“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.
Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.
Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.
Cinéfilo inveterado, é autor do filme "Pelo Ouvido", grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.
Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.
Outro dia, em uma reunião na casa de amigos, uma senhorita pensou que iria me constranger, ao me perguntar em quem eu irei votar para presidente.
Eu disse à bela e aparentemente inteligente moça que me fez tal pergunta, que eu ainda não sabia em quem iria votar, mas que tinha certeza daquilo que a pessoa em quem votarei precisa ter para conseguir minha atenção e meu voto.
Disse a ela que não importa o sexo do candidato, pode ser homem, mulher ou outro qualquer; que precisa ter o mínimo de coerência entre seus pensamentos, falas e ações; que seu partido não pode estar nas extremidades do espectro político nacional, pois não admito extremismos, e dou preferência às ideologias posicionadas em torno do centro, um pouco mais para à esquerda ou à direita, tanto faz. Que seja uma pessoa que defenda os valores da cidadania, a democracia, a livre iniciativa, as liberdades individuais; que não seja sectário, maniqueísta ou hipócrita.
Enquanto eu falava, podia ouvir as engrenagens do cérebro da tal moça e de outras pessoas presentes estalarem, computando o gabarito da prova a qual estavam sendo submetidos com a minha resposta à pergunta que me havia sido feita em tom de desafio.
Ao final me dirigi a senhorita que me fez a pergunta: “Você discorda de mim quanto aos ingredientes que um candidato precisa ter para que pessoas inteligentes, esclarecidas, do bem e de bem, como nós, eu e você inclusive, possamos votar?
Ela sorriu e de certa forma aquiesceu, mas a impressão que eu tive é que ela vai votar em uma pessoa na qual ela tem certeza de que não possui os ingredientes e as qualidades que eu citei. Fiquei com a impressão que ela vai votar para eliminar da cena política alguém que ela acredita ser mais nocivo que outros candidatos. Nessa hora eu me identifiquei muito com ela, mesmo sabendo que há uma grande possibilidade de votarmos em candidatos diferentes.
Recentemente encontrei com um conhecido militante do Partido dos Trabalhadores em um restaurante de nossa cidade, e ele fez a maior festa para mim, dizendo-se admirador de meu trabalho como escritor e cineasta, e até mesmo como político, por segundo ele eu manter coerência entre minhas palavras e minhas atitudes, apesar de não comungarmos das mesmas ideologias.
Achei estranha a abordagem dele, pois em que pese nos conhecermos há muitos anos, nunca mantivemos um contato estreito, a não ser os protocolares da cordialidade e da boa educação.
Ele me convidou a sentar a sua mesa e disse que gostaria de saber de mim o que eu estava sentindo sobre a eleição deste ano.
A princípio, imaginei que o papo seria sobre Lula e Bolsonaro, mas ele disse logo que queria saber sobre as eleições do Maranhão.
Como faz algum tempo que eu estou afastado do ambiente político, com poucas informações sobre as composições dos grupos de contendores, preferi, como diria o velho Odorico Paraguaçu, uma “manobra diversionista”, para poder saber onde eu estava entrando. Dei corda e não demorou muito, meu falante interlocutor, me deu as deixas que eu precisava para me posicionar naquela conversa.
Ele me perguntou em quem eu vou votar para governador, e eu lhe disse que votarei em Brandão. Expliquei-lhe que sou amigo dele, de seus irmãos e irmãs, desde os tempos de Colégio Batista, e que meu pai era muito amigo do pai de Carlos, que foram colegas de Assembleia, no tempo do governador Nunes Freire, grande amigo de ambos.
Lá pelas tantas ele me disse que teve acesso a pesquisas realizadas por uma empresa, segundo ele bastante confiável, e que o “imponderável”, palavra usada por ele, iria acontecer.
Perguntei qual era esse imponderável, ao que ele respondeu sem titubear: “Grandes possibilidades de Flávio perder para Roberto”.
Eu não me controlei e sorri, desdenhando da afirmação dele, pois apesar de não saber que pesquisa era aquela a que ele se referia, eu tinha certeza de que ela estava errada.
Disse-lhe que não acontecerá o imponderável nas eleições majoritárias, no primeiro turno, no estado do Maranhão.
Disse que ele escrevesse o que eu lhe diria e que ele me cobrasse depois, pois caso eu estivesse enganado, pagaria um almoço para ele naquele mesmo restaurante.
Disse-lhe que no primeiro turno, Bolsonaro terá pouco mais da metade dos votos de Lula, que Brandão e Weverton passarão para o segundo turno com diferença pequena de votos entre si, e que Flávio, por ter uma eleição em apenas um turno, vencerá a disputa para o senado, mas sua vitória não será acachapante como ele gostaria que fosse. Mesmo ganhando, o resultado vai ferir os brios e a vaidade dele.
Disse a ele que muitas pessoas vão aproveitar a oportunidade dessa eleição para fazer com Flávio, pelo menos um pouquinho, do que ele fez com elas, mas que mesmo assim, o poder e os recursos represados por ele e pelos seus apoiadores durante seu governo, serão decisivos para sua vitória.
Ele arregalou os olhos, talvez imaginando que eu fosse ficar feliz com a notícia da tal imponderabilidade que ele me trazia, acreditando que eu fosse achar boa a notícia de que Flávio Dino poderia perder a eleição para senador.
