Pharmácia da Paz

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No início do século passado, a assistência médica nas cidades do interior do Maranhão era tão precária que a população se valia dos curandeiros, parteiras e farmacêuticos.

Há exatamente cem anos, chegava a Pinheiro um farmacêutico prático que rapidamente tornou-se conhecido e muito respeitado não só na cidade como em toda a região. Mulato, bem vestido, atencioso e muito espirituoso, logo se integrou no seio da comunidade. Casou-se com Inês Castro e freqüentava as boas rodas sociais, com participação atuante nos eventos e agremiações culturais mais destacadas.

Alto e barrigudo, com voz grave, rouca e pausada, Zé Alvim era uma dessas figuras que fazem a história do Lugar. Tipo folclórico foi através dele que chegou a Pinheiro, pelo final da década de 1930, o primeiro rádio.

Nessa época os editoriais do Jornal Cidade de Pinheiro, de forma contundente, vinham advertindo o Füher alemão acerca de suas pretensões bélicas. Hitler ignorou as ameaças, invadiu a Polônia e espalhou pânico pelo Velho Continente. Começava a segunda guerra mundial.

A população da cidade acompanhava, atenta, as notícias do front preocupada que estava com Américo Gonçalves, único pinheirense combatente da FEB, que havia partido para a Itália com a missão de acabar com Hitler.

À “boca da noite”, como costumavam dizer, os ouvintes postavam-se na calçada da Pharmácia da Paz para tentar escutar os boletins da guerra, transmitidos pela da BBC de Londres. Ligar o rádio era uma novela. Precisava conectar a bateria, deixar as válvulas esquentarem, e passar um tempão sintonizando a estação… Era tarefa que só Zé Alvim era capaz de realizar. Mais ruídos que sons, chiados e descargas encobriam o noticiário a ponto de não se entender quase nada. A cada descarga Zé Alvim traduzia, com sua voz cavernosa, para os atentos ouvintes:

− Ou é tiro de canhão ou barulho de morteiro! Tão bombardeando Londres!

Muito respeitado na Vila, qualquer que fosse o problema ligado à saúde, o endereço certo era a Pharmácia da Paz, onde os remédios eram manipulados com maestria pelo farmacêutico. Contam que até conselho ele distribuía com fartura e sem cerimônia.

Certa feita um afilhado resolveu se casar com uma moça nova. Dia seguinte ao casamento, o orvalho da madrugada ainda encobria os canteiros da Rua Grande quando o mancebo bateu às portas da casa de Zé Alvim que, sonolento, o recebeu vestido ainda de pijamas.

− Rapaz, tu te casou ontem, o que é que tu vem fazer aqui em casa uma hora dessas? Tu deve ficar com tua mulher!

O afilhado queixava-se que ia devolver a moça aos pais dela pois achava que ela não era mais virgem.

− … É que eu tô meio preocupado, meu padrinho. Eu achei uma certa facilidade… não saiu nem um pouquinho de sangue…

− E tu pensa que pra tirar honra de mulher precisa de picareta? Cria juízo! Volta pra casa e fica com a menina, rapaz! Ralhou Zé Alvin.

Conformado, o moço retornou para a esposa, mas Zé Alvim, sempre que podia, confidenciava aos amigos mais próximos:

− Ela era furada mesmo…

Até os dias de hoje a Pharmácia da Paz continua em Pinheiro, no mesmo lugar, e é uma das mais antigas farmácias de manipulação do estado do Maranhão.

Zé Alvim deixou estórias e saudade! Por ironia do destino morreu em 1952, aos 61 anos de idade, contrariando um velho ditado que costumava usar: “o que mata velho são três K; queda, catarro e caganeira!” Acabou morrendo de um outro K: coração…

8 comentários para "Pharmácia da Paz"


  1. francisco

    Zé,

    Fiquei Sabendo que vc é engenheiro mecanico !

    Se for verdade adicione no seu perfil e venha fazer parte do CLUBE DE ENGENHARIA DO MARANHÃO

    abçs

    Fco Soares (presidente do CEM)

  2. ALBERTO

    Adoro essas historias…muito bom mesmo

    amo pinheiro demais

  3. Joel Nunes Júnior

    Caro Zé Jorge, é sempre com prazer que leio seus textos, especialmente os que se referem a nossa Princesa da Baixada…Ao ler este, imediatamente bateu a saudosa lembrança de um outro Zé de nossa cidade, também moreno, alto, atencioso e muito espirituoso…refiro-me ao meu Zé de Arimatea, avô de meus sonhos!
    Grande abraço,
    Joel Nunes Júnior

  4. Herasmo

    Zé, de dá a liberdade para publicar este artigo no nosso jornal.

    Herasmo

    • jose jorge

      Você pode acessar o blog e escolher os artigos que julgar interessante e publicar no Jornal.

  5. Herasmo Leite

    Parente,
    Conheci um cidadão de cor negra, já falecido, residente em Marajó, na região da Chapada, de nome Ananias, que também participu da FEB. Segundo relatos desse senhor, ele lutou contra as tropas alemãs na região do Vale do Pó, na Itátia. Isso implica dizer que Américo Gonçalves não foi o único pinheirense combatente da FEB, que partiu para a Itália com a missão de acabar com Hitler.

    Seu parente Herasmo Leite

  6. Herasmo Leite

    Parente,
    Conheci um cidadão de cor negra, já falecido, residente em Marajó, na região da Chapada, de nome Ananias, que também participu da FEB. Segundo relatos desse senhor, ele lutou contra as tropas alemãs na região do Vale do Pó, na Itátia. Isso implica dizer que Américo Gonçalves não foi o único pinheirense combatente da FEB, que partiu para a Itália com a missão de acabar com Hitler.

    Seu parente Herasmo

  7. Francisco Leite

    Zejorge, ZéAlvin era famoso em Pinheiro na manipulação de xaropes para combater qualquer doença, pelos seus conselhos e pelas respostas na ponta língua. Também, era ele o tipo que jamais se candidataria a um concurso de beleza. Curioso para indagar ZéAlvim ao apanhar o xarope para tratar o sarampo do netinho deixado em casa, disse o cliente: "Seu ZeAlvin, é certo que a pessoa pode pegar sarampo mais de 1 vez?" "—-Bem, depende da beleza do indivídudo, respodeu o farmacêutico prático, Se ele é bonito, sim, ele pode pegar mais de 1 vez. Eu, pelo menos, já peguei 3 vezes !"

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