Birgitte e eu
Tenho a mais absoluta certeza que a minha amada esposa, Jacira, não sentirá nenhum pingo de ciúmes quando souber que estou perdidamente apaixonado por esta maravilhosa mulher, a Birgitte Nyborg!
Calma!… Eu explico!… Jacira não sentirá ciúmes pelo fato de Birgitte efetivamente não existir. Ela é um personagem fictício, interpretado pela competente e simpática Sidse Knudsen na série dinamarquesa “Borgen”. É verdade que um sorriso da Sidse escancara um sol de felicidade para quem o vê, mas é só!… O objeto de minha paixão não é efetivamente a Birgitte, mas sim todos os sentimentos que envolvem a história idealizada por Adam Price e escrita por ele, Jeppe Gram e Tobias Lindholm.
A série nos mostra os jogos de interesse que se desenvolvem na política dinamarquesa, através da personagem de Birgitte, uma líder partidária que se converte na primeira mulher a alcançar o cargo de primeira-ministra da Dinamarca.
“Borgen“, que em dinamarquês significa Castelo, é o termo coloquial utilizado para se referir ao belíssimo Palácio de Christianborg, onde estão sediados os três poderes do governo dinamarquês: o Parlamento, o Gabinete do Primeiro-Ministro e o Supremo Tribunal.
O fato é que Birgitte me fez companhia nas madrugadas de minha convalescência da Covid-19. Passei muitas noites acordado com ela, em meu quarto, enquanto minha linda esposa dormia na cama, ao meu lado.
Esta série que se desenrola em três temporadas de 10 episódios, traz em si ingredientes que me são muito caros e importantes, como noções de coerência, honra, e valores familiares, sem contar o choque de realidade que é indispensável em um drama político, o pragmatismo e o cinismo que são comuns nessa atividade, resvalando em assuntos que tornam uma história universal, como intriga, diversidade, guerra e sexo.
Todos os episódios se iniciam com uma frase de algum pensador importante, com ênfase ao meu mestre e guru, Maquiavel, mas há também frases de Buda, Confúcio, Jesus, Dante, Lincoln, Churchill e até do iconoclasta James Joyce. As frases são uma espécie de mote para o episódio.
A utilização de ambientes reais para apresentação de tramas políticas não é uma coisa nova. Shakespeare fez isso em diversas ocasiões, e as que eu mais gosto são suas versões de Júlio Cesar, Henrique V e Ricardo III. Os americanos produziram diversas temporadas de The West Wing e mais recentemente House of Cards, que até parecia ter sido fortemente inspirada na política brasileira.
O que há de novo em Borgen não é a política, mas a Dinamarca, um país que pouco conhecemos. Eu particularmente sabia muito pouco sobre ela. Sabia que é a terra dos danêses, um dos povos que deram origem aos vikings. Sabia que ali nasceram dois de meus ídolos, o escritor Hans Christian Andersen e o cientista/filósofo Niels Bohr. Admirava a seleção de futebol dinamarquesa de 1986, conhecida como Dinamáquina. E só!…
“Borgen” me apresentou uma outra Dinamarca. Viajei sem sair do meu quarto. Admirei seus roteiristas, seus diretores, seus atores e principalmente pude aprender muito sobre como construir uma série, aprendizado importante para quem está trabalhando simultaneamente na criação e no desenvolvimento de quatro delas: “Arcanos”, sobre uma adorável taróloga trambiqueira que recebe uma herança e volta para morar em sua cidade natal, São Luís do Maranhão (quero que quem assistir a “Arcanos” tenha a mesma vontade de conhecer São Luís e o Maranhão, como eu tive de conhecer Copenhagen e a Dinamarca); “Senta a Púa – acerte-os com força”, sobre os heróis da primeira esquadrilha de caça brasileira na Segunda Guerra Mundial, com ênfase para o maranhense Ruy Moreira Lima; “As aventuras de Tracajaré”, uma animação sobre um tracajázinho encantado que o avô dá de presente para seu neto; e “O grande salto”, sobre a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, realizada em 1923 pelos aviadores portugueses Sacadura Cabral e Gago Coutinho.
Uma coisa ficou muito clara para mim, assistindo a “Borgen”. Fernando Pessoa estava certíssimo: “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.