É que ele, assim como muitas pessoas, não me conhece. Não é por Flávio ter cerceado minhas ações enquanto produtor cultural durante pelo menos seis de seus sete anos de governador, que eu vou desconhecer a realidade.
Já estando eu mais seguro naquela conversa, por saber que tipo de raciocínio meu interlocutor tinha, disse a ele uma coisa que mais uma vez o deixou de cabelo em pé.
Disse que havia grande probabilidade de que muitos daqueles políticos que agora estão deixando de apoiar Weverton e passando a apoiar Brandão, no segundo turno fazerem o caminho inverso, e deixarem de apoiar Brandão e voltar a apoiar Weverton, uma vez que quem trai um compromisso, facilmente trai dois. Se alguém que durante muito tempo esteve alinhado em um grupo, e que por algum motivo, qualquer que seja ele, o abandona, muda de lado, pode muito bem, em seguida mudar de lado novamente.
Sabendo que iria deixar meu interlocutor ainda mais assustado, disse que o que está faltando nesta eleição em nosso estado, são políticos, que nem de um lado nem do outro existem políticos, pessoas que saibam operar os mecanismos da política, até porque nos sete anos do governo de Flávio e nos quatorze de Roseana, eles dois, cada um por seus motivos e razões, resolveram aniquilar os políticos. Principalmente os bons. Nessa hora, só comigo, lembrei de Herodes.
Disse a ele ainda mais uma coisa que o deixou visivelmente pensativo. Disse que a eleição de Brandão no segundo turno dependerá principalmente do apoio que ele terá ou não, daqueles que não pertencem ao grupo de Flávio Dino. Disse a ele que a eleição de Brandão dependerá principalmente de Roseana, que o apoia, mas é pouco prestigiada e tem pouco espaço em seu governo, e de políticos não alinhados ao dinismo, como Lahesio, Edvaldo e até mesmo Braide.
Meu interlocutor olhou pra mim com uma cara curiosa, e pediu uma outra cerveja ao garçom. Eu me levantei, e estiquei a mão para cumprimentá-lo. Ele levantou-se, apertou a minha mão, puxou-me para me dar um abraço e disse: “Você pode até estar errado em suas análises e conclusões, mas que elas nos fazem pensar, isso faz!…”
De tanto falar sobre política, acabei sonhando com ela.
Durante vários dias, nas mais diversas rodas de amigos, meu assunto foi recorrentemente política. Todo mundo debatendo o futuro de nosso país, dilacerado por uma radicalização absurda, que anestesia e cega até as pessoas mais inteligentes e sensatas, que se deixam levar pela ideologia ou pela paixão, coisas incompatíveis com o debate sadio de ideias e a boa convivência.
Tenho uma teoria bastante simples sobre a observação e a análise dos fatos e dos cenários políticos, independentemente da posição em que se encontre o observador ou o analista. O fato é que quem se dispuser a observar, analisar e comentar a política, não pode para isso, jamais usar o coração, o fígado, ou o bolso, nesse intento.
Na análise da política deve-se usar tão somente o cérebro, de forma pragmática e cartesiana, caso contrário o trabalho será contaminado pelas enzimas provenientes dos citados órgãos. Do coração, metaforicamente falando, podem advir sentimentos, emoções e paixões que certamente comprometeriam a observação e a análise, desvirtuando os comentários que se fizesse.
Da mesma forma, o fígado não pode ser usado, pois a mágoa, o rancor, e a raiva (metaforicamente) produzidas neste órgão embaçariam qualquer conclusão a que se pudesse chegar.
O bolso, em que pese não ser um órgão intrínseco do corpo humano, é um órgão essencial para nossa sobrevivência, mas nem mesmo assim se pode pensar em política alavancado por ele, sob pena de pendermos para o lado em que iremos enchê-lo, e ficarmos contra aquele que irá esvaziá-lo.
O certo é que em meio àqueles dias conturbados de intensos debates políticos, exausto, fui para casa e simplesmente apaguei, depois de tomar um demorado e relaxante banho.
Naquela noite, o sonho que tive foi muito revelador. Sonhei que eu era o apresentador de um programa de entrevistas em um grande canal de televisão e que naquele dia estava recebendo a visita de dois importantes convidados, dois dos maiores expoentes políticos do país, um esquerdista e outro direitista.
Eram políticos acima de qualquer suspeita. Homem íntegros, corretos, coerentes e respeitados por suas posições sinceras em cada um dos dois campos antagônicos da política.
Eu havia me preparado para aquele programa em especial, pois admirava os dois entrevistados, principalmente por sermos nós três, antigos e bons amigos.
Aquele programa teria uma sistemática diferente. Eu faria algumas perguntas para cada um deles separadamente, para que a resposta de um não influenciasse, limitasse ou possibilitasse que o outro se aproveitasse das respostas de seu antagonista.
Assim foi feito. Perguntei ao primeiro se ele, sendo uma pessoa tão correta, não se sentia de alguma forma constrangido por apoiar e votar em um candidato que é tido como homofóbico, misógino, racista, além de fascista, sem contar que ele é abertamente negacionista.
