Estava eu perdido por entre becos e ruelas de Viana do Castelo, bela cidade no extremo norte de Portugal, imaginando como teria sido a vida daqueles portugueses séculos atrás. De repente, ao passar em frente a uma casinha de porta e janela, na Rua do Trigo, algo me chamou a atenção. Parei. Voltei. E entrei pela porta estreita e vi descer de uma escada, que deslizava à frente das prateleiras, um português muito atencioso. Seu nome? Manoel. Era o dono dessa pequena gráfica, na verdade uma tipografia, que insistia em contrariar o tempo. Em pleno século 21, ele ainda fazia pequenos impressos, convites, cartões e singelos anúncios utilizando-se da habilidade em compor palavras, montando os tipos de chumbo, letra após letra, de traz para frente e de cabeça para baixo.
Aquela escada deslizante me fez recordar uma das mais criativas propagandas de televisão que tive oportunidade de ver. Atualmente, as peças publicitárias expostas na TV, qualquer que seja o produto a ser anunciado, fazem uma apelação desmedida à sensualidade das mulheres. Até que faz bem aos olhos apreciar as beldades expostas na TV, mas na verdade, o que está faltando, mesmo, é criatividade nas agências publicitárias.
O comercial a que me refiro mostrava uma pequena mercearia onde se vendia de-um-tudo. Um velho balcão de madeira separava os clientes do dono da venda. Nas prateleiras, os produtos eram expostos e uma escada deslizava em frente a elas repletas dos mais variados produtos. No alto, uma mancha amarela se destacava ao longe. Eram os pacotes de Maizena.
A cena começava com algumas pessoas dentro da quitanda e alguém pedia um pacote de Maizena. O dono puxava a escada, subia, espichava-se todo, pegava um pacote, descia, entregava ao cliente, recebia o dinheiro e dava o troco.
Dirigia-se ao próximo, que dizia:
− Eu quero outro pacote de Maizena.
A cena se repetia. Tão logo concluída a transação, outra cliente, da mesma forma, pedia:
− Eu também quero um pacote de Maizena.
Novamente, o vendedor subia na escada para pegar mais um outro pacote de Maizena, quando, lá do alto, percebeu a chegada de uma criança. Uma menina lourinha, tímida, de uns cinco anos, olhos azul cor de anil. Linda!
Lá do alto, cansado de tanto subir e descer para pegar um pacote de Maizena para cada freguês, ele dirigiu-se à menina e perguntou:
− Você também quer um pacote de Maizena?
Ela balançou negativamente a cabeça. Assim que ele terminou de atender a freguesa, ela formando o V da vitória com os dois dedinhos, disparou:
− Mamãe mandou pedir pro senhor mandar DOIS pacotes de Maizena…
Um assunto puxa outro e a escada deslizante me remete à minha infância em Pinheiro, na quitanda do Sr. José Santos. Membro da colônia portuguesa que ali se instalou no início do século XX, José Santos veio de Cantanhede, Norte de Portugal.
Certo dia, estava ele atendendo no seu comércio, um pouco maior que uma quitanda, quando chegou um caboclo. Apeou do cavalo, amarrou o cabresto na argola de ferro da calçada, retirou o chapéu de palha e entrou perguntando por um bom fumo de corda.
A natureza é incrível e só ela é capaz de promover transformações fenomenais. Pegue um pouco de tinta verde e misture com outra porção de tinta vermelha. O que acontece? Aparece o marrom! Da mesma forma, as folhas verdes do tabaco, uma vez colhidas, se forem deixadas sob a vermelhidão do sol, perdem o brilho, murcham e adquirem a tonalidade marrom. São estas folhas, que, retirados os talos e torcidas (não enroladas nas coxas das belas morenas cubanas, mas acordoadas umas às outras), transformam-se em poucos meses nas cordas de fumo mais apreciadas: Os puros, os fumos de corda com a mais alta concentração de nicotina.
E foi um desses que o caboclo pediu a seu Zé Santos para experimentar.
O português escolheu um bem forte, pegou sua faca mais afiada e laminou umas fatias do rolo de fumo tais quais são cortadas as lascas mais delgadas dos presuntos defumados do porco preto do Norte de Portugal.
O camponês cheirou fundo. O fumo era tão forte que ele deixou escapar um pum, imediatamente percebido pelo Zé Santos.
Para despistar, o caboclo emendou:
− Seu Zé! O siô não tem um mais forte?
Com a falta de paciência que lhe era peculiar, e com seu forte sotaque lusitano, Zé Santos respondeu:
− Para peidare tem, mas para cagare, não! Ora, pois!
Quero aproveitar o ensejo para parabenizar o deputado Zé Jorge, pelas postagens de seu blog, visto que as mesmas, denotam particularidades de um homem simples, que tem a habilidade de mesclar suas experiências pessoais com a de tantos outros, para pautar sua trajetória serena e marcada sempre pelo amor a eterna princesa da baixada.