O Ingaúra

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Boa parte de minha infância, passei num lugar que se eu disser o nome, só meia dúzia de pessoas de minha idade saberá onde é, mesmo que esse lugar seja hoje habitado por milhares de pessoas, que nem desconfiam que ali já foi um dia um verdadeiro paraíso.

Meu pai tinha um sítio no Ingaúra, um lugar localizado entre o que hoje são os bairros do Turu, Cohama, Vinhais, Bequimão, Angelim, Cruzeiro do Anil e Cohab, citados aqui em sentido anti-horário para ajudar as pessoas em sua localização espacial.

Era uma imensa área de mata natural, repleta de árvores frutíferas centenárias – mangueiras, jaqueiras, cajueiros, buritizeiros e jussareiras, além dos nativos babaçuais – recortada por dois ou três cursos d’água que desembocavam mais adiante e abaixo, no Rio Anil.

Não era só meu pai que tinha um sítio naquela região. Lembro que “tio” William Nagem tinha uma fábrica de papel bem ao lado do nosso sítio; que o deputado Vieira da Silva, tinha uma chácara um pouco mais acima, pro lado do Vinhais; que mais para o lado esquerdo, na direção do Angelim, o Major Dominice tinha uma propriedade; e que “tio” Daniel Aragão, tinha uma chácara, na estradinha que levava ao Turu Velho.     

O certo é que, toda sexta-feira, depois da aula no Colégio Batista, entrávamos em nossa Kombi, que já nos esperava carregada de mantimentos, para passarmos o fim de semana no sítio.

Nossos finais de semana eram maravilhosos, desde o trajeto de ida, quando passávamos por dentro de pequeninos igarapés de aguas cristalinas, onde os peixinhos pulavam, até a volta, nos finais dourados das tardes de domingo, quando, exaustos entravámos cambaleando na Kombi e saíamos dela quase sempre carregados, adormecidos pelo sacolejo, do “pão de forma”, apelido que demos àquele carro de pouca aerodinâmica.

Se fosse hoje, meu pai seria processado por meu amigo Fernando Barreto, pois ele usou um dos riachos que desciam de um morro ao fundo de nosso sítio, fazendo dele uma piscina natural, de uns 90 centímetros de profundidade, cercando-o com paredes de pedras, mas fazendo com que ele fluísse em uma pequenina cachoeira e continuasse seu percurso até se jogar no leito do caudaloso do Rio Anil.

Ao lado da piscina, havia um campinho de futebol, forrado de areia de praia, onde fazíamos jogos e torneios, enquanto o sol permitisse. Lá era o nosso campo de batalha. Para lá trazíamos nossos amigos da cidade. Meu pai também trazia os amigos dele.

Na parte mais alta do sítio, ficava a casa, reduto das mães, Clarice, Estelita e Yolanda. Lá quem mandava eram elas. De lá é que vinham as farofas de ovo ou de sardinha, repletas de cebolas e tomates, regadas com Cola Jesus, Q – Suco ou refrescos naturais, de preferencia de maracujá para acalmar os meninos danados.

Por trás da casa havia um espaço que quem mandava erámos nós. Era onde nós construíamos nossas cabanas, usando material retirado das matas em volta, sempre sobre a supervisão de Stenio e com a ajuda de Gilvan, Ivan e Gilmar, filhos dos caseiros, dona Nazaré e “seu” Zé do Vale.

No sítio, meu pai criava vacas, porcos e galinhas, o que fazia com que nós tivéssemos sempre, carnes, ovos e leite frescos em nossa casa.  

Aqueles foram tempos fantásticos. Tempos em que forjamos nossos caracteres no fogo da felicidade de infâncias plenas, cheias de descobertas naturais, coisas que não são mais possíveis de acontecer hoje em dia.

Não houve como proporcionar para nossos filhos as mesmas aventuras e as mesmas felicidades com as quais nos foi possível ser quem somos, não é possível fazer com que nossos netos possam ter aquilo que tivemos.

Não sei se isso é bom ou ruim, só sei que em algumas sextas-feiras, assim, por volta do meio dia, fico querendo entrar em uma Kombi que me leve para o sítio do Ingaúra…

Numa dessas sextas-feiras, entrei em meu carro e me dirigi para o lugar onde era o sítio de meu pai. Por mais incrível que possa parecer, a rua de acesso é a mesma que meu pai construiu há mais de cinquenta anos, só que agora ela está asfaltada. Do lado direito dela, ainda é possível se ver as ruínas das pocilgas e ao olhar para lá, lembrei de Barão, um porco gigantesco, da raça Hampshire, que sendo imenso, nós o montávamos, como fazíamos com os cavalos.

Mais adiante, do lado esquerdo, vi que construíram uma igreja, exatamente no lugar onde era a casa de “seu” Sérgio e dona Maria, um casal de velhinhos que já moravam no sítio quando meu pai o comprou, e lá ficaram até morrerem. Ao lado da casa deles, havia um cajueiro de caju-anão, cujo caule, em parte, crescera em paralelo ao chão e nós nos balançávamos nele. Mais adiante, do outro lado da rua, era onde ficava a nossa casa, o campinho de futebol e a piscina do riacho… Lá existem hoje milhares de casas. É o Residencial Pinheiros, e por lá ninguém é capaz de imaginar alguma das histórias maravilhosas de nossa infância.

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Achak, Aren e Anajé

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O ex-presidente americano Theodore Roosevelt era reconhecidamente um grande aventureiro. Coronel da cavalaria, lutou na guerra hispano-americana, tendo combatido em Cuba e nas Filipinas.

Foi um controverso protetor da flora e da fauna, pois criou muitos parques de conservação ambiental, animal e vegetal, mas era um entusiasta e praticante da caça esportiva. Foi um político brigão e polêmico, mas ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1906, por ter mediado o acordo de paz depois da guerra entre Rússia a Japão.

Seu temperamento forte, suas posturas políticas radicais e controversas, além de suas famosas expedições exploratórias me fizeram seu admirador, tanto que havia escrito este texto há algum tempo, e resolvi publicá-lo hoje, pois acabei de assistir a uma série sobre ele e o homem que eu acredito ser o maior de todos os brasileiros, o Marechal Candido Mariano da Silva Rondon.

Em suas viagens, Roosevelt sempre costumava se fazer acompanhar por um grupo seleto de amigos e por exímios especialistas e guias, conhecedores da região para onde fosse.