Ao segundo entrevistado perguntei algo bastante semelhante. Uma vez que todos sabiam de sua retidão de propósitos e de princípios, se ele não se sentia de alguma forma constrangido por apoiar e votar em um candidato que, tendo sido durante oito anos presidente da república e comandante de um grupo político que governou o país por quase 16 anos, aparelhou o governo, minou as instituições, quase destruiu nossa economia, tirou de nós a condição de bons parceiros comerciais, deixou esse país com 13 milhões de desempregados e foi condenado por corrupção, entre outras coisas.
Na segunda rodada perguntei a cada um dos dois convidados, se eles acreditavam que seus candidatos a presidente da república teriam condições de reverter as expectativas que o eleitor bem informado e consciente tem sobre cada um deles.
A terceira e última pergunta que fiz a cada um dos entrevistados, cada um separadamente, foi um pouco mais complicada. Perguntei se eles avalizariam seus respectivos candidatos quanto às seguintes questões: Se o primeiro poderia garantir que seu candidato deixaria de ser irascível e boçal; Se ele não mais se portaria de forma vexatória e ridícula, jogando na lama a liturgia do cargo presidencial; Se ele deixaria de ser preconceituoso no que diz respeito a raça, sexo, gênero e outros assemelhados; se ele poderia garantir que seu candidato se manteria fiel ao juramento que fez de defender a república e a democracia.
Ao segundo entrevistado a pergunta foi semelhante no sentido do aval, mas os itens a avalizar foram diferentes. Perguntei se ele poderia garantir que seu candidato não voltaria a operar as mesmas práticas que fizera no passado, como estabelecer esquemas de fraude e corrupção nas instituições e empresas nacionais; Se ele poderia garantir que os interesses nacionais não mais seriam colocados de lado, dando prevalência para a construção de uma sistema supra nacional de politica comunista, financiando países estrangeiros; Se seu candidato não iria usar o poder que tivesse nas mãos para romper a liberdade individual dos cidadãos, a liberdade de opinião, a liberdade jornalística, inclusive estabelecendo formas de controle da imprensa e da mídia.
Quando eu iria, ainda no meu sonho, começar a segunda parte do programa, no qual eu chamaria os dois entrevistados, meus amigos, para sentarem-se comigo à mesa do debate, eu despertei assustado, como se tivesse presenciado algo absurdo. Uma verdadeira tragédia.
A sensação com a qual fiquei, foi que os entrevistados daquele programa onírico, teriam dito que acreditavam piamente que seus candidatos são os políticos mais corretos, coerentes, honestos, bem preparados e aptos a dirigir nosso país da melhor maneira possível, que nada do que se diz sobre eles, tem o menor fundamento, que tudo é narrativa para manchar suas imagens de grandes políticos, cidadãos dignos de receberem o voto da população brasileira.
Até em sonho eu estou decepcionado com a classe política, pois não aceitar a verdade é uma coisa inadmissível, para qualquer pessoa comum, muito mais para uma que interfere diretamente em nosso destino.
Raramente faço críticas violentas, procuro ser sempre centrado, comedido e elegante, mas hoje, depois de presenciar mais uma vez a degradação de um belo e rico patrimônio da coletividade, resolvi esbravejar a plenos pulmões e chamar a atenção do Governo do Estado e principalmente o Ministério Público, que se arvora de defensor da sociedade e do cidadão, para o abandono em que se encontra uma coleção de obras de arte a céu aberto, que vem se deteriorando, e que está se acabando por falta de zelo e manutenção.
Em primeiro lugar, chamar a atenção do Governo do Estado, que passou os últimos anos gastando fortunas em propaganda e não teve a competência nem a decência de proteger um bem que é seu e que pertence ao povo do Maranhão!
Trata-se da coleção de totens de concreto, que registram manifestações artísticas, culturais, folclóricas e brincadeiras populares, de autoria de um dos maiores e mais importantes artistas plásticos maranhenses, Jesus Santos, que se encontra em exposição permanente na Avenida Litorânea.
Por outro lado, o ministério público, a defensoria pública e o juizado a quem compete esse caso, que se arvoram de defensores e protetores do direito da sociedade e dos cidadãos, nunca fizeram nada em defesa dessas obras que estão visivelmente sendo destruídas pelo vento, o sol, a chuva e a maresia.
O ministério público, a defensoria pública e o juizado correspondente “adoram” defender a sociedade no que diz respeito a causas que dão notoriedade e audiência, mas cultura, patrimônio artístico e cultural não é um desses, até porque eles não costumam agir contra o Estado, mas contra os cidadãos comuns ou o empresariado, nisso eles são craques.
Quero ver quem é que vai levantar essa bandeira e promover a recuperação dos totens da Litorânea, ou será que eles acham que só porque são feitos de concreto, não é arte e não tem valor!?
Quando estávamos gravando “Arcanos”, levei alguns atores e diretores para comerem uma caranguejada na Lenoca, e passando por um dos totens, um daqueles deteriorados, um dos convidados elogiou o belíssimo trabalho, louvou a iniciativa e lamentou o abandono. A mim só restou quase morrer de vergonha.
Em anexo, fotos de alguns totens, como eram e como estão.
Assisti recentemente a excelente minissérie “O Caso Celso Daniel”, uma obra como poucas, produzida em nosso país, sobre um evento contemporâneo tão importante.
Acredito que essa minissérie traz em si todos os ingredientes e principalmente o equilíbrio necessário e indispensável que uma obra deste tipo e desta importância deve ter para que seja considerada uma obra de referência honesta sobre fatos de nossa história.
