Vem aí o Vale Caixão!

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As civilizações antigas já registravam a preocupação com a morte. No Egito, por exemplo, os faraós construíam seus próprios túmulos, para onde carregavam ainda em vida seus tesouros e seus pertences. Preocupavam-se com a preservação do próprio corpo, magistralmente embalsamados enquanto aguardavam o julgamento de Ozires para a passagem para a outra vida.

Até os escravos, após uma vida de árduo trabalho na construção dos templos, eram enterrados dentro dos mesmos túmulos dos faraós para não desvendarem os segredos dos tesouros ali guardados.

No Maranhão, persiste nos dias de hoje o costume das famílias mais pobres, sobretudo aquelas que vivem no Interior, da aquisição, ainda em vida, do caixão de defunto. Existem funerárias que chegam a oferecer até consórcio de caixão. Essa prática é tão comum que as pessoas acabam convivendo, com muita naturalidade, com a presença do caixão guardado sob o teto das próprias casas.

Na primeira metade do século passado, meu avô Chico Leite, que já havia produzido conhaque, sabão e desenvolvido muitas outras atividades, resolveu montar uma fábrica de caixão de defunto. Juntou-se a seu amigo Ataliba, então operador do motor de luz da Usina da cidade, e começou a divulgar a chegada do novo empreendimento.

Poucos dias depois, morre em Pinheiro, vítima de um ataque súbito, um membro da família Agostinho Ramalho. Pronto! Pensou Chico Leite. A primeira encomenda está garantida. Despachou Ataliba com a missão de negociar a venda do caixão. Negócio fechado! Agora viria a fase mais importante: a construção do caixão.

As tábuas secas de Paparaúba foram serradas, aparadas e lixadas. Com precisas marteladas, os pregos foram fincados e, sem maiores delongas, concluíram a parte inferior do esquife. Até que não foi difícil. Porém, ao iniciar a construção da parte superior, os problemas apareceram: como confeccionar a tampa com aquelas inclinações, ângulos e aqueles recortes todos? Sem o uso das ferramentas adequadas, muitas tábuas foram quebradas.

Trabalharam até tarde da noite sem sucesso. Desolados, resolveram desistir de confeccionar a tampa do caixão.

Enquanto isso, o morto, embalado pelo choro das carpideiras e ainda deitado sobre a pedra fria, aguardava impaciente pela chegada do caixão…

Ao raiar do dia, o velório ainda corria animado. Chico Leite decidiu ir pessoalmente conversar com a família do defunto sobre o problema. Explicou que atualmente existiam dois tipos de caixão: Um, do tipo antigo, pesado, estilo rococó, “démodé, mesmo, dizia ele”, pouco utilizado, muito mais caro, etc… E um outro, de linhas retas, sem tampa, com apenas um véu de renda sobre o corpo do defunto, mais leve, mais moderno, “última moda em São Luís” e, ainda por cima, muito mais em conta… Contou até que o rei George V da Inglaterra, recém falecido, havia sido enterrado em um caixão desse tipo.

Com esses argumentos irrefutáveis, a família decidiu pelo modelo moderno. E o defunto desceu à cova presenciando, através do véu transparente que lhe cobria o rosto pálido, o choro dos familiares e amigos.

Leio na imprensa que a Superintendência de Seguros Privados (Susep) está negociando com o governo federal a distribuição de seguros como proteção às pessoas de baixa renda. Identificadas as carências da população mais pobre, o novo programa vai atender aquelas 50 milhões de pessoas que não têm literalmente onde cair mortas. O governo cria, portanto, através dessa apólice, um auxílio funeral mediante a inclusão de um pequeno adicional de custo no Programa Bolsa Família.

Fica, pois, instituído o Vale Caixão.

Não sei ainda se vai dar para comprar um caixão daqueles de antigamente, ou um do tipo mais moderno.

O certo é que o defunto não ficará desabrigado.