Em meados de 1900, logo depois de deixar de ser governador de Nova York, e antes de ser eleito vice-presidente dos Estados Unidos, ele e um grupo de amigos, foram fazer uma expedição pela Sierra Blanca, ponto mais elevado das Montanhas Sacramento, no Novo México, e para isso foram contratados os melhores guias navajos da região.

Durante os preparativos para a aventura, Roosevelt chamou Achak, o chefe dos guias navajos, cujo nome significava “espírito de pássaro”, e lhe perguntou qual seria a melhor trilha, uma que lhes proporcionasse aventuras e contato com a natureza e a vida selvagem, ao que o velho índio lhe respondeu: “A melhor trilha é sempre a mais bem planejada e segura, mas dependerá sempre das escolhas que se fizer durante a caminhada”.

Quase uma década depois, em 1909, logo após deixar a presidência, Roosevelt foi se aventurar num safari na África.

Com o propósito de escrever um livro sobre essa aventura, e financiado pelo magnata do aço, Andrew Carnegie, o grupo de Roosevelt desembarcou no Quénia.

Durante aquela expedição seriam abatidos mais de 11.000 animais, de várias espécies, muitos dos quais foram mandados para o Smithsonian Institute e para o Museu Americano de História Natural de Nova York.

O safari era liderado pelo legendário caçador R.J. Cunninghame, e contava, de vez em quando, com a participação do famoso explorador Frederick Selous.

Como sempre fazia, Roosevelt se cercava dos nativos para saber histórias dos lugares por onde passava e chamou Cunninghame para que ele indicasse, dentre os nativos de sua comitiva, qual era o homem mais sábio e qual o melhor guia. O velho caçador disse-lhe que coincidentemente o mais sábio de seus homens era também o melhor guia, além de ser o guerreiro maasai mais valente de todos que já conhecera, um matador de leões. Seu nome era Aren, que significa águia na língua nativa.

Intrigado, Roosevelt perguntou a Aren, qual seria o melhor caminho para aquela jornada. O homem que era muito alto, agachou-se, pegou uns gravetos no chão, quebrou-os, fez uns riscos na terra e disse calmamente, em seu inglês rudimentar: “O melhor caminho, bwana!… É aquele que nos leva em segurança ao nosso destino… Mas isso depende do que se fizer até chegar onde desejamos”.

Em 1914 Roosevelt esteve no Brasil, para fazer uma expedição pela Amazônia e para isso contou com o apoio do grupo liderado pelo então coronel Cândido Mariano Rondon.

Roosevelt quis saber sobre a viagem, conhecer as histórias da região que visitaria, e perguntou a Rondon, qual seria a rota mais aprazível, mais cheia de aventura, uma que proporcionasse conhecer de perto nossa flora, nossa fauna e os nativos brasileiros.

Rondon que tinha apenas noções básicas da língua inglesa, sempre que precisava usava como intérprete, o filho do ex-presidente americano, Kermit Roosevelt, que trabalhava no Brasil, em uma empresa americana encarregada da construção de diversas ferrovias.

O militar brasileiro era calmo e jeitoso. Pragmático e positivista, não gostava muito da ideia de servir de guia turístico para o ex-presidente americano, mesmo assim o acompanhou em sua expedição, contou para Roosevelt o que ocorreu em sua primeira viagem.

Utilizando o tradutor, Rondon disse que sua mãe descendia de índios Bororo e que quando começou a viajar pelos sertões buscou dentre estes os melhores guias, e havia um em especial, Anajé, cujo nome significa gavião, a quem Rondon sempre tinha por perto.

Contou que certa vez, fazendo os preparativos para uma viagem, ele chamou Anajé e perguntou-lhe qual seria a melhor rota a seguir, por onde deveriam ir, ao que o velho guia respondeu: “A melhor viagem é a que respeita a trilha escolhida e as regras da mata, mas ela dependerá sempre das escolhas que se tenha que fazer no meio do caminho”.

PS1: Roosevelt deveria ter narrado essas três histórias em sua autobiografia. Ele não as contou porque essas histórias jamais aconteceram. Elas são apenas e tão somente parte do exercício literário que eu venho fazendo já faz algum tempo, na tentativa de aprimoramento de uma construção narrativa ficcional, baseada e fundamentada em fatos reais, para utilização em roteiros cinematográficos que possam ser totalmente verossímeis.

Em todo esse texto, apenas Achak, Aren e Anajé jamais existiram, em que pese eles serem nomes genuinamente Navajo, Bororo e Maasai. Pensando bem, eles poderiam ter existido, pois sua existência não comprometeria em nada os fatos ocorridos, além do que, todo o resto aqui relatado é fato histórico verdadeiro, como provam as fotografias dos eventos citados.

PS2: Você pode acessar o link abaixo e assistir a uma matéria sobre a série, produzida pela HBO e dirigida pelo brasileiro Bruno Barreto, sobre a expedição de Teddy Roosevelt no Brasil, cujo título é “O hóspede americano”. https://www.youtube.com/watch?v=k83e6RHsIrI

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2021

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Normalmente no final de cada ano, alguns cronistas, eu inclusive, fazemos um balanço do ano que se finda e algumas conjecturas sobre o ano que se inicia. Este ano não vou fazer conjectura alguma sobre 2022, não farei projeções, previsões ou criarei qualquer espécie de expectativa sobre o próximo ano, pois não haverá espaço para isso. Não será em uma ou dez ou cem crônicas que eu ou qualquer outro cronista poderá fazer o balanço de um ano tão desastroso como esse que felizmente e graças ao senhor Tempo, se encerra.

2021 entrará para a história da humanidade como um dos piores anos do espectro temporal. Tudo bem que eu só vivi 62 anos neste torvelinho infindável de eras, e não posso saber com exatidão o que aconteceu em outros anos ruins, mas pelo menos nestes em que tenho estado vivo, nenhum foi tão definitivamente marcante, pelo fato de ter sido nele que uma enorme quantidade de pessoas, de idades, atividades, nacionalidades, ideologias, raças, credos e gêneros, deixaram de existir, não apenas por causa da avassaladora pandemia de Covid-19, mas pelas mais diversas e variadas causas.

Neste fatídico ano, o mundo ficou mais pobre de pessoas, e as que restaram ficaram ainda mais distantes, ficaram mais radicais e mais difíceis de se entenderem por uma imensa incapacidade de se comunicarem de maneira correta e satisfatória. As pessoas se distanciaram como proteção contra a peste e com isso ficou mais clara a distância natural que há entre elas.