Realizada o mais possível sem paixões políticas ou cores ideológicas, todos os oito episódios de “O Caso Celso Daniel”, mostram quase tudo que é possível um levantamento jornalístico abranger num caso como este.
Ao final de uma maratona de mais de 400 minutos, ou seja, mais de seis horas e meia de filme, cheguei às minhas conclusões sobre tal evento, coisa que qualquer pessoa que use minimamente o bom senso poderá fazer e chegar a uma conclusão bem parecida com a minha.
O prefeito de Santo André, Celso Daniel, foi vítima de um crime urbano, muito comum na Grande São Paulo no começo dos anos 2000, crime de extorsão mediante sequestro, não tendo havido participação de nenhuma figura envolvida nos esquemas de propina e corrupção implantados na prefeitura de Santo André, até porque estes nada ganhariam com isso, uma vez que fica claro durante a minissérie, que o esquema funcionava normalmente e com o conhecimento, consentimento e integral apoio do prefeito.
O que houve foi uma inacreditável falta de sorte de Celso e de seu parceiro Sérgio Gomes, que estavam no lugar errado e na hora errada, naquela noite.
Pontos claros sobre os fatos:
Ao atacar o carro onde estava o prefeito, os sequestradores dispararam indiscriminadamente contra o veículo e poderiam ter atingido o motorista, que segundo o ministério público, seria o mandante do crime.
Ainda sobre o carro de Sergio ter tido problema, isso é completamente plausível. Eu mesmo já tive um veículo deste tipo e a inabilidade em seu manuseio causou, em algumas ocasiões situação semelhante, pelo fato de sem querer esbarrar na alavanca de redução do carro, fazendo-o perder completamente a tração.
Depois do sequestro realizado, se isso tivesse sido feito para intimidar e controlar o prefeito, ele teria sido solto em seguida, pois o recado já teria sido dado, e a morte dele colocaria um corpo estranho na armação, o vice-prefeito, que poderia trazer seu grupo para operar o esquema.
A presença do Sérgio no momento do sequestro, faria dele um suspeito automático, coisa da qual ele não precisaria, bastava armar tal ação de outra forma.
A tese da libertação mirabolante de um perigoso criminoso de uma penitenciária de Guarulhos, para comandar aquela ação, completamente atabalhoada, realizada por bandidos mequetrefes, dois dias antes do sequestro, é completamente delirante.
As acusações feitas pelos irmãos do prefeito assassinado, motivadas pela vontade de descobrir a verdade sobre o caso, se deixou contaminar por suas vontades, fato que ocorreu também com os promotores do caso e com os empresários prejudicados pelo esquema de corrupção implantado na prefeitura de Santo André.
E por aí vão as inúmeras inconsistências do caso formulado pelo ministério público. Por outro lado, a série apresenta de forma orgânica, como nunca vi antes em uma obra cinematográfica brasileira, policiais, advogados e promotores incrivelmente capacitados e hábeis em suas explicações.
Em resumo:
Havia um pesado esquema de extorsão e de corrupção estabelecido na prefeitura de Santo André e o prefeito Celso Daniel sabia dele, no mínimo o aceitava, como forma de manutenção de seu grupo político.
A morte do prefeito foi uma fatalidade, ocorreu como tantas outras que acontecem em nosso país.
O PT não é o responsável pela morte do prefeito de Santo André, mas se beneficiava do esquema de corrupção ali implantado.
O ministério público criou neste caso uma narrativa para justificar seu trabalho.
Só me resta parabenizar os realizadores dessa obra, que além de muito boa do ponto de vista cinematográfico, é indispensável para o conhecimento e entendimento desses eventos, e olha, quem diz isso é alguém que imaginava que a morte de Celso Daniel era uma queima de arquivo, por parte de seus comparsas empresários ou partidários, coisa que com esta série fica claro que não é. Celso na verdade era parte importante do esquema de manutenção do da estrutura empresarial e partidária.
Quanto mais eu penso e estudo, mais acredito que as minhas certezas são unicamente provenientes das dúvidas que lhes deram origem, e olhe, minhas dúvidas são muitas, viu?
O fato de eu ser agnóstico, ter uma fé que não é vinculada diretamente a nenhuma religião formal, me faz reconhecer o quanto estou perto de ser realmente um positivista, principalmente por acreditar que a vida e o mundo serão sempre melhores se tiverem o amor como princípio, a ordem como base e o progresso como meta. Em tese essas coisas estão arraigadas a todas as ideias dos percussores das religiões, a diferença é que em mim, não há por trás delas, uma estrutura de igreja formal.
Quanto mais eu penso e estudo, mais acredito que de modo algum eu sou um ortodoxo, um radical. Procuro ser flexível, ouvir as versões e ponderar as soluções. A minha mente é tão aberta e permeável que não admite intervalos fechados. Nada de parênteses ou colchetes em minhas equações de vida, pois sempre é possível se repensar uma situação, revisar os números e agregar novos conhecimentos e novas práticas, sem mudarmos necessariamente a nossa essência.
Não se pode jamais desconhecer a história nem a ciência, mas é preciso entender que a história possui seus recortes, muitos dos quais provenientes de quem a relata, e a ciência fria, sem a luz da ética não basta para que possamos ter seu pleno e efetivo uso na vida humana.
