Neste ano de 2008, comemoram-se os 25 anos de regulamentação da Lei nº 5.859, feita através do Decreto 71.885. A partir dessa data as empregadas domésticas passaram a ter direito a receber pelo menos um salário mínimo mensal, 13º salário, repouso semanal remunerado e férias anuais de 20 dias, além de benefícios como licença-gestação, aviso prévio e aposentadoria. Antes disso, a relação existente entre patrão e empregado era completamente diferente do que se pratica no dias atuais.
Durante quase quarenta anos, Chica, como era chamada a empregada de Dona Alice, conviveu na casa de um ilustre pinheirense. Permanecido durante todo esse tempo, no seio da família, trabalhando e fazendo “de um tudo” para agradar os patrões.
Naquele tempo, as empregadas domésticas eram quase umas escravas. Não recebiam salário mínimo, décimo terceiro, vale transporte e, muito menos ainda, férias remuneradas. O trabalho doméstico era trocado por “casa, comida e roupa lavada”, além de algumas roupas usadas que ganhavam dos patrões e, quando muito, uma pequena quantia em dinheiro para os gastos pessoais.
Com a morte de Chica, uma prima de Francelino recomendou Raimundinha para substituir a antiga empregada.
Num certo dia pela manhã, Raimundinha, que já havia trabalhado em outras casas de São Luís, apresentou-se para iniciar sua nova jornada de trabalho. Assim que Dona Alice começou a mostrar a casa e orientar quanto aos serviços a serem realizados, Raimundinha decidiu, naquele momento, colocar as coisas no seu devido lugar: Não poderia lavar louça e muito menos roupa, pois o sabão de coco provocaria a quebra das suas unhas… Não iria passar roupa pois o calor do ferro de engomar poderia lhe causar constipação… Varrer a casa, nem pensar! Sua coluna ficaria “imprestável” no dia seguinte…
Dona Alice ouvia atentamente as justificativas de Raimundinha. Embora torcesse a cara e virasse os olhos a cada uma das condições apresentadas, estava se conformando com as exigências da nova empregada pois acreditava que, com o tempo, as duas poderiam se dar muito bem.
Acontece que, da varanda da casa onde estava sentado numa cadeira de embalo, Francelino ouvia aquele diálogo “estranho” com muita atenção. De início, não queria participar, mas, percebendo que as exigências de Raimundinha iam muito além do que seria aceitável, resolveu interferir na conversa.
Francelino Pereira, por ocasião do episódio, devia ter seus já 60 anos bem vividos e era conhecido pelo seu gênio irascível. Autoritário, magro e de baixa estatura, arreliado como poucos, e com um timbre de voz por demais característico, chamou Raimundinha até a varanda onde se encontrava fumando o seu cigarrinho de fumo de corda.
– Minha filha! Disse Francelino, com sua voz fanhosa: – Pelo que ouvi, tu não lavas louça, não lavas e não passas roupa, não varres a casa… Eu te pergunto uma coisa:
– Tu sabes tocar piano?
– Sei não sinhô, seu Francelino.
– Então não serve!!!
Disse ele dando por terminado aquele diálogo surrealista e prestando um grande serviço a Dona Alice.