“Boa Noite!
Deixem que a luz prateada desta lua, nascida anteontem, faça-me enxergar a realidade deste instante de encantamento!
Eu sou esta Casa.
Já estava adormecida… De repente, sonhei! Escutei passos na minha calçada… risos…vozes cantando! Acordei!
Descobri (encantada) que meu sonho esta se realizando. O silêncio do meu sono fez-se música, fez-se luz, fez-se alegria!Meu corpo (trêmulo) achava-se diante das recordações e das saudades!
Preciso contar-lhes a minha história:
Repito, EU SOU ESTA CASA, nasci no século passado. Foi um europeu – Américo de Almeida Gonçalves – nascido em Santa Cruz da Trapa em Portugal, que determinou a minha construção. Em meu corpo “corre” a argamassa de pedra, cal, barro e cimento de que fui feita.
Fui construída de frente para o nascente. Por isso o sol doura os meus terraços todas as manhãs. Os cômodos que ficam para trás, permitiriam que eu assistisse, diariamente, o pôr-do-sol, não fossem as edificações já existentes ali quando nasci. Dizia o Pequeno príncipe que “quando a gente esta triste gosta de ver o por do sol”. Asseguro-lhes que o pôr-do-sol nunca me fez falta porque sempre fui uma casa alegre! A alegria espalhou luzes e cores pelos meus aposentos. Sempre fui uma casa clara e colorida! A alegria pôs música até mesmo nas minhas dobradiças.
As paredes que subiram dos meus alicerces têm quase um metro de espessura! Sabem por que me tornei esta fortaleza? Para proteger e dar segurança àqueles que se aninhavam em meu interior.
Foi isso mesmo que ouviram. Eu fiz um ninho para recebê-los! Ninho de beleza, alegria, amizade, doçura e carinho!
Pela minha localização-trecho nobre da cidade-; pelo meu fino acabamento, pela minha imponência colonial. Conquistei prestígio e o título da CASA MAIS BELA DA CIDADE, por muitos e muitos anos!
A matéria prima do assoalho da minha sala principal, a madeira, veio da floresta amazônica (do Para) em dois tons: a Braúna, madeira negra… e o Pau-de-Cadeia-de-Marajó, madeira amarela. Ambas, madeiras de lei, raras, porque são fechadas à umidade e têm a característica de não apodrecerem.
Alguns dos meus números:
Data de Nascimento: Dezembro de 1954
Cômodos: 22, sendo 15 em cima e os demais nos porões.
Possuo 17 portas e 32 janelas, todas as folhas duplas.
É esse, como vêem, o meu corpo físico. A minha decoração também foi realizada com apuro.
Os móveis que me mobiliaram tinham marca CIMO, eram de Imbuía, trazidos diretamente de Curitiba, para os meus salões.
Enquanto eu esperava a visita do Presidente Juscelino Kubstcheck, cortinas de organza de cor pérola, encimadas por bandôs de cetim, balançavam-se etéreas, das minhas janelas, constantemente, abertas.
Arranjos de flores espalhavam-se pelos meus aposentos! Um espelho de cristal reproduzia rostos felizes!
Um jardim onde floresciam rosas, dálias, jacintos e lírios via-se encravado por trás da varanda! Toalhas de puro linho – tecido nas aldeias de Portugal – cobriam minhas mesas para os almoços domingueiros. À chegada de visitantes mais especiais, o aparelho de porcelana fina e os talheres de prata, saíam do aparador da copa, em companhia das taças onde era servido o gostoso vinho do Porto. Trazido de Portugal em barris e engarrafado por Seu Américo, aqui, entre minhas paredes.
Tudo isso eu presenciei. Tudo isso eu vivi.
A família Gonçalves tinha algumas tradições gastronômicas:
Todo óleo usado no bacalhau era de oliva, português.
No carnaval preparavam-se pratos de “filhoses” que eram servidos, encharcados em uma calda de açúcar em ponto de fio.
Na Páscoa o bacalhau era à portuguesa e o banquete de frutos do mar era oferecido a todos os afilhados que apareciam para tomar a bênção, aos padrinhos.