Quando digo não aceitar religiões, não quero dizer que rejeito a ideia de uma entidade superior, uma espécie de catalizador, um maestro de uma orquestra sem músicos, mas repleta de timbres sonoros, um pintor cuja paleta é capaz de conter todas as cores do universo, sem ter que misturá-las, um professor que conhece todas as perguntas, porque saber as respostas seria muito fácil.
Quando digo que Jesus não precisa ser filho de Deus, não estou blasfemando. Simplesmente estou repetindo o que disse ele mesmo, o meu irmão galileu. Deus é amor, Deus é paz, compreensão… Deus está dentro de cada um e ninguém precisa de uma religião para ter Deus consigo, como Jesus provou que não precisava do judaísmo desvirtuado, professado pelos sacerdotes do Templo de Salomão.
Veja, nenhuma religião será suficiente para conter Deus. Ao estudarmos o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, descobriremos enormes semelhanças entre eles e é fácil compreender que as diferenças são apenas e tão somente temporais e culturais. As três religiões possuem a mesma base, mas o fato de terem sido estabelecidas e praticadas em momentos diferentes, por civilizações distintas, e sofrido influências próprias, fez com que cada uma se moldasse às suas próprias condições e circunstâncias.
Se Mohandas Karamchand não tivesse nascido na Índia e sua família não professasse a religião hinduísta, ele jamais teria sido o Gandhi que conhecemos hoje, e o fato dele não seguir os padrões daquele que escolhi como régua e compasso, não significa que eu não possa ou não deva, admirá-lo e exaltá-lo, pelo menos naquilo que eles têm de semelhantes.
Costumava dizer que se me fosse dada uma única possibilidade de visitar o passado e testemunhar um fato da história, gostaria de ver com meus próprios olhos o que realmente aconteceu na vida de Jesus. Hoje já não penso mais assim. A verdade sobre Jesus não vai mais mudar meu entendimento sobre o significado de sua mensagem. Agora eu gostaria de saber o que realmente aconteceu na vida de Maomé, para quem sabe poder entender por que seus seguidores divergem tanto entre si mesmos, e como poderia encontrar um denominador comum entre eles e todos nós.
Quando eu era ainda bem jovem e alguém me perguntava o que eu tanto pensava ou escrevia, respondia garboso, querendo parecer sofisticado: “O pensamento é uma estrada que não cobra pedágio e nos possibilita fazer viagens rápidas e seguras”. É nisso que tenho me confiado em todos esses anos, mais que nos maravilhosos ensinamentos de Comte ou mesmo nos engrandecedores exemplos de Rondon.
Uma coisa é certa! Dois profetas da religião que poderia ser o criador, nos oferecem ensinamentos que devem ser ouvidos, assimilados e seguidos. “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” e “Eles passarão, eu passarinho”, ao que meu eu polêmico, argumenta: Qual alma, cara-pálida!? Quem são eles, Passarinho!?
No final me resta uma certeza: na vida, não deve haver intervalos fechados.
Já faz muito tempo que eu tenho vontade de tratar sobre um assunto que acredito atormentar pessoas que, como eu, ama versões originais, sejam elas de músicas ou filmes.
Recentemente estivemos em um pequeno paraíso onde uma alameda iluminada por luzes amarelas pipocavam nas árvores formando cachopas de lâmpadas que pendiam em diferentes alturas, iluminando duas dúzias de restaurantes típicos e gourmets num povoado de meio milênio de idade.
Estávamos em Trancoso, passando pequenas férias em família. Passávamos os dias ao redor da piscina, numa casa dos sonhos, e as noites íamos para o “Quadrado”, o centro do povoado, onde ficam os restaurantes e uma grande quantidade de lojinhas de marcas nacionais e internacionais, além de muitas barraquinhas de vendedores locais de artesanato e utensílios.
Até aí, tudo bem. O problema começava quando nos dirigíamos aos restaurantes e os cantores de cada um deles, em volumes elevados tentavam mostrar suas habilidades.
Pior mesmo foi quando escolhemos um lugar para jantar. Sentamos, uma simpática moça trouxe os cardápios… Foi aí que observamos – ouvimos – um rapaz, sentado ao fundo, dedilhando um violão, interpretando músicas de renomados compositores.
Nem vou comentar sobre o que comemos naquela noite. Em Trancoso não achamos nenhum lugar onde a comida fosse ruim. É verdade que existem lugares bem melhores que outros, mas ruim não conhecemos nenhum. O foco de meu texto de hoje é as apresentações musicais, ao vivo dos restaurantes que frequentamos.
Naquela noite especificamente, o rapaz que lá cantava era até esforçado, tinha iniciativa, mas ao constatar isso lembrei do que dizia Napoleão sobre os tipos de soldados que existiam em seu tempo e que ainda hoje devem povoar os exércitos pelo mundo.
Bonaparte dizia que havia quatro tipos de soldados: Os inteligentes com iniciativa; os inteligentes sem iniciativa; os burros sem iniciativa; e os burros com iniciativa.
Os inteligentes com iniciativa eram feitos seus comandantes. Os inteligentes sem iniciativa serviam como seus oficiais superiores, aqueles que recebiam ordens e as cumpriam correta e fielmente. Já os burros sem iniciativa eram colocados na frente de batalha, eram os buchas de canhão. Já os burros com iniciativa, esses Napoleão odiava e não os queria em seus exércitos, pois eram capazes de cometerem as maiores loucuras em nome da crença que serem bons no que fazem, sendo que não o são, pelo contrário.
