Conversa sobre caos.

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“No inicio, era o caos…” Qual a intenção do sujeito que escreveu no Gênesis tais palavras? Ou melhor, qual a intenção dos que, através da tradição verbal, fizeram com que essa idéia, essas palavras, chegasse até nós.
Quando escrevo, costumo pensar que existe o mundo e existe a palavra, existe a nossa experiência com mundo e a nossa experiência com a palavra. Na página em branco, na tela do computador, diante de mim está o caos do mundo e o caos da palavra que vou tentando ordenar, operando, deste modo, uma passagem, do vazio e/ou da desordem, para o ordenamento de meus pensamentos e de minhas idéias. Assim, por analogia, posso deduzir que caos é o total vazio, a existência absoluta do nada ou do mesmo modo, a definitiva inexistência qualquer coisa. Há também a possibilidade de caos, ser o que esta no dicionário, “grande confusão ou desordem”, sinônimo que se associa, pelo excesso de uso, imediatamente a essa palavra de origem grega.
Penso sobre o caos, que pode ser aquele causado por medidas econômicas do governo ou do mercado, que de vez em quando nos surpreendem, ou o caos ocasionado pelas chuvas, engarrafamentos, inundações ou catástrofes. No mundo da Física, por exemplo, os cientistas insistem em pesquisar sobre um tipo especial de caos, que assola o mundo microscópico da matéria, provocando desordem entre os átomos de uma mesma substância. Já na medicina, o caos é provocado pela desordem causada por átomos de uma substância alheia ao meio em questão, no caso o corpo humano.
Alguns filósofos acreditam que o caos não é tão desorganizado. Há uma certa ordem escondida por trás da confusão aparente. É possível então aproveitar certos estados “organizados” do caos estabilizá-los e devolver a harmonia à bagunça? Sou dos que acredita firmemente nisso.

Já houve quem apontasse o tema caos como forte candidato ao Prêmio Nobel de Física. Mas não vingou. Ganharam os quarks, as menores partículas da matéria comum. Há uns 30 anos, o cenário era mais pobre, cientistas achavam que não havia remédio para o caos. Mesmo a mais poderosa das matemáticas não poderia prever o futuro depois de instalada a desorganização. Com o status adquirido nas últimas décadas, o caos ganhou vigor e virou moda. Resultados teóricos e experimentais já comprovaram que até mesmo a passagem para o estado caótico é feita sob uma determinada ordem.
Eu prefiro, no entanto, estudar e pensar no caos de uma forma mais didática. Vejamos a agricultura: Antes do plantio há o caos, vazio ou desordem. Com trabalho se prepara a terra, se semeia, se colhe. Armazena-se e se come o fruto do fruto desse trabalho e recomeça o ciclo.
Em tudo, no mundo e na palavra, na idéia e na ação, o caos é presente, pois é somente dele que nascem as coisas. Só existe fato no caos, seja por existir o vazio, seja por haver a desordem. O certo mesmo, é que continuamos no inicio de onde acho que nunca saímos, no caos.
Hoje entendo um pouco mais da alma do poeta, pelo menos daquele que quando indagado de quando e como escrevia seus versos, respondia: “nunca quando esta tudo normal. É preciso cabeça ou vida, em calmaria ou vendaval.”

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Carta para Zahle, Líbano.

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São Luís, Maranhão, Brasil, Mundo, 14 de setembro de 2001.

