As palmadinhas de BELOCA
Educadores estão discutindo os efeitos das palmadas nas crianças como ferramenta no auxílio de uma boa educação. Uma corrente defende que não se deve bater nas crianças devido ao risco de se tornarem agressivas e, ainda, de ficarem traumatizadas. Ao receber uma palmada em decorrência de um determinado ato praticado, a criança acaba associando a punição recebida e certamente irá replicar esse ato todas as vezes que se sentir ameaçada ou contrariada.
Muitos pais pecam na educação de seus filhos não impondo os limites que são fundamentais para que eles possam crescer defendendo seus direitos, porém respeitando o espaço dos outros.
Os da minha geração sabem, pois foram educados dessa forma, que vez por outra, “escreveu não leu… pau comeu!” Quem não levou umas palmadas quando criança que levante a mão?! E estamos aqui, todos (ou quase todos) vivendo sem maiores traumas.
O professor Zeca Bezerra me contava a história de Beloca Frangalho. Esse era o apelido do finado Benedito Pereira. Negro, alto, não desgrudava do chapéu de palha e dos óculos escuros. Bem falante, extrovertido e festeiro, era presença assídua na agência do Banco do Brasil da cidade de Bacuri todo final de mês. Era o primeiro a chegar para receber seus proventos da aposentadoria.
Os amigos adoravam tê-lo como companheiro de fila. Enquanto aguardava a abertura da agência, Beloca contava histórias, brincava com um e intrigava com outro. Galanteador nato estava sempre atento para puxar uma conversa de pé-de-ouvido com alguma aposentada na esperança de arrumar um chamego. Sua fama de namorador havia extrapolado as fronteiras de Bacuri.
Quando a agência abria, ele sempre era o primeiro a ser atendido. Na verdade a urgência dele em receber seus proventos era tão somente para ficar boa parte da manhã nas barracas e bodegas saboreando alguns goles da branquinha e curtir uma boa prosa com uns e outros.
Em casa era autoritário e primava por uma educação rígida para com os filhos. Não se cansava de repetir: − Lá em casa criança é no cacete!
Certo dia, por ocasião das festas do padroeiro de Bacuri, havia uma grande expectativa com a chegada de uma famosa radiola de reggae vinda de São Luís. A notícia da festa, organizada por seu compadre Manelão, espalhou-se por toda a Baixada maranhense.
João Maria, o filho mais velho de Beloca, já com seus vinte anos e porte atlético vinha treinando o reggae e não perderia essa festa por nada nesse mundo…
Chegado o dia da festa, João Maria preparou-se todo, “bazugou” um pouco de Loção Zezé sobre o corpo e partiu assoviando rumo ao barracão de Seu Manelão. Beloca, que odiava bagunceiros em festa de família, recomendou ao filho: − Te cuida, rapaz!
A festa foi até de manhã.
O sol já ia aparecendo por entre o orvalho que teimava em formar um manto sobre os campos alagados, quando Beloca começou a se espreguiçar na rede de “tapuirama”. Foi acordado com uma notícia que o deixou contrariado: Seu filho João Maria estava aprontado uma verdadeira arruaça na festa do compadre Manelão.
Levantou-se da rede de um pulo só, vestiu-se rapidamente, colocou o chapéu e os óculos escuros e, de passagem pela cozinha, carregou consigo uma mão-de-pilão que estava sobre a mesa, saindo apressado sem saborear nem mesmo um gole de café que tanto apreciava.
Ao passar em frente à casa de dona Tereza Amado que estava varrendo a calçada da frente, nem sequer deu um bom-dia. De cabeça baixa, passou resmungando e soltando uns palavrões. Dona Tereza estranhou sua atitude incomum e falou:
− Oi seu Beloca. Bom-dia!… Que pressa é essa, homem?
− Dona Tereza. Retrucou ele. – O dia não começou muito bem. Meu menino João Maria aprontou de novo!
− O que foi dessa vez, Siô?
− O menino, imagina a senhora! Tá bagunçando a festa do cumpade Manelão. Dona! Não admito que filho meu bagunce festa alheia. Vou agora botar pra arrebentar com ele.
− Mas Seu Beloca, assim com esse pedaço de pau o senhor vai é matar o seu filho!
− Dona! Eu não quero é nem saber. Com pau eu fiz, com pau eu desmancho!
Nem tanto assim, mas umas palmadinhas de vez em quando não fazem mal a ninguém.