A mesma coisa se pode dizer em relação a alguns artistas, músicos, escritores, pintores, diretores de cinema e até a artistas da política, já que este universo também tem a ver comigo.
O fato é que o cantor que se apresentava naquele restaurante resolveu fazer releituras de todas as músicas que apresentava e assassinava a todas as composições de deuses da musica baiana e nacional.
Assassinou músicas de Gil, Caetano, Ivete. Assassinou composições de Dorival Caymi e de Os Novos Baianos.
Não satisfeito o rapaz seguiu destruindo as músicas que cantava. Jogou no lixo Adoniran Barbosa, Martinho da Vila, Cartola, Wilson Simonal, Jorge Benjor e até de Pixinguinha e Noel Rosa.
O certo é que a releitura das músicas, a revisitação atabalhoada das melodias, dos compassos, dos andamentos, das entonações, e até das letras, fazia com que clássicos da nossa música se tornassem sabujos, exclusivamente pela vontade do “artista” querer “inovar”.
Ao ouvir a tentativa desastrosa do rapaz, lembrei das tentativas igualmente desastrosas de refilmagens de clássicos do cinema, como “Ben-Hur”, “Spartacus”, “A fantástica fábrica de chocolate”, “O grande Gatsby” e tantos outros.
Releituras trazem em si o peso da necessidade de pelo menos se igualar ao sucesso conseguido pelos gênios que criaram o produto original, que só é passível de releitura porque foi, em seu tempo um grande sucesso de crítica e de público, e isso é muito, muito, muito difícil de ser conseguido.
Recentemente, em uma conversa com um querido amigo meu, cuja ideologia difere da minha espacialmente – enquanto ele se posta à esquerda, eu me coloco à direita do espectro político – descobri que nossas diferenças não são assim tão grandes ou inconciliáveis.
Ele é a favor da reforma agrária, da distribuição de terras para pequenos agricultores familiares. Eu também sou! A diferença entre nossas posições, é que eu acredito que as terras que devem ser distribuídas para essas pessoas, não podem, jamais, serem terras que já produzem. Para mim, reforma agrária não pode ser feita em propriedades produtivas, fazendas que realizem um trabalho sem a qual o Brasil não seria o maior produtor de alimentos do mundo!
Penso que o Estado tem que prover essas pessoas, de forma a se estabelecerem, e ajudá-las da melhor maneira possível, mas jamais às custas de quem já produz. Isso não é apenas uma injustiça, mas uma burrice, uma loucura e uma imensa irresponsabilidade.
Sou a favor de saúde e educação gratuitas e de boa qualidade. Sou a favor das cotas, pois acredito que durante muitos anos, indígenas, mulheres, negros, homossexuais, portadores de deficiências físicas, foram e ainda são discriminados e marginalizados. Só que eu acredito que isso não deve ser feito no intuito de semear a luta de classes, que visa unicamente arrebanhar uma parcela da sociedade para o lado de quem defende alucinadamente essa tese, com a qual eu concordo no conteúdo, mas não na forma.
Em algum momento surgiu em nossa conversa o assunto dos privilégios. Existe uma corrente que acredita que privilégios devem ser conferidos primeiro aos mais carentes e só depois disso, aos que tiverem mérito em algum setor, e há outra corrente que acredita que o privilégio deve ser destinado em primeiro lugar aos que possuem mérito, para só depois incluir os menos favorecidos.
É em aspectos como esse que as coisas começam a se complicar, pois estas são concepções completamente antagônicas, muito mais quanto à forma que quanto ao conteúdo. Quanto mais radicais forem os ideólogos, de direita ou de esquerda, mais eles passam a não admitir a inclusão de carentes de um lado ou meritórios de outro. Isso é apenas um exemplo. Muitas outras situações como essa existem.
Um dia desses, ouvi uma tese ser propagada por um ideólogo radical de esquerda, que defendia que a meritocracia deveria ser eliminada da vida social, que o mérito não representa o que há de melhor na sociedade, pois se alguém é o melhor em algum aspecto, é porque certamente se apoiou naqueles mais carentes para se sobressair. Mesmo sendo eu um sujeito aberto ao diálogo, não via como manter uma conversa produtiva com alguém que tivesse um pensamento, para mim tão absurdo como aquele.
Fiquei imaginando que a grande quantidade de pessoas desses grupos marginalizados que se sobressaem meritoriamente estariam perdendo o seu valor por mérito e passariam a ser recompensados pelo fato pertencerem a casta dos desfavorecidos.
Lembrei do filme “Estrelas além do tempo” que fala sobre a vida e a obra de Katherine G. Johnson, uma cientista, negra e de origem pobre que fez mais que muitos homens brancos e ricos, pela exploração do espaço. Lembrei de Jesse Owens, atleta americano negro que humilhou Hitler na olimpíada de Berlin, em 1936. Lembrei de um outro filme, “Self-Made: A vida e história de Madam CJ Walker”, que fala de uma mulher marginalizada e pobre que por seus méritos se tornou uma das maiores filantropas de seu tempo.