Neste ano horrível morreram alguns de nossos parentes, alguns de nossos amigos mais chegados, amigos não tão chegados, pessoas famosas, pessoas apenas conhecidas ou reconhecidas, amigos de nossos amigos, pessoas anônimas e completos desconhecidos. Morreu muita gente. Gente boa e gente nem tanto.

As pestes não fazem distinção de hierarquia, classe, ou qualquer critério de separação ou grupo. Elas atacam a todos indistintamente.

Mas neste ano as pessoas não foram vitimadas apenas pelo flagelo da pandemia. Muita gente morreu de outras doenças, de acidentes e de causas naturais.  O que ocorreu foi um aumento significativo de mortes, neste ano.

Alguém poderia dizer que é sinal dos tempos. Os mais ortodoxos podem dizer que é o final dos tempos. Alguns dirão que isso faz parte de um movimento cíclico da natureza e do tempo. Não importa. 2021 foi fatídico.

Comecei a fazer uma lista. Até pedi ajuda de algumas pessoas, inclusive em minhas redes sociais, mas desisti, pois, descobri que ao tentar citar as pessoas que desapareceram eu iria acabar causando uma imensa confusão, até porque iria acabar esquecendo alguém e não iria me perdoar por isso.

O fato é que 2021 entrará para a história, a minha, a sua, a de todos nós como o ano mais tenebroso por eliminar da vida uma enorme quantidade de pessoas.

Em que pese todas essas dificuldades, coisas boas aconteceram neste ano. Pude realizar diversos projetos cinematográficos, entre eles as séries “Raja na Rota”, “A pedra e a palavra” e “Manufatura Fashion”, os curtas-metragens “A mulher do pai”, “O camundongo n° 6”, “Diversos de mim mesmo”, “Maktub” e “A mulher, o rato e Deus” e no mês de setembro gravamos aqui em São Luís o longa-metragem “Arcanos”, que deverá ser lançado nacional e internacionalmente em julho do próximo ano.

Em todos esses projetos, não tivemos nenhuma incidência de contaminação por Covid-19 e tudo transcorreu na mais perfeita ordem, se é que pode haver perfeita ordem em um set de gravações de filmes.

2021 foi um ano triste em muitos aspectos, mas mesmo assim aconteceram coisas boas.

De modo algum eu sou um pessimista. Procuro ver as coisas sempre por seus melhores ângulos, em que pese 2021 ter tido poucos bons ângulos para vermos. Por tudo isso, fica claro para mim que 2022 será um ano bem melhor. Esses são os meus mais sinceros e esperançosos votos.

Feliz 2022!

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As voltas que a vida dá

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Em 2008, três coisas muito importantes aconteceram em minha vida. A primeira foi a realização do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de crítica e de público, tendo participado, de mais de 120 festivais, no Brasil e no exterior, onde ganhou 28 prêmios.

A segunda coisa importante daquele ano foi ter terminado a construção de minha casa, um verdadeiro paraíso, feito sob medida para que nela eu fosse eternamente feliz.

A ideia era ter uma casa que me possibilitasse economizar tempo e trabalho na conquista das mulheres. Bastaria levá-las na casa para que elas ficassem seduzidas pelo ambiente, pelo clima e pelas sensações que emanariam dela.

“Pelo Ouvido” me fez alçar outros voos, conhecer pessoas e mudar o rumo de minha vida. Depois dele resolvi que aquele seria meu último mandato como deputado, que não mais me candidataria a cargos eletivos e que iria me dedicar apenas a literatura, ao cinema e a amar as mulheres, exatamente naquela casa que foi construída para ser o refúgio de um lobo velho, que se algum dia tivesse sido mal, dali por diante seria apenas um carneirinho.

Depois de “Pelo Ouvido” vieram dezenas de filmes e séries. Foram curtas, médias e longas metragens, que variaram entre documentários, animações e ficções, abordando temas históricos, sociais, culturais e sentimentais, em voos solos e em parceria com produtoras de outros estados do Brasil.

Só para se ter uma ideia, no último balanço que fizemos, já temos mais de 3.000 minutos de filmes finalizados, ou seja, mais de 50 horas de produção efetiva, além de cinco vezes mais que isso em material bruto.

Foi graças ao “Pelo Ouvido” que fizemos, “A pedra e a palavra”, “Manufatura Fashion”, “Celso Antônio”, coproduzimos “O pai da Rita”, estamos finalizando “Arcanos” e já temos engatilhados mais uma dúzia de projetos fantásticos, entre eles “Senta a pua”, que pretende ser um marco no audiovisual brasileiro.

Ter deixado de ser político, não mais concorrer em eleições me possibilitou tudo isso.

Quanto a minha casa… Lembro que meu pai gostava de dizer que a choupana do homem é o seu castelo, e que por isso, era muito importante visitarmos nossos amigos e correligionários, era indispensável que fôssemos nas casas deles, fazer refeições com eles e seus familiares e amigos, pois eles tinham orgulho de abrir as portas de suas casas para nos receber.

Tinha uma sensação parecida em relação a minha casa, queria que ela fosse uma espécie de sala de visitas, um playground, uma grande alcova… Tudo que pudesse unir satisfação e prazer ao redor de mim e das pessoas que me fossem importantes, irmão, amigo e camarada…

Seria a casa de um solteirão convicto, um homem leal, mas não necessariamente fiel, alguém que se apaixonasse desesperadamente por uma morena num dia, por uma loura dias depois, para em seguida se envolver com uma mulher tão ruiva e apaixonante quanto Gilda, a quem Rita Hayworth deu vida.

Essa vida de paixões calientes me daria oportunidade de produzir literatura para suprir minha alma, minha mente, meu corpo e minhas demandas de trabalho.

A terceira coisa muito importante daquele ano foi eu ter encontrado a mulher que mudou completamente meus planos, primeiro em relação a minha casa, pois a minha morada passou a ser o coração dela, depois em relação a todo o resto.

O amor faz dessas coisas. Nos faz trocar planos faraônicos e nababescos por coisas simples como um sorriso e um cafuné, motivados não apenas por paixão avassaladora e passageira, mas por amor verdadeiro e maduro.

Depois que conheci Jacira, a casa e os planos que tinha para ela, ficaram de lado.

O tempo se passou e eu havia cogitado vender a casa várias vezes, mas no final das contas eu não conseguia me desapegar dela.

