelos dessa sempre maravilhosa cidade? Aliás, hoje ela também faz aniversário: 445 anos! A prefeitura programou comemorações por todo lado. Mas, a festa ficou para depois. É que hoje, no Rio, o sol ficou com preguiça de aparecer…

  2. Diogo

    Grande JJ,
    sempre leio seus posts sobre Paris, cidades da França e Europa em geral. Fico babando de inveja, saudável claro, pelos seus conhecimentos sobre aquele continente. Mas agora escrevestes sobre algo que conheço muito bem, o Rio de Janeiro, que só não amo mais que nossa São Luís.
    Relembrei com muito saudosismo o roteiro traçado por ti e visualizei os lugares citados já programando um breve retorno para matar essa saudade.
    Abraços,
    Diogo

  3. TÉCIO LEITE

    CARO ZÉ JORGE, GOSTEI DO POEMA CITADO,SABIA QUE D. NAZARETH LEITE É UMA GRANDE DAMA DA SOCIEDADE MARANHENSE, MUITO INTELIGENTE E SEMPRE SIMPÁTICA COM SEUS AMIGOS. GOSTARIA QUE ELA ME ENVIASSE ALGUNS POEMAS PARA NOSSO DELEITE. MEU E-MAIL: tecio [email protected]

deixe seu comentário

Twitter Facebook RSS