As crianças no almoço e jantar não tomavam água, nem sucos ou refrigerante. Tomavam leite.
No Natal, depois da ceia, eram servidos: figo, ameixas secas, passas, castanhas portuguesas, nozes, tâmaras e avelãs.
Depois do falecimento de seu Américo, por herança, passei a pertencer ao seu filho caçula José Maria, casado com Marita, uma vez que aqui moravam desde o seu casamento.
Seis crianças povoaram meus quartos e salas! Brinquei com eles de esconde-esconde pelos terraços; de amarelinha pelos quintais cheios de fruteiras.
Até que um dia… Fui vendida. Decisão gerada entre dores, lágrimas e saudades.
Marita, viúva, já residia em S. Luis, mas… Veio despedir-se de mim.
Emocionada percorreu todas as minhas dependências. Chorava em silencio.
Ao entrar na sala “ouviu vozes rezando”. Aproximando-se do aposento da frente “viu um pequeno esquife, coberto com a bandeira dos escoteiros onde um boné de lobinho havia sido também, ali colocado, por Padre Risso, grande amigo do pequenino morto. Quatro escoteiros perfilavam-se como “escudeiros”, onde quatro círios choravam suas lágrimas de cera”. Fora a partida de uma das crianças da casa, para o céu.
Sacudindo essas lembranças tristes ela revê a sala de jantar, a cozinha, o quarto das crianças, o jardim e o quintal. Os pés de loucura estavam cobertos de flores… mas no quintal… as arvores abaixaram suas copas. Não queriam que ela visse suas lágrimas de orvalho!
Eu já fui jovem e bela!…Ali estava eu a constatar que depois que meus primeiros donos mudaram-se para S. Luis, as plantas eram os únicos seres vivos que me faziam companhia. Com elas recordava o que as pessoas diziam quando entravam em minha sala:
Sandra Mendes: – “Parece que estou entrando numa igreja”.
Iná Luiza: – “É uma satisfação visitar a casa de Marita. Sempre arrumada, clara, colorida, iluminada, linda e cheia de novidades”!
Pela minha soleira já passaram: padres, promotores, advogados e desembargadores, gerentes de banco e poetas, membros da Academia Maranhense de Letras, governadores, deputados, palhaço de circo, “Papai Noel”, jornalistas e repórteres de famosas revistas nacionais, como “O Cruzeiro”. Hospedei por três dias o representante do Presidente da República (Juscelino Kubstcheck) o senador Assis Chateaubriand e toda a sua comitiva. Minhas paredes (que tem ouvidos) já escutaram muitas histórias da Carunchinha cantadas por uma das avós que aqui moraram, a vovó Carmem, que narrava para os netinhos. A outra, a vovó Almerinda, à noite, para adormecê-los cantava lindas canções de ritmos tristes e dolentes.
Das minhas janelas alegrias, sonhos e sorrisos pulavam para o meio da rua e iam brincar com as crianças da vizinhança.
Fui palco de festas de aniversário com temas próprios, decoração de teto, convites impressos, escritos em versos; ceias de bagres; jantares. 1º comunhão, Festa de Páscoa, baile de orquestra, inesquecíveis Natais!
Acostumado às belezas da Europa meu dono construiu-me com o puro e o esmero com que se faz uma obra de arte.
E… como OBRA DE ARTE, já fui homenageada de várias formas:
FOTOGRAFIA: Vejam a minha foto, já fui modelo!
ESCULTURA: Aqui tenho a minha maquete, feitas pelo acadêmico da APLAC, Erivaldo Moreira.
PINTURA: Pousei para esta tela. Olhem! Ela foi pintada por…
POESIA: Também fui musa inspiradora de poeta! Antonio Carlos Pereira Lobato, Patrono da APLAC, irmão de Marita, imortalizou-me em versos “A TUA CASA MARITA””.
Esta crônica foi escrita por Marita Gonçalves, membro da Academia Pinheirense de Letras Artes e Ciências – APLAC, e lida por ocasião do terceiro aniversario da APLAC dia 21 de novembro de 2008.