Numa manhã acordei assustado. Havia sonhado com meu pai me dizendo umas coisas que na hora parecia não fazer o menor sentido, inclusive pensei que ele tivesse se referindo a fatos da política. Ele dizia para que eu procurasse pessoas iguais ou parecidas conosco, pessoas confiáveis, com quem se pudesse fazer acordos tendo por aval o fio do bigode, gente trabalhadora e de preferência com um histórico de ligação fraternal.

A princípio pensei que ele estivesse falando dos Brandão, pela amizade dele com o deputado Orleans e pela minha com Carlos e Zé Henrique, e a de Nagib com Marquinhos.

Acontece que naquela mesma manhã, recebi um telefonema de um velho amigo de meu pai, alguém que trabalhou com ele no comércio… António Garcez. Ele me disse que havia conhecido minha casa, que ela era muito linda e que ele desejava passar, juntamente com Dona Dica e sua família, o ano novo nela e queria saber se eu a alugaria para ele.

Aquele foi um dos maiores elogios que eu já recebera. A casa nem estava na sua melhor forma e ainda assim seduziu alguém. Achei o máximo. Mesmo adormecida ela ainda seduzia e apaixonava as pessoas.

Aceitei finalmente me desapegar da casa, até porque a ideia de fazer dela o refúgio de um lobo solitário, não era mais cogitável,

Sobre o sonho que tive com meu pai, o casal para quem vendi a casa, Garcez e Dica, tem uma relação parecida com a que meus pais tinham. Ele é um homem simples e dinâmico, e ela, que também é uma grande empreendedora, serve de âncora e porto seguro para ele.

Minha casa estará em boas mãos.

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Meu “Jota” sapeca

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Faz algum tempo escrevi um texto onde citei minha querida professora, Dona Terezinha, e logo depois disso ela mandou para mim, através de minha mãe, a cartinha que publico aqui hoje, em homenagem ao amor que ela dedicou a mim, amor que me salvou e resgatou para a vida acadêmica e cultural.

A dona Terezinha, meu mais profundo agradecimento, pois o trabalho dela, possibilitou eu ser quem eu sou.

“Muitos anos já são decorridos, mas, as lembranças daquilo que nos proporcionou alegria, bem-estar, aprendizado e superação, permanecem vivas para sempre em nossa memória.

Como esquecer daquele garoto inquieto, questionador, e às vezes até chorão, diante da imensa lista de tarefas escolares, às vésperas de provas?

Eu pedia muito a Deus que me ajudasse na missão que me foi confiada por “Mãe” Clarice, a de fazer com que ele superasse suas dificuldades. Ele aprendia muito rapidamente tudo que ouvia, mas ler e escrever, era um grande desafio. Agradeço muito ao Senhor, que atendeu as minhas súplicas.

Com muita paciência e persistência, aquele menino inquieto, foi crescendo, avançando nos estudos e na vida sócio cultural da nossa cidade.

No início dos anos 80, com o processo de abertura política, o Brasil registra um novo cenário, propiciando mudanças extraordinárias em nossa sociedade, e na efervescência dessas mudanças, ele, agora um jovem rapaz, junto com um grupo de amigos de sua idade, criaram um movimento cultural que chamaram de Guarnicê,e sob sua liderança, agitaram a cidade com programas de rádio, edição de revista e livros.

Joaquim não negou a herança política de seu pai, Nagib Haickel, e em 1982, aos 22 anos foi o mais jovem deputado estadual brasileiro daquela legislatura. Em seguida, aos 26, elegeu-se deputado federal, integrante da Assembleia Nacional Constituinte, tendo seu nome gravado na carta Magna Brasileira de 1988.

Retornando ao Maranhão, sem abandonar a política partidária, ele continuou realizando relevantes trabalhos na área da educação, esporte, e cultura, onde destaca-se como poeta, contista, cronista e cineasta.

Sempre muito simples, alegre e brincalhão, desenvolve com verdadeira maestria seus variados talentos.

Mas para mim, este homem múltiplo, como bem o descrevem os escritores Artur da Távola e Sebastião Moreira Duarte, continuava a ser aquele garoto inquieto de sempre.

“Jota” nunca conseguiu dominar a escrita cursiva, mas, dominou a arte de arrumar as letras em palavras e estas em textos maravilhosos, e graças a sua inteligência irrequieta tornou-se membro da Academia Maranhense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão.

Muito obrigada meu “Jota”, pelo carinho e consideração que tu sempre dedicas a esta tua professora particular, que muito aprendeu e continua aprendendo contigo.

Abraços carinhosos

Têca”.

Me digam se eu não teria mesmo a obrigação moral de ter dado em algo pelo menos razoável, tendo o amor e a dedicação de um anjo como este, que sem saber exatamente como diagnosticar as minhas dificuldades de concentração e leitura, intuitivamente, descobriu o caminho para me fazer aprender o que era preciso e necessário para ser um ser funcional.

Mais uma vez, muito obrigado Dona Têca. Sem a senhora eu não teria chegado onde cheguei e não estaria onde estou.

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Uma perda irreparável

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Imagine uma pessoa boa, sem maldade, sem malícia, uma pessoa pura. Imagine um homem sem vaidade, sem ambição pessoal, uma pessoa simples. Imagine alguém econômica e financeiramente pobre e ao mesmo tempo dono de uma riqueza de espírito extraordinária, alguém que amealhou uma fortuna imensa, contabilizada em respeito, gratidão e amizade. Imagine uma pessoa simples, um amigo leal, um companheiro de jornada, alguém sempre alegre e disposto a ajudar a todos.

Se você está imaginando uma outra pessoa que não seja Luiz Phelipe Andrés, você está redondamente equivocado. Não que não haja mais alguém neste mundo que tenha exatamente essas características. É difícil, até pode haver, mas eu não conheço nem tenho notícia. Alguém assim, como eu disse, só conhecia Luiz Phelipe. Eu disse conhecia, pois ele, para nossa tristeza e infelicidade, faleceu no final da noite do dia quatro de dezembro deste maldito ano de 2021.

Minha primeira reação, quando soube da notícia da morte de Phelipe, foi blasfemar, e blasfemei e não tive medo da ira de Deus, pois sei que ele, em sua imensa bondade e sabedoria, sabe perdoar humanos pecadores como eu, ainda mais quando o pecado que eu possa ter cometido ao blasfemar, seja totalmente justificado e perdoável. Blasfemei pelo fato de pessoas de bem e do bem, pessoas boas como Phelipe nos deixarem, enquanto outras, más e do mal, ainda permanecerem por aqui.