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A escada da quitanda

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Estava eu perdido por entre becos e ruelas de Viana do Castelo, bela cidade no extremo norte de Portugal, imaginando como teria sido a vida daqueles portugueses séculos atrás. De repente, ao passar em frente a uma casinha de porta e janela, na Rua do Trigo, algo me chamou a atenção. Parei. Voltei. E entrei pela porta estreita e vi descer de uma escada, que deslizava à frente das prateleiras, um português muito atencioso. Seu nome? Manoel. Era o dono dessa pequena gráfica, na verdade uma tipografia, que insistia em contrariar o tempo.  Em pleno século 21, ele ainda fazia pequenos impressos, convites, cartões e singelos anúncios utilizando-se da habilidade em compor palavras, montando os tipos de chumbo, letra após letra, de traz para frente e de cabeça para baixo.

Aquela escada deslizante me fez recordar uma das mais criativas propagandas de televisão que tive oportunidade de ver. Atualmente, as peças publicitárias expostas na TV, qualquer que seja o produto a ser anunciado, fazem uma apelação desmedida à sensualidade das mulheres. Até que faz bem aos olhos apreciar as beldades expostas na TV, mas na verdade, o que está faltando, mesmo, é criatividade nas agências publicitárias.

O comercial a que me refiro mostrava uma pequena mercearia onde se vendia de-um-tudo. Um velho balcão de madeira separava os clientes do dono da venda. Nas prateleiras, os produtos eram expostos e uma escada deslizava em frente a elas repletas dos mais variados produtos. No alto, uma mancha amarela se destacava ao longe. Eram os pacotes de Maizena.

A cena começava com algumas pessoas dentro da quitanda e alguém pedia um pacote de Maizena. O dono puxava a escada, subia, espichava-se todo, pegava um pacote, descia, entregava ao cliente, recebia o dinheiro e dava o troco.

Dirigia-se ao próximo, que dizia:

− Eu quero outro pacote de Maizena.

A cena se repetia. Tão logo concluída a transação, outra cliente, da mesma forma, pedia:

− Eu também quero um pacote de Maizena.

Novamente, o vendedor subia na escada para pegar mais um outro pacote de Maizena, quando, lá do alto, percebeu a chegada de uma criança. Uma menina lourinha, tímida, de uns cinco anos, olhos azul cor de anil. Linda!

Lá do alto, cansado de tanto subir e descer para pegar um pacote de Maizena para cada freguês, ele dirigiu-se à menina e perguntou:

− Você também quer um pacote de Maizena?

Ela balançou negativamente a cabeça. Assim que ele terminou de atender a freguesa, ela formando o V da vitória com os dois dedinhos, disparou:

− Mamãe mandou pedir pro senhor mandar DOIS pacotes de Maizena…

Um assunto puxa outro e a escada deslizante me remete à minha infância em Pinheiro, na quitanda do Sr. José Santos. Membro da colônia portuguesa que ali se instalou no início do século XX, José Santos veio de Cantanhede, Norte de Portugal.

Certo dia, estava ele atendendo no seu comércio, um pouco maior que uma quitanda, quando chegou um caboclo. Apeou do cavalo, amarrou o cabresto na argola de ferro da calçada, retirou o chapéu de palha e entrou perguntando por um bom fumo de corda.

A natureza é incrível e só ela é capaz de promover transformações fenomenais. Pegue um pouco de tinta verde e misture com outra porção de tinta vermelha. O que acontece? Aparece o marrom! Da mesma forma, as folhas verdes do tabaco, uma vez colhidas, se forem deixadas sob a vermelhidão do sol, perdem o brilho, murcham e adquirem a tonalidade marrom. São estas folhas, que, retirados os talos e torcidas (não enroladas nas coxas das belas morenas cubanas, mas acordoadas umas às outras), transformam-se em poucos meses nas cordas de fumo mais apreciadas: Os puros, os fumos de corda com a mais alta concentração de nicotina.

E foi um desses que o caboclo pediu a seu Zé Santos para experimentar.

O português escolheu um bem forte, pegou sua faca mais afiada e laminou umas fatias do rolo de fumo tais quais são cortadas as lascas mais delgadas dos presuntos defumados do porco preto do Norte de Portugal.
O camponês cheirou fundo. O fumo era tão forte que ele deixou escapar um pum, imediatamente percebido pelo Zé Santos.

Para despistar, o caboclo emendou:

− Seu Zé! O siô não tem um mais forte?

Com a falta de paciência que lhe era peculiar, e com seu forte sotaque lusitano, Zé Santos respondeu:

− Para peidare tem, mas para cagare, não! Ora, pois!

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