Caro “Brimo” Aziz,
Quando faltam adjetivos para qualificar-se uma coisa, um sentimento, um fato, é porque essa coisa, esse sentimento, esse fato são inomináveis e inqualificáveis ou porque a língua é pobre. Hoje e desde a ultima terça-feira, 11 de setembro, a humanidade confronta-se com um problema menor, mas preocupante: todas as línguas e formas de comunicar-se usadas pelos homens, sobre esse planeta, padecem de pobreza, pois não existe como, com poucas palavras, explicar-se ou sequer comentar-se o que aconteceu naquela pequena ilha americana, nas proximidades da latitude norte 40º 42’ 51’’.
No inicio, era um aparelho de Tv que mostrava uma das paisagens mais conhecidas em todo mundo, o complexo do Word Trade Center, localizado ao sul da ilha de Manhantan em Nova York. “Acabou de ocorrer um inacreditável desastre. Um avião de passageiros chocou-se contra uma das torres do Word Trade Center”. Eu que chegava para uma reunião, lívido, desabei num sofá em frente da Tv e liguei-me na tragédia que ainda no inicio, já transtornava. Meia dúzia de minutos depois, olhando para aquele mesmo aparelho que nos ligava ao mundo, presenciei com esses olhos incrédulos o suicídio de alguns fanáticos radicais e o homicídio deliberado e instantâneo de algumas centenas de pessoas inocentes, quando um outro avião entrou parede adentro da outra torre do Word Trade Center, como faca rígida e quente em um macio cubo de manteiga. Inacreditável, inimaginável, assombroso, terrível, horroroso, pavoroso, impossível… Não há palavras que possa definir tamanha infâmia, tamanha covardia.
Em mim, quando me aflige a angustia e o desanimo, as articulações dos meus ombros ficam impotentes e meus braços perdem a força e a vontade de mover-se, fico desombrado. Foi como fiquei durante horas. Não consegui durante horas sorver um suspiro profundo, minha respiração ficou curta, pequena. Meus olhos pareciam querer sair das órbitas. Não sabia o que pensar, apesar de saber instantânea e instintivamente do que se tratava.
TERRORISMO: Modo de coagir, ameaçar ou influenciar outras pessoas ou impor-lhes à vontade pelo uso sistemático do terror. Forma de ação política que combate o poder estabelecido mediante o emprego da violência. Ao dicionarista não cabe qualificar e sim explicar e esclarecer o que é terrorismo, mas a nós cidadãos do mundo, membros do partido da humanidade, cabem abominar, rechaçar e combater a suprema loucura daqueles que transferem os campos de batalha para as ruas das cidades, para as casas das pessoas comuns, para o dia a dia de todos nós.
A questão subjetiva da crença teológica por um lado, e por outro, à vontade de impor o seu modo particular e pessoal que encarar e exercer a vida, suas relações e seus desdobramentos são os mais complicados dos problemas que existem na atualidade. É a guerra cultural, somatório da guerra bélico-financeira com a cruzada preconceito-religiosa. É o caos total.
Nessa altura do campeonato não me lembro quem foi que disse que guerra nenhuma se ganha, que em qualquer guerra todos os lados são perdedores, e quem o disse também não importa, o importante é que isso é a mais pura verdade. Se numa guerra convencional restrita a soldados e exércitos, que estão lá para matar e/ou morrer, ninguém vence no final, imaginem numa guerra onde o soldado é o seu vizinho, o seu irmão, você, e as armas não são tanques ou mísseis, mas são os meios de transportes que usamos, a água que bebemos, o ar que respiramos?
Não sei mais como continuar escrevendo, meu coração fica pequeno, minha garganta fecha, meus olhos se afogam. A angustia toma conta. Não posso, não podemos, não podem, permitir que a raiva e a vingança tomem conta de nossos espíritos, dos espíritos deles.
Miremo-nos neste caso, no exemplo de um profeta neutro, Buda. Digamos não a violência, vamos procurar os culpados, vamos prende-los e julga-los, mas de forma justa e inexorável. Não vamos correr o risco de punir inocentes, pessoas comuns: crianças, mulheres, homens, velhos, e todos aqueles a quem um dia, um outro profeta, deu de herança os seus reinos.
É bem verdade que o povo palestino tem sido sempre tratado de modo desigual, seja política, seja econômica, seja religiosamente, mas isso não da o direito a qualquer individuo ou a qualquer nação tomar em suas mãos as vidas, os destinos de pessoas inocentes. Esse ato de terror ao invés de ajudar as causas palestinas e muçulmanas, prejudica, espero que não de forma irreversível.
Rogo ao Deus todo poderoso, Deus de todas as religiões, que guie os passos e as atitudes daqueles que dirigem os destinos da humanidade, impedindo que mais uma vez inocentes paguem por pecadores, como aconteceu no caso dessa maravilhosa terra dos meus avós, o Líbano, que até hoje não conheço, mas que pretendo conhecer antes do fim dos tempos.
Um grande e esperançoso abraço em todos e que Deus nos proteja.