Não vou colocar neste momento, o vasto e rico currículo de Luiz Phelipe Andrés, farei um resumo dele ao final deste texto. O que vou dizer é que ele foi um dos maiores responsáveis pela restauração do centro histórico de São Luís, e que se São Luís é hoje reconhecida como patrimônio da humanidade, deve muito a ele. Só vou dizer que desde que veio morar em nossa cidade sempre lutou em defesa da nossa cultura.

Luiz Phelipe é um daqueles que não tendo nascido em São Luís, tornam-se mais apaixonados por ela que muitos de seus filhos legítimos. Luiz Phelipe era um desses filhos de criação que honram a mãe mais que muitos daqueles que saltaram de seu ventre. Uma mãe que hoje chora sua perda, assim como nós, seus amigos, choramos pela falta que ele nos fará, pelo buraco que sua ausência abre em nossas vidas, um buraco muito difícil de ser tapado.

Poucas pessoas nos dias de hoje, em nossa cidade, merecem ter seus nomes em logradouros públicos e nenhuma dessas poucas pessoas merecem mais que Luiz Phelipe Andrés ser nome de uma praça, para que daqui a alguns anos, quem sabe, um grupo de estudantes ou mesmo alguns turistas perguntem para a professora ou para o guia, quem foi esse tal Luiz Phelipe, e eles possam responder, foi um mineiro de Juiz de Fora, que morou mais tempo aqui que em sua terra e amou mais essa cidade que a cidade em que nasceu, tento ajudado a restaurar seu centro histórico e fazê-lo patrimônio da humanidade.

Nos últimos anos Phelipe vinha se dedicando ao Estaleiro Escola, empreendimento para o qual eu vi, diversas vezes, ele tirar dinheiro do próprio bolso para que nada faltasse lá. E como já disse, Phelipe não era um homem de posses, era um pequeno assalariado.

Quem o conhecia sabia de sua paixão por embarcações. Foi por essa paixão que ele me levou para ser coprodutor de um filme maravilhoso, “O império de um navegador”, onde documentamos a lida de “seu” Silicrim, um velho amigo dele, que uma hora dessas está recebendo-o em sua majestosa embarcação, lá no céu.

Fico imaginando se esse amor por barcos, não faria com que Phelipe, ao invés de ser enterrado, não preferisse uma cerimónia funerária viking, onde seu corpo saísse em uma canoa costeira, do Estaleiro Escola, lá no Tamancão, singrasse o rio Bacanga e fosse para Baía de São Marcos, em chamas, rumo ao Valhala.

Ave, Luiz Phelipe!… Os que vão continuar por aqui, te saúdam, mesmo estando mais pobres com tua ausência…

Luiz Phelipe Andrés

Nasceu a 20 de fevereiro de 1949 em Juiz de Fora-MG, filho do médico Alberto Andrès Júnior e da escritora Cordélia de Carvalho Castro Andrès. Estudou na sua cidade natal no Colégio dos Jesuítas, graduado em Engenharia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1972) e mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (2006).

No Rio de Janeiro estudou artes plásticas com Ivan Serpa, no Centro de Pesquisa de Arte. Foi ilustrador de livros de ciências do 1º grau para a Companhia Editora Nacional, atuou como artista gráfico para a Revista Engenharia Sanitária nos anos 1974 a 1976 (capas e ilustrações) e realizou trabalhos de artes gráficas para a Secretaria de Divulgação do antigo Banco Nacional de Habitação.

Desde março de 1977 radicou-se no Maranhão, dedicando-se exclusivamente às atividades na área cultural, notadamente como um dos fundadores do Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís, do qual foi coordenador por mais de 27 anos. Autor do projeto de pesquisas sobre as Embarcações do Maranhão e criador do Estaleiro Escola do Sítio Tamancão.

No período de 1993-95 foi Secretário de Estado da Cultura do Maranhão e desde 2010 é Conselheiro do Conselho Consultivo do IPHAN-Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, como representante da sociedade civil.  É diretor do Centro Vocacional Tecnológico Estaleiro-Escola, professor da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas de São Luís do Maranhão e do Curso de Arquitetura da Universidade Dom Bosco, atuando principalmente nos seguintes temas: história, patrimônio cultural, tombamento, monumento nacional, construção naval artesanal.

Coordenador da pesquisa para edição do livro Monumentos históricos do Maranhão, editado em 1979 pelo Serviço de Obras Gráficas do Estado – SIOGE, contendo o primeiro inventário dos principais monumentos arquitetônicos e da arte sacra de São Luís, Alcântara e Rosário.

Responsável pelo Setor de Pesquisa e Documentação do Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís/Projeto Praia Grande, onde descobriu 166 exemplares remanescentes da Coleção dos Livros da Câmara de São Luís dos séculos XVII, XVIII e XIX. Idealizador e coordenador do Projeto de Restauração e Transcrição Paleográfica desses livros, financiado pelo CNPq.

Foi Coordenador Geral do Programa de Preservação do Centro Histórico de São Luís, Membro do Conselho Estadual de Cultura do Maranhão e Coordenador Geral do Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão.

Estagiário no Centre d’Etudes Superieures d’Histoire et Conservation des Monuments Anciens, Paris. Coordenador da Unidade Executora Estadual-UEE do Programa BID/PRODETUR do Maranhão. Coordenador Geral do Projeto São Luís – Patrimônio Mundial para preparação e apresentação do Dossiê à UNESCO com propósito de obtenção do título. Responsável técnico que assina os originais do referido dossiê que se encontra arquivado nos anais do Comitê do Patrimônio Mundial na sede da Unesco em Paris.

Membro da Academia Maranhense de Letras.

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Helena!

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Essa imensa onda de intolerância pela qual o mundo passa, principalmente no âmbito político, me fez lembrar de algumas pessoas com as quais convivi durante muitos anos neste setor, e essa lembrança me fez perceber como eu sou um felizardo.

Quando comecei na política, antes mesmo de ter mandatos eletivos, além de meu pai, meu tio e seus amigos, convivi com figuras extraordinárias, como Haroldo Tavares, Pedro Neiva de Santana, Clodomir Milet, Maria Aragão, João Castelo e José Burnet, pessoas com as quais pude aprender as primeiras noções do ofício que havia escolhido para mim. Gosto de pensar que aquela foi a minha formação básica.