Mesmo sendo refratário àquela ideia, por um instante parei para pensar que a minha forma de encarar esse fato deveria ser para aquele militante de esquerda, tão absurda quanto a dele era pra mim, um sujeito que se vê como uma pessoa correta, que pensa em si como um liberal, um moderado de direita.
No decorrer da conversa, aquele meu amigo, que, apesar de pensar diferente de mim politicamente, é uma pessoa inteligente, sensata, de bons propósitos e caráter ilibado, foi vendo que as nossas diferenças não eram inconciliáveis e poderiam facilmente serem contemporizadas, com boa fé e boa vontade.
Nossa conversa já estava na literatura e no cinema quando lá pelas tantas chegaram no barzinho onde eu e ele estávamos conversando, um grupo de amigos dele. Olharam atravessado, cumprimentaram a ele e nem falaram comigo. Algum tempo depois, chegaram dois amigos meus, um fazendeiro e um industrial. Um deles se aproximou, falou comigo e cumprimentou cordialmente o meu amigo, abaixou-se ao meu ouvido e disse baixinho: “Tu e esses teus amigos esquerdistas, né?!…”
Este infelizmente é o retrato de nossa realidade ideológica hoje. Algo completamente insuportável, que não nos deixa margem suficiente para tentar minimamente contemporizar e chegar a uma convivência aceitável, saudável e sustentável com quem pensa diferente de nós.
A intolerância, a falta de temperança e a absurda necessidade de sobrepor o outro, está destruindo as nossas relações pessoais e inviabilizando a convivência.
Meu pai não era exatamente alguém a quem se pudesse designar o adjetivo “filósofo”, mas ele dizia frases baseadas em ensinamentos que aprendera nos livros que lera, entre eles, “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, de Dale Carnegie, e no convívio com seus amigos, como Eduardo Aboud e Clodomir Milet.
Algumas de suas frases ecoam em minha mente até hoje, vinte nove anos depois de sua morte.
Citando Nenem Prancha, ele dizia que “quem pede, recebe, quem se desloca tem preferência”. Essa frase era usada para dizer que as pessoas precisam dizer o que pensam, pretendem e desejam. Além disso essas pessoas precisam se movimentar, se deslocar, ocupar os espaços, buscar espaços vazios, não ocupados por ninguém. Achar o seu lugar.
Esse ensinamento servia para ele próprio e para aqueles que conviviam com ele, tanto no que dissesse respeito ao comércio ou a política.
Já quando ele dizia que dava “um boi para não entrar numa briga, e uma boiada para não sair dela”, estava se referindo unicamente a si mesmo. Era um aviso para aqueles que quisessem desafiá-lo para alguma contenda. Uma advertência no sentido de avisar que pra vencê-lo, o adversário teria que dar tudo de si e um pouco mais. Não era que ele fosse simplesmente turrão. Ele era tenaz e trabalhava como um burro de carga, sendo que de burro ele não tinha nada.
Outra frase que gostava de repetir era: “Poder não é pra quem o tem, mas para quem sabe usá-lo”. Com isso ele queria orientar algumas pessoas detentoras de poder, fossem elas quem fossem, do porteiro da empresa ao presidente dela, do oficial de justiça ao desembargador, do vereador ao presidente da república, do sacristão ao bispo.
Em muitos casos algumas pessoas que ocupam cargos menores, sejam eles eletivos ou comissionados usam o poder de forma melhor ou mais eficiente, eficaz e efetiva que algumas outras pessoas em situação de primazia.
A maioria das vezes, isso acontece pelo fato dessas pessoas, nos dois casos, terem mais ou menos conhecimento ou sabedoria no uso e na prática do poder.
Já vi contínuos se portarem com mais conformidade em suas funções que seus superiores nas funções deles, da mesma maneira que vi oficiais de gabinete atenderem melhor as pessoas que os deputados para quem trabalhavam. O inverso também não é incomum. Existem muitos contínuos e oficiais de gabinete que pensam que são os chefes e usam o pouco poder que lhes cabe de forma desastrosa.
Conheço políticos que não honram os cargos para os quais foram eleitos, deixando de fazer coisas simples e mínimas, como atender bem às pessoas, que em primeira e última instância são os motivos do poder que detêm. Políticos que não conhecem nenhuma das frases definidoras do bom profissional desse setor, propaladas pelo polêmico deputado Nagib Haickel, meu pai.
Eu mesmo tive dificuldade de cumprir alguns desses mandamentos, como por exemplo o de estar sempre disponível, presente a solenidades, comparecer a eventos, reuniões, comícios e similares. Eu era ruim nesse quesito.
Outra frase que meu pai costumava usar como uma espécie de lema era “ninguém é obrigado a empenhar sua palavra, mas se o fizer, deve honrá-la ou resgatá-la com correção, lealdade e honra”.
Alguém que não consiga cumprir esses compromissos mínimos, não merece ter o espaço de poder que ocupa.
Um empresário que não está disposto a se relacionar com seus colaboradores e com seus colegas empreendedores, não merece ter sucesso. A arrogância e a prepotência não leva ninguém, muito menos um político, ao sucesso. A soberba e a autossuficiência, também não.
A história está repleta de exemplos de potenciais lideranças que em pouco tempo demonstraram total incompatibilidade com o bom uso e exercício do poder.