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Cheiro de Mãe Didi no ar

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Mesmo depois de uma noite como há muitos anos não se via, na ultima terça-feira, dia 5, acordei cedo, como sempre. Mas havia no ar, um forte cheiro que me lembrava mãe Didi.
Êta paragrafozinho que carece de explicação! Pelo menos três explicações se fazem imprescindíveis para que alguém entenda o que tentei dizer aí em riba.
A primeira é sobre a noite de segunda-feira, dia 04. Há muitos anos não presenciava tamanho vendaval. Foi uma chuva fortíssima, de ventos intensos e em várias direções. Coisa de filme de terror ou de cinema catástrofe.
A segunda explicação que se faz necessária, é: Quem é mãe Didi. Raimunda Leite era o seu nome. Ela foi a mulher que ajudou minha avó a criar seus filhos, principalmente minha mãe, então uma criança magrinha e asmática.
E finalmente, em terceiro lugar, porque acordei sentindo o cheiro de mãe Didi! Não que ela usasse algum perfume especial. Usava leite de rosas. Mas não era esse o cheiro que me chamava atenção. Era um dos cheiros de minha infância e olha que a minha infância foi repleta de cheiros. O cheiro de plástico, que era uma substancia nova para a época. Do cheiro do rinoceronte Cacareco eu nunca esqueci. O cheiro de asfalto queimado, a cidade estava sendo literalmente “pinchada”. O cheiro diferenciado da Pepsi e da Coca e o cheiro cor de rosa da Jesus. O cheiro (não a visão) da cozinha do Jaguarema. A gasolina tinha outro cheiro na minha infância. As manhãs tinham um cheiro diferente. O cheiro do sabão de coco ainda é o mesmo, mas outro dia peguei uma barra de sabão (Andiroba?) e é completamente diferente.
Mas na terça feira, a casa exalava um cheiro que me remetia à mãe Didi. Saí procurando de onde vinha tal odor até chegar na cozinha e dar de cara com Lili esquentando pão numa grelha. Ai minha memória voltou como se tivesse rebobinando uma fita VHS. Só faltava fazer aquele barulhinho característico. Voltei no tempo. Dei um pause no momento em que mãe Didi esquentava um pão num fogareiro usando uma grelha. Lembrei que às vezes, quando não havia grelha, ela enfiava o pão em um garfo e ficava rodando ele até assar igualmente. Quem de vocês que nasceu entre 55 e 65 que nunca presenciou uma cena dessas?
O cheiro de mãe Didi era o cheiro do pão grelhado que tomou conta da casa, das minhas narinas, do meu cérebro e da minha memória.
Agora, aqui, escrevendo, relembro de dois outros cheiros que me remetem até mãe Didi. O primeiro é curioso. É o cheiro das cascas de laranjas secas com as quais ela fazia chá e o segundo é cheiro abafado das mil caixinhas de metal onde ela guardava de um tudo: Linhas, botões, agulhas, broches, papeis, retratos, rótulos, caixas de remédios velhas…
Lembro-me que já bem velhinha, ela fazia questão de levar ela mesma a comida para o vigia, mesmo já andando com dificuldade. E pobre de quem tentasse impedi-la. Ficava zangada.
Lembro-me também que foi dela a primeira tentativa de explicação que eu ouvi de alguém para o amor. Certa vez, ela me viu meio quieto, o que sempre foi muito raro, notou que eu estava pensativo, quase triste, e foi falar comigo, perguntar o que eu tinha. Como é de mim, e sempre foi, desconversei, disse que não era nada. Ai ela me saiu com essa: “Jotinha, tu sabe o que é o amor?” Eu fiquei sem entender nada. Devia ter uns doze anos e me perguntava! O que saberia sobre o amor àquela velha mulher que jamais havia sequer tido um namorado? “É quando agente não pensa em outra coisa. Quando o coração da gente dispara, parecendo que vai sair pela boca e quando os joelhos da gente não param de tremer, mas não é medo.” Na hora achei engraçado. Só vim entender o que ela queria me dizer, tempos depois, quando senti aqueles sintomas descritos por ela com tanto perfeição.
Afinal de contas porque estou falando tanto de mãe Didi? Deve ser porque estou sentindo falta do que ela tinha de melhor para oferecer a esse mundo: solidariedade através de ensinamentos simples e generosidade através de pequenas ações. Esse pouco, feito por muitos, é tudo.