Em minha estreia como deputado estadual, em 1983, tive o prazer e a honra de ser colega de Bento Neves, Gervásio Santos, Celso Coutinho, Raimundo Leal e tantos outros. Comparo aquele tempo ao meu curso universitário, pois aos 23 anos, era naquela ocasião o mais jovem deputado do Brasil.

Na Assembleia Nacional Constituinte pude conviver com alguns ícones como Ulisses Guimarães, Afonso Arinos, Artur da Távola, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Lula, entre outros bons amigos que fiz naqueles anos de grande aprendizado! Gosto de imaginar que aquele mandato me serviu de mestrado.

De volta à Assembleia Legislativa do Maranhão, iria conviver com antigos companheiros de meu primeiro mandato como Edivaldo Holanda e Ricardo Murad, mas teria a oportunidade de me relacionar com Mauro Bezerra, amigo dos meus tios, a quem conhecia desde criança, Aderson Lago, que conhecia do Jaguarema, Carlos Alberto Milhomem, que em alguns aspectos me lembrava meu pai, Domingos Dutra, de quem não tinha boa impressão e Helena Barros Heluy, a quem eu achava uma figura distante, inabordável e de difícil contato. Com aquelas e outras pessoas faria o meu doutorado.

Não lembro de nenhuma das pessoas que citei serem sectárias, maniqueístas ou mesmo hipócritas e incoerentes, duas facetas muito fáceis de se encontrar nos políticos. Alguns se mostraram diferentes com o passar do tempo. Tive a sorte de conviver, de modo geral, com um tipo de político que hoje em dia é coisa rara.

Teria muitas histórias para contar sobre todas essas pessoas, mas o fato que me fez pensar na onda de intolerância que assola o Maranhão, o Brasil e o mundo, me remete a uma pessoa especificamente: Helena Barros Heluy.

Helena, era para mim uma caixa sem fechadura ou dobradiças, daquelas pressurizadas, hermeticamente fechadas, que para abrir, só usando uma palavra mágica. Não adiantaria usar um pé de cabra, martelo e talhadeira ou maçarico. Para abri-la seria preciso algo mágico… E não foi difícil para mim descobrir como.

Para que se possa ter acesso a pessoas como Helena Barros Heluy, pessoas resolutas, sóbrias, eloquentes, inteligentes, cultas, sensíveis, dignas, basta apenas que se seja simples e verdadeiro. Não precisa concordar com ela, não precisa apoiá-la em suas ideias ou atitudes, basta se mostrar como você realmente é, o resto é por conta dela

Helena tem uma apuradíssima capacidade de ler as pessoas, um imenso senso de justiça e um profundo embasamento filosófico, que ao contrário do que pensam aqueles que só a conhecem de longe, está mais ligado ao cristianismo que ao marxismo.

Quando ainda não conhecia Helena mais de perto, quando meu conhecimento dela era superficial, achava muito estranho ela ser casada com Heluy, a quem eu também só conhecia superficialmente. Achava que as pessoas naquele casal não combinavam, eram muito diferentes. No convívio dela e de sua família, descobri que aquele sujeito imenso e aparentemente rude, era na verdade uma pessoa doce e bondosa, a qual o amor dela domava. Ao me fazer entender isso ela me deu uma lição. Fez com que eu olhasse para dentro de minha própria casa, na minha família. Quem visse a minha suave e doce mãe convivendo com o elétrico e pouco fino pai, diria que havia algo errado. Essa diferença é parte do sucesso que o amor causa. Ainda sobre esses dois casais, descobri que fizeram cursilho para casais juntos, na Igreja de Santo António.

No convívio com Helena, fui a conhecendo e descobri que ela morou na Rua da Saúde, numa casa vizinha da casa de meu pai, que era oito anos mais velho que ela, e minha mãe, onze. Ela que havia sido amiga de minhas tias Norma e Rose, agora era minha colega no parlamento maranhense.

Uma das marcas registradas da deputada Helena Heluy, era o imenso pacote de documentos que ela carregava para onde quer que fosse, o que se certa forma me deixava incomodado, pois ia para as reuniões plenárias apenas com os telefones celulares. Outra coisa marcante nela, era o fato de raramente faltar as sessões.

Quando não a víamos no plenário, ficávamos preocupados, pois algo importante deveria ter acontecido.

Convivemos durante oito anos, de 2003 até 2011, quando os dois, sem sabermos da intenção ou dos motivos do outro, resolvemos não mais concorrer a mandatos eletivos.

Depois, conversando com ela, descobri que nossos motivos haviam sido os mesmos.

Uma grande decepção com o rumo que a política havia tomado, com as consequências que certamente esse rumo tortuoso acarretaria. Estávamos certos.

Helena havia sido vereadora de São Luís, antes de ser deputada estadual, e aqui fica uma conclusão que pode parecer desairosa para ela, mas ao contrário disso é extremamente honrosa. Em minha opinião, Helena foi melhor vereadora de São Luís que Deputada do Maranhão. Eu explico. Pessoas como Helena, operosas e incansáveis, são mais afeitas a proximidade com os problemas e com suas soluções. Um vereador está mais perto dos fatos e pode interferir mais diretamente neles, já um deputado se serve mais do discurso na tribuna, da entrevista no rádio ou na televisão, de uma reunião com secretários, para interferir nos destinos desses fatos.

Isso não quer dizer que Helena não fosse magistral na tribuna, nas comissões, no plenário, nas entrevistas de rádio e TV. Ela era, e muito! Ocorre que pelo fato de ser como é e de agir como age, sua performance quando dependia de tratar com representantes do governo estadual, ficava prejudicada, mais por causa deles que por causa dela.

Helena se formou em advocacia e foi procuradora de Justiça do Estado do Maranhão. Manteve durante muitos anos, um programa na Rádio Educadora, ligada à igreja católica, e na juventude, como jornalista, escreveu colunas em jornais da capital. Inclusive tenho com ela uma dívida, que é de resgatar uma série de entrevistas que ela realizou para um desses matutinos. Devo não nego, pagarei em breve!… Quem sabe presente de oitenta anos!?…

Algumas pessoas marcam as nossas vidas e nem nós nem elas entendem o porquê. Na verdade, são muitos os motivos. Por exemplo, quando você escreve um artigo no jornal e alguém que lhe é muito caro, pega o telefone e liga para dizer que se identificou com o seu escrito, que pensa parecido, que se sentiu representado, isso nos deixa felizes e realizados. Quando a pessoa que liga pra dizer isso é uma Helena Heluy, essa felicidade e realização é muito maior, pois a opinião dela é mais relevante, pois ela é mais sensível, e mais capacitada para auferir e mensurar os acontecimentos.