Meu pai era um sujeito muito brincalhão e espirituoso e tinha frases em seu repertório que não eram lá muito elegantes de serem ditas, mas em sua forma simples de ser e agir ele tentava amenizá-las usando palavras menos “agressivas” ao decoro, como “quem tiver medo de defecar, não deve comer” , referindo-se a alguns empresários e políticos que temendo o fracasso, não empreendiam e por isso, de início já haviam fracassado. Desse tipo ele tinha ojeriza, chamava-os de covardes.
Havia uma frase com a qual ele normalmente encerrava uma discussão: Quem viver, verá.
Todas as vezes que estou fora de meu estado, em qualquer que seja o lugar do Brasil, e alguém me pergunta de onde eu sou, e eu digo que sou do Maranhão, a primeira coisa que a pessoa diz é: “Terra do Sarney!”. A terceira coisa que me dizem é que eu não tenho um sotaque característico, mas a segunda é irremediavelmente uma piada sobre o fato de Sarney ter sido presidente da república.
Fico me perguntando, quando é que as pessoas vão entender, e aceitar, que Sarney foi o melhor nome que poderia haver, naquele momento e naquela conjuntura, para levar nosso país a atravessar, sem maiores traumas, aquele oceano turbulento que foi a redemocratização nacional!?
Nem Tancredo teria feito melhor, pois os compromissos que ele tinha, poderiam colocá-lo em uma situação bem desconfortável, como certamente aconteceu com Sarney, mas ele era apenas um substituto e qualquer coisa que ele fizesse ou deixasse de fazer não teria o mesmo impacto negativo, caso tal coisa fosse obra do titular, Tancredo Neves.
Até perdoo as pessoas que só repetem o que ouvem, aquilo que dizem jornalistas e políticos preconceituosos e racistas, pois as pessoas são gado, aqueles que acompanham a manada, já jornalistas e políticos, são membros de duas corjas desqualificadas que tentam impor narrativas que estabeleçam suas “verdades”.
Em algumas dessas ocasiões, já pensei em dizer a essas pessoas que o Maranhão além de ser a terra do ex-presidente José Sarney, é também a terra de figuras importantes, como Gonçalves Dias, Aloísio Azevedo, Humberto de Campos, Maria Firmina dos Reis, Josué Montelo e Ferreira Gullar, todos ligados a literatura. E eu poderia continuar, por páginas e páginas, citando nomes de figuras importantes de nossas artes, mas a esmagadora maioria não saberia nada sobre tais personalidades.
Fico me perguntando até quando, pessoas despreparadas para entenderem os fatos da política, vão continuar a falar bobagens sobre coisas obvias e cristalinas.
Faço uma análise rápida dos fatos e procuro fazer isso sem nenhum compromisso ou paixão.
Vejo que a ascensão de Sarney como líder de grande estatura e relevância nacional, só ocorreu depois da morte de Petrônio Portela. Essa constatação vem junto com outra sobre uma de suas características mais importantes. Sarney sabe como pouquíssimos ocupar os espaços vazios ou vagos e como um Fred Astaire da política, baila e sapateia como poucos pelos salões do poder, graças à sua cultura, sua simpatia e sua perspicácia. Ele executa primorosamente um dos mandamentos do futebol, estabelecido por Nenem Prancha: “Quem pede recebe, quem se desloca, tem preferência”.
Como presidente do PDS, então partido do governo, construiu inúmeras conexões e solidificou amizades e parcerias, tornando-se não apenas um homem poderoso, mas principalmente uma pessoa respeitada e bem quista.
A característica fundamental que distingue Sarney de outros líderes de seu tempo, é que no que diz respeito ao capítulo XVII do livro “O príncipe” de Maquiavel, ele não faz escolha entre ser amado ou temido. Ele opta por ser amado por alguns e ser temido por outros, sendo que aqueles que o amam, o fazem para não terem que temê-lo, e aqueles que o temem, o fazem por não terem oportunidade de amá-lo.
Desde a redemocratização, o único ocupante da presidência da república que se aproxima de José Sarney em intelecto e capacidade política é Fernando Henrique Cardoso. Collor, Itamar, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro, não estão nem no nível intelectual, nem no nível político de JS e FHC.
É bem verdade que Lula é um ponto fora da curva, por seu carisma, por sua popularidade, coisa que se poderia dizer também sobre Bolsonaro, por uma outra abordagem.
Ainda sobre Lula, ele tem características que faltam em Sarney. A audácia de Lula faltou a Sarney. Ele ficou refém do PMDB e de Ulisses durante todo seu governo. Se ele tivesse sido audacioso, seria insuperável, mas poderia ter colocado em risco a sua maior obra, a redemocratização nacional, patrimônio que só será realmente reconhecido e valorizado quando as pessoas entenderem um pouco sobre política em seu sentido maior.
Pensando bem, se faltou a Sarney a audácia de Lula, vejo que se Lula tivesse algumas características comuns a Sarney ele poderia ter se saído melhor e não ter acabado como acabou.
Enfim, toda vez que digo que sou do Maranhão, as pessoas lembram imediatamente de Sarney, mas raramente pelo motivo correto e justo, que é o de estarmos vivendo em um país democrático. É bem verdade que nosso país é cheio de mazelas, mas o fantasma de um regime de exceção, de um regime autoritário, onde as garantias individuais e coletivas não eram respeitadas, isso não temos mais, graças à dedicação de um homem que se não fez tudo certo na vida, nos legou a democracia.