A Porta dos Fundilhos
Em meu último texto de 2019 disse que logo no comecinho do ano de 2020, eu iria “tentar analisar a mais rasa, vérmina, ignóbil e torpe manifestação da cultura cinematográfica humorística nacional. A engembrada e mal enjorcada produção levada a cabo, sem nenhuma tendência, pelos talentosos, mas não inocentes membros do grupo humorístico Porta dos Fundos, sobre a vida de Jesus. Uns espertalhões que se travestem de corretos para encherem os bolsos de grana”.
Farei isso, em que pese o interesse sobre este assunto ter se arrefecido. O assunto do momento é a indicação de “Democracia em Vertigem”, para concorrer ao Oscar de melhor documentário, categoria que tal filme não consegue alcançar, pois é no máximo um longo e faccioso filme de propaganda partidária e ideológica.
Mas vamos ver os fundilhudos!…
É bom que antes de mais nada, você que me lê agora, saiba que gosto de pensar que sou agnóstico, que não tenho uma religião, em que pese gostar de estudar todas, para tentar entender o que nos leva a buscar tanto uma explicação teológica sobre nossa origem e tudo que nos cerca.
O pessoal do Porta dos Fundos escolheu como tema de seu especial de Natal, uma versão bem ao seu modo, irreverente e escrachada, da vida de um personagem histórico, que não por acaso é a pedra fundamental de todas as denominações religiosas que formam a fé cristã, que congrega cerca de 35% da população mundial.
Em segundo lugar, pouco importa se você viu ou não viu essa repugnante montagem! Para que você possa entender de forma realmente correta, qualquer coisa sobre o assunto Jesus Cristo, do ponto de vista do cinema, é indispensável que veja alguns filmes, pois com o puro e simples conhecimento dessas obras você poderá saber como é ignóbil, torpe, despropositado, de mau gosto, coisa de quem não quer pendurar uma melancia no pescoço para aparecer, nem enfiar um espanador no rabo e sair na banda de Ipanema fantasiado de Papa-Léguas…
Assistam ao poético “O evangélio segundo São Mateus”, de Pier Paolo Pasolini (homossexual assumido); ao minucioso “Rei dos Reis”, de Nicholas Ray (narrado por Orson Wells); ao maravilhoso “Jesus de Nazaré”, de Franco Zefirelli (preste atenção em seu elenco estrelar); assista ao violento “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson.
Depois disso, assista ao fenomenal “A Última tentação de Cristo”, profundo mergulho de Martin Scorcese em busca de um Jesus verossímil e real, em que pese o diretor ter fraquejado ao usar o estereótipo louro e de olhos azuis para um judeu da Galileia, de 2000 anos atrás, protagonizado pelo impecável Willem Dafoe.
Só então assista ao extraordinário “A Vida de Brain”, de Terry Jones, que juntamente com sua trupe do Monty Python, dão vida a Brain Cohen e a personagens contemporâneos de Jesus, construindo um cenário paralelo ao do messias, sempre de forma criativa e bem humorada, de forma cômica, mas sem faltar com respeito de forma inaceitável para com as crenças de quem quer que seja.
Se você não quiser assistir todas as obras citadas, assista pelo menos as duas últimas, pois são nelas que residem a tosca justificativa do Porta dos Fundos realizarem seu filme escatológico, no sentido grego da palavra.
Usaram o tema do filme de Scorcese e a licença humorística do filme de Jones para montar um Frankenstein degenerado onde Jesus é um homossexual (Duvivier), seduzido por um Satanás de cabelos de Rick Wakemam (Porchat), Deus é um babaca arrogante e prepotente, Maria não tem nada de santa, trai o marido e fuma maconha…
O filme foi feito com o intuito único e exclusivo de causar polêmica e ganhar dinheiro. Nada tem de humor e muito menos de arte, ainda mais vindo de pessoas inteligentes e talentosas, como são os autores e protagonistas. Uma porcaria produzida sob os auspícios do artigo quinto da Constituição Federal que permite que qualquer cidadão, até os imbecis, digam o que bem entendam.
Viva o estado democrático de direito e a plena democracia brasileira, que alguns dizem estar em vertigem!…
Por fim, gostaria de dizer que até para brincar, principalmente com assuntos tão sérios e controversos como religião, o brincalhão tem que ter capacidade de entender como fazê-lo e estar preparado para suportar as consequências, pois insulto, calúnia, injuria e difamação são tão crimes quanto agressão, violência e terrorismo!…