O que me fez lembrar de Helena foi o fato de estarmos vivendo tempos de intransigência e intolerância, e ela em que pese ser dura em suas posições e na defesa de suas ideias, jamais foi intransigente ou intolerante, sempre estava pronta para o bom entendimento e a ponderação.

Já não se fazem políticos como Helena, o que é uma grande pena.

Costumava dizer que se fosse um dia governador do Maranhão, além dos secretários de cada pasta, teria um grupo de conselheiros. No setor de ideias geniais teria Haroldo Tavares, Eduardo Lago e Claudio Pinto dos Reis. No setor de projetos políticos, teria Clodomir Milet, José Burnet e Aderson Lago. Porém não assinaria nenhum papel que antes não passasse primeiro pelo crivo jurídico de António José Muniz e pelo crivo moral de Helena Barros Heluy.

Ainda hoje ouço o então segundo secretário da Assembleia Legislativa do Maranhão, o inquebrável e inquebrantável deputado Pontes de Aguiar, que hoje deve estar beirando os 100 anos, pronunciar erradamente o sobrenome de Helena, ao ler o expediente da casa, ao que todos juntos sorriam.

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De quadrados para cancelados

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A história, de tempos em tempos, passa por períodos de grande tensão. Como uma vara de bambu, o tempo tem uns nós que servem, não sei ao certo se para separar ou para ligar etapas da evolução da vida na terra, e consequentemente da humanidade. Acredito que estejamos vivendo neste momento em um desses nós.

Passando uma vista rápida pela timeline da história, é possível observarmos claramente alguns desses calombos que serviram para consolidar ou para mudar radicalmente a direção dos acontecimentos.

Os anos que compreendem a ascensão e queda de Júlio Cesar só serviram para precipitar o surgimento do Império Romano, bem como seu declínio quatrocentos anos mais tarde, o que prova que alguns nós na régua da história, até parecem ser pequenos, mas podem demorar séculos.

Mais que em seu próprio tempo, a história de Jesus, teve maior repercussão no tempo de Constantino, quando efetivamente o cristianismo passou a existir e a ser definitivo.

Se a revolução industrial transformou a sociedade agropastoril do século XVIII em uma sociedade movida por máquinas e empresas complexas, e isso ocorreu relativamente há muito pouco tempo, a revolução digital que estamos atravessando, irá radical e definitivamente mudar a história da humanidade.

Ao constatar que estamos exatamente em um desses nós, me preocupo em saber quanto tempo ele irá demorar e o que irá modificar em nossas vidas, e como nós as construiremos depois disso.

Uma coisa é certa, as mudanças trazidas por esses períodos acontecem e costumam ser radicais, mesmo que nem todas permaneçam para sempre.

Veja, eu não estou falando de modas e modismos, coisas voláteis e passageiras, como simples tecnologia que caducam e ficam obsoletas, como é o caso dos CDs e DVDs. Estou falando de coisas perenes como a filosofia por trás dessas tecnologias e as mudanças estruturais que elas trazem consigo, como o poder da indústria fonográfica e audiovisual, capazes de ditar subliminarmente normas e comportamentos sociais em todo o mundo, de uma só forma e ao mesmo tempo.

O avanço tecnológico é a maior vitória da humanidade, o problema é a velocidade que esse avanço tem atingido e como ele é assimilado pelas pessoas.

Que ele é bom, não resta a menor dúvida, a questão é o custo dele. Não o custo financeiro, mas o cultural. Não no que diz respeito ao que ele cria, mas ao que diz respeito ao que ele muda, torna obsoleto e faz desaparecer.

Veja só o caso dos escultores. Se por um lado as impressoras 3D, daqui a alguns anos vão fazer com que a atividade desses artistas praticamente desapareça, por outro quem continuar esculpindo manualmente, será reconhecido e respeitado por sua raridade!

Mas não era exatamente sobre isso que eu desejava falar. Queria mesmo falar era sobre o fato de que o nó pelo qual estamos passando, motivado por essa imensa revolução tecnológica, inclusiva e democrática, por mais incrível que possa parecer está impondo comportamentos autoritários e excludentes contra aqueles que pensam ou agem de maneira discordante da corrente detentora do poder que emana desse sistema, e aqui não cabe nenhuma forma de julgamento de valor. Falo do direito inato de discordar, de ser diferente do seu diferente, não importando quem ele seja.

Criaram um monstro devorador de quem não se comporta como desejam os detentores desse poder. Um monstro parecido com aquele criado pelos impérios invasores da antiguidade, em suas jornadas de conquista e dominação. Monstro igual aquele, imposto pela revolução advinda da massificação da propaganda dos anos 1960, onde quem não usasse jeans e tomasse Coca-Cola, era o quadrado, o “cancelado” daquela época. O termo “cancelado”, mesmo ainda não existindo naquela época, já significava a mesma coisa, absurda e inadmissível dos dias de hoje, onde aqueles que não pensam ou agem como prescrevem os detentores desse abusivo poder de impor a todos um padrão, são submetidos de maneira tão violenta quanto a fúria dos piores escravocratas e dos mais repugnantes nazistas em seus tempos.

Discordar dessa turba pode até ser considerado um suicídio, mas está mais para uma chacina, praticada com os mesmos requintes de loucura e crueldade que aqueles praticados pelas velhas e abomináveis KKK e SS.

Por favor não pense que eu estou exagerando. Longe disso! Tudo que eu digo e tudo que qualquer pessoa disser, ainda será pouco perto deste inominável crime que está acontecendo neste momento.

Conheço um pouco sobre os mecanismos que movem as engrenagens da história. Entendo as reações que as ações causam. Sei que como tudo na vida, as causas trazem inevitáveis consequências. Quaisquer que sejam as que resultarem desse tempo de terror, menos sangrento, porém tão pavoroso quanto a Revolução Francesa, elas virão. Só espero que não demore tanto tempo e que não sejam tão violentas.

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A propósito dos 132 anos da proclamação da república no Brasil.

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Em retrospecto, pelos primeiros anos de nossa história como república, o fato de nossos primeiros presidentes terem sido velhos militares, deixa claro que o dito regime democrático, onde o governo é exercido pelo povo e para o povo, é uma balela.

Eu e você seríamos incapazes de dizer com absoluta certeza, em quantos desses 132 anos de história republicana o governo foi realmente exercido segundo a vontade soberana do povo brasileiro, até porque sabemos que o fato de acontecerem eleições, não significa dizer que elas sejam exatamente a demonstração cristalina dos anseios e da vontade do povo! Mais e pior que isso, não significa dizer que o povo estivesse em alguma dessas ocasiões apto a escolher de modo consciente e satisfatório quem melhor poderia representá-lo, estabelecer seus deveres e defender os direitos provenientes deles, de maneira coerente, correta e honesta!

Todos nós sabemos que não há forma de governo nem regime político que seja perfeito. O que pode haver é uma cultura onde as pessoas e seus representantes possam estabelecer regras de convivência que sejam capazes de diminuir ao máximo as tensões provenientes dessas relações, e para que isso aconteça é indispensável que o povo que detém, em tese,  o poder de escolha desses sistemas, tenha discernimento para melhor escolhê-los, coisa que não se faz sem educação em seu mais amplo sentido, o que não é o caso, não apenas no que diz respeito ao povo brasileiro, mas na maioria dos povos do mundo.

Com raríssimas exceções e muito pontualmente, a população mundial está apta a escolher o que pode ser mais satisfatório para si mesma. Poderia arriscar a citar alguns países nórdicos e outros poucos países europeus. Na Ásia, Japão e Coreia do Sul. Nas Américas, o Canadá e em alguns aspectos, menos pelo povo e mais pelo sistema, os Estados Unidos.

Até mesmo povos com culturas poderosas e educação sólida de seu povo comete equívocos absurdos, como foi o caso dos alemães nas décadas de 30 e 40 do século passado e mesmo os ingleses muito recentemente no caso do Brexit, um imenso erro de avaliação sobre seu próprio destino, não apenas o individual, mas principalmente o coletivo, ou ainda o caso dos separatistas da Catalunha , que não conseguem enxergar que no contexto do mundo de hoje, a independência geopolítica não é a coisa mais importante, mas sim a qualidade de vida que as pessoas podem usufruir.

Imaginem se um povo que em sua maioria, quase em sua totalidade, é manipulado pela religiosidade, como é o caso dos mulçumanos, dos hindus ou mesmo dos cristãos mais fanáticos, podem escolher de forma consciente quem melhor possa estabelecer seus deveres e defender seus direitos!?… Essas questões são extremamente delicadas e decisivas nesses complexos contextos.

Meu pai se dizia monarquista, mas ele não sabia exatamente o motivo de preferir este regime e não uma forma mais moderna e democrática de gerir o estado em nome das pessoas.

Um dia conversando com ele, ele me disse que não precisava ser exatamente os Orleans e Bragança, a família real brasileira, a ser a detentora do poder, que poderia ser qualquer uma, mas que fosse uma que tivesse AUTORIDADE para fazer REALMENTE o que precisasse ser feito,  e não para ficar contemporizando em, como diria Odorico Paraguaçu, MANOBRAS DIVERSIONISTAS.

Meu pai era favorável ao regime de déspotas esclarecidos, mesmo que ele não tivesse lá muita noção do que isso fosse ou acabasse sendo na prática. Eu não chego a tanto, mas confesso que sinto falta de pessoas que saibam exercer a autoridade com respeito e discernimento, com sabedoria e inteligência, com coerência e honra. Se assim o fosse o mundo estaria muito melhor.

O nome disso é utopia e nem a de Platão, nem a de Morus se provaram possíveis. A minha é mais simples. É conversar sempre sobre isso, até a exaustão, sem nenhuma forma de preconceito, com toda tolerância, aberto para ouvir e disposto a tentar entender as posições dos outros. Somente assim conseguiremos a evolução necessária para chegarmos a alcançar o exercício de uma vida melhor, para nós e para a maioria, se não para todos. 

PS: Ontem, perguntei para alguns jovens que encontrei quando fui almoçar, se eles sabiam o motivo de ser feriado e nenhum soube me dizer. Para mim ficou claro a importância da proclamação da república… Pelo menos para eles!…

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Glória

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Acabei de assistir a excelente série “Glória”, primeira produção portuguesa da NETFLIX.

A série conta a história da RARET, emissora de rádio implantada pelos americanos (CIA) na região do Ribatejo, para transmitir conteúdos anticomunistas para os países do leste europeu (Cortina de Ferro), durante a guerra fria.

A produção é de ótima qualidade, tanto do ponto de vista da forma quanto do conteúdo, e nos apresenta um Portugal que pouco conhecemos, de uma forma completamente inusitada.

Recheada de referências culturais, com citações poéticas, filosóficas e histórias, “Glória” me fez, clara e nitidamente, sentir aumentar meu amor por Portugal e por sua gente, que nós brasileiros normalmente achamos complicada de entender por serem pessoas metódicas e cartesianas, não só nas forma de se expressar como também de agir, como é o caso daquilo quem para nós é seu obtuso senso de humor.

Algumas vezes as construções frasais dos diálogos são tão maravilhosas e poéticas, que me peguei em várias ocasiões voltando as cenas para ouvi-las mais vezes, para sentir melhor o que diziam os personagens, de forma tão incomum para meus ouvidos, mas de maneira incrivelmente melodiosa e poética.

A construção do roteiro é primorosa, tanto na arquitetura dos personagens, mesmo os mais convencionais e previsíveis, como a agente da CIA, fria e calculista, mas que tenta ser generosa e ajudar as pessoas comuns, como a dos agentes de segurança, de um lado ou dos outros, responsáveis pelas cenas de maior violência, obstinados no cumprimento de seus deveres, como o drama de uma jovem noiva ou de uma mulher atormentada pelo marido que encarna o que há de pior em um homem, até os dramas de consciência de um jovem dividido entre a conveniência de sua família e aquilo que ele imagina ser o mais justo do ponto de vista social e o mais aceitável do ponto de vista ético.

“Glória” é mais que uma série que retrata uma época importante de nossa história, ou uma radiografia de um Portugal que desconhecíamos. “Glória” é um poema cinematográfico.

Essa série é tão boa que eu gostaria, de alguma forma e em alguma circunstância, ter participado de sua realização.

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