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A verdadeira beleza

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Na praça do mercado de Nazihr, uma cidadezinha próxima a Agra, na Índia dos marajás, numa certa manhã de outono, um jovem de nome Vasti, exibia seu coração, que todos achavam o mais bonito do lugar. Uma grande multidão em torno dele admirava seu coração, pois ele era perfeito. Não havia nele um único sinal que lhe prejudicasse a beleza. Todos reconheciam que realmente era o coração mais bonito que jamais haviam visto. Vasti estava vaidoso e ostentava seu coração com crescente orgulho. De repente um velho homem, um tanto eremita, conhecido pelo nome de Mehta, montado em seu cavalo, surgiu no meio da multidão, desceu do cavalo e bradou: “Seu coração nem de longe é tão bonito quanto o meu!” Todos olharam para o coração do velho homem que Batia regular e fortemente, mais era cheio de cicatrizes. Havia lugares onde faltavam pedaços e também partes com enxertos que não se encaixavam bem, e tinham as laterais ressaltadas.
A multidão se espantou! Como aquele homem podia dizer que seu coração era mais bonito?
Vasti olhou para o coração do velho Mehta e disse, rindo: “O senhor deve estar brincando! Compare seu coração com o meu e veja. O meu é perfeito e o seu é uma confusão de cicatrizes e emendas!”. Disse-lhe então o velho homem: “O seu tem aparência perfeita mais nunca trocaria o meu por ele. Estas marcas representam pessoas a quem dei o meu amor. Eu arranquei pedaços do meu coração e dei a elas e, muitas vezes, elas me deram pedaços de seus corações para colocar nos espaços deixados no meu; como esses pedaços não eram de tamanho exato, hoje parecem enxertos feios e grosseiros, mas eu os conservo como lembranças de amor que dividi com aquelas pessoas. Algumas vezes eu dei pedaços do meu coração e as outras pessoas que o receberam não me deram em retorno pedaços dos seus. Esses são os buracos que você vê. Dar amor, dar o coração, é arriscar. Embora esses buracos doam, eles permanecem, aí, abertos, lembrando-me do amor que tenho por aquelas pessoas, e tenho esperança que um dia elas me dêem retorno desse amor e preencham os espaços que ficaram vazios”.
O jovem Vasti, tendo então entendido o que é realmente o significado da beleza, em silêncio, com lágrimas rolando pela face, caminhou na direção do velho homem, olhou para o próprio coração e arrancou um pedaço, e com as mãos trêmulas ofereceu-o a ele. Mehta pegou aquele pedaço, colocou no seu coração e tirando dele um outro pedaço, colocou-o no espaço deixado no coração do jovem. Coube, mais não perfeitamente, já que havia irregulares beiradas.
Vasti olhou para o seu antes tão perfeito coração, já não tão perfeito depois disso, mas, no entanto muito mais bonito do que sempre fora.
Diante da multidão que os observava em respeitoso silêncio, eles se abraçaram e saíram andando lado a lado, seguidos por Gita, o cavalo do homem velho, cujas patas batendo no solo emitiam o som de corações pulsando.

* Crônica adaptada de uma estória antiga, mas pautada em acontecimentos recentes.

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A gota d’água e o ponto final.

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Carta de Oscar Wilde a seu amante, Lorde Alfred Douglas, o Boise.

Querido Bosie,
Ao contrario das outras vezes, desta, procurei simplesmente não reagir, não revidar, não responder de forma meramente reflexa. Procurei pensar bastante, deixar passar os dias. Analisei e refleti sobre o caso todo. Fiz um retrospecto, uma mea culpa até chegar a uma conclusão que espero, seja a mais correta e definitiva.
Agora, depois do que aconteceu na última terça-feira, eu tive a certeza mais que absoluta de tudo que você é capaz de fazer, de até onde você é capaz de ir. Certeza essa que eu já deveria ter tido há muito tempo, mas que só tive agora devido ao fato de eu ser um sujeito muito teimoso, muito cabeça dura, porque qualquer pessoa normal já teria facilmente constatado, tempos atrás, que é impossível ter um relacionamento baseado em confiança, respeito, entrega e devoção com alguém como você.
O que realmente aconteceu não importa. O que importa é a armação de toda a mentira, o que importa é toda a dissimulação que você arquitetou, é a sua incapacidade de se manter leal, de ser coerente.
Mas para mim não faz mais nenhuma diferença. Tudo que já havia acontecido, todas as mentiras e dissimulações já bastava. Tudo que já acontecera antes já fora o suficiente há muito tempo, só eu insistia nessa novela.
Eu é que nunca quis enxergar, mas a nossa história já havia sido escrita há muitos anos atrás, a História de Peter e Mary Farm: No condado de Yorkshire havia um homem chamado Peter Farm. Peter tinha uma pequena propriedade e uma mulher mais jovem que ele. Eles viviam muito bem, na medida de suas posses e de suas possibilidades. Apesar da grande diferença de idade entre eles, a única coisa que Peter exigia da mulher era que não fizesse nada que ela mesma pudesse imaginar que ele, o marido, não concordaria. Certo dia, as irmãs de Mary passaram em sua casa e a convidaram para fazer um piquenique no campo, e ela foi. Quando ela voltou para casa encontrou suas coisas arrumadas no meio da sala e Peter sentado numa cadeira. Ele mandou-a ir embora com as irmãs e não mais voltar. Ela indagou o porquê: “Só porque fui com as minhas irmãs fazer um passeio?” – “De modo algum. Mas pelo fato de você, na volta do passeio, ter pulado a cerca do pomar dos Grhams e tirado algumas pêras para trazer de presente para mim.” – “ Mas só por isso?” – “Lógico que não! Eu estava por lá conversando com James Grhams e ouvi o que você disse para suas irmãs: Não contem para o Peter que peguei estas pêras do pomar dos Grhams, ele não concordaria com isso. Vamos dizer a ele que compramos de uma simpática velhinha na estrada. “
Bosie, querido, o que eu quero é ser feliz, é encontrar alguém que possa cuidar de mim, alguém em quem possa confiar. E está muito claro que é impossível ser feliz com alguém que diz uma coisa e faz outra, com alguém que dissimula e tenta enganar até ao espelho. Está muito claro que se você é incapaz de cuidar de si ou de quem quer que seja, então como é que vai cuidar bem de mim?
Com a alma atormentada, a mente embriagada e o coração embargado, me despeço,
Oscar.

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A importância do perdão

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Aconteceu em Yecheng, um remoto vilarejo entre a cordilheira do Himalaia e o deserto de Takli Makan, na China Imperial, por volta do ano 600 depois de Cristo: Após a aula com o mestre Mu Lau, o pequeno Xun Li entra em casa, batendo fortemente seus pés no chão. Kim Jiu, seu avô, que estava indo para o quintal fazer alguns serviços na horta, ao ver aquilo chama o menino para uma conversa.
Xun, de oito anos de idade, o acompanha desconfiado e antes que o avô dissesse alguma coisa, fala irritado: “- Avô, estou com muita raiva. Jan Jian não deveria ter feito isso comigo. Desejo tudo de ruim para ele”.
Seu avô, um homem simples, mas cheio de sabedoria, escuta, calmamente, o neto que continua a reclamar: “- Jan me humilhou na frente dos meus amigos. Não aceito. Gostaria que ele ficasse doente sem poder sair de casa”.
O avô escuta tudo calado enquanto caminha até um deposito onde guardava entre outras coisas, um saco cheio de carvão. Levou o saco até o fundo do quintal e o menino, calado, o acompanhou.
Xun vê o saco ser aberto e o seu conteúdo ser derramado no chão e antes mesmo que ele pudesse fazer qualquer pergunta, o avô lhe propõe algo: “- Honorável neto, faz de conta que aquela camisa branquinha que está secando no varal é o seu amiguinho Jan e cada pedaço de carvão é um mau pensamento seu, endereçado a ele. Quero que você jogue todo esse carvão na camisa, até o último pedaço. Depois eu volto para ver como ficou”.
Xun achou que seria uma brincadeira divertida e pôs mãos à obra. O varal com a camisa estava longe do menino e poucos pedaços do carvão acertavam o alvo. Uma hora se passou até que Xun terminasse a tarefa. O avô que, entre uma poda e outra, espiava tudo de longe se aproxima do menino e lhe pergunta: “- Como está honorável neto se sentindo agora? – Estou cansado avô, mas estou alegre porque acertei muitos pedaços de carvão na camisa”.
Kim olha profundamente para o menino, que continua sem entender a razão daquela brincadeira, e carinhosamente lhe fala: “- Venha comigo até o meu quarto, quero lhe mostrar uma coisa”.
O neto acompanha o avô e é colocado na frente de um grande espelho onde pode ver todo o seu corpo. Que susto! Só conseguia enxergar seus dentes, quando sorria, e o branco dos olhinhos, o resto tudo, estava preto de fuligem, da brincadeira com o carvão.
Kim então, lhe diz ternamente: “– Meu querido neto caçula, você viu, a camisa quase não ficou suja; mas, olhe só para você. O mau que desejamos aos outros é como o que lhe aconteceu. Por mais que possamos atrapalhar a vida de alguém com nossos pensamentos, a borra, os resíduos, a fuligem, ficam sempre em nós mesmos. Espero que tenha aprendido a lição. Agora, honorável neto vai se lavar e volta aqui”.
O pequeno Xun Li sai cabisbaixo, e obedece ao seu sábio avô, lava-se e volta a sua presença: “– Agora honorável neto vai ao varal, recolhe todo aquele carvão no saco e guarda no deposito. Quando tiver acabado ira descobrir que precisará lavar-se outra vez, depois disso honorável neto poderá ir brincar com seu amigo Jan Jian”.

* Crônica adaptada de uma estória antiga, mas pautada em acontecimentos recentes.

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A escolha

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Um jovem conde, Sir Oliver de Warhill, foi surpreendido por seu monarca enquanto caçava furtivamente num bosque. O rei poderia tê-lo matado no ato, pois era o castigo para qualquer um que violasse as leis da propriedade real, contudo se comoveu ante a juventude e a simpatia do jovem tão recentemente órfão – seu pai havia a pouco sido morto em batalha. O rei, no entanto, que passava por serias dificuldades em seus relacionamentos com as mulheres; com sua mãe, com sua esposa e com suas duas filhas, lhe ofereceu a liberdade, desde que no prazo de um mês, Oliver lhe trouxesse a resposta a uma pergunta difícil. “O que querem realmente as mulheres?”
Semelhante pergunta deixaria perplexo até o mais sábio dos Druidas, e ao jovem Oliver lhe pareceu impossível de respondê-la. Contudo aquilo era melhor do que a morte, de modo que regressou a seu castelo e começou a interrogar as pessoas: a sua mãe, a sua irmã, as prostitutas, os monges, os sábios, o bobo da corte, em suma, a todos e ninguém soube dar-lhe uma resposta convincente. Porém todos o aconselharam a consultar a velha bruxa, porque somente ela saberia a resposta. O preço seria alto, já que a velha bruxa era famosa em todo o reino pelo exorbitante preço cobrado pelos seus serviços.
Chegou o último dia do prazo acordado e Oliver não teve mais remédio senão recorrer a feiticeira. Ela aceitou dar-lhe uma resposta satisfatória, com a condição de que ele aceitasse o preço: Ela queria casar-se com Saymor, o cavaleiro mais nobre do reino, tio e protetor de Oliver, um solteirão convicto, mas muito sábio e bondoso. O jovem Oliver olhou-a horrorizado: era horrenda, tinha um só dente, desprendia um fedor que causava náuseas até a um cão, fazia ruídos nojentos. Ele nunca havia encontrado com uma criatura tão repugnante. Acovardou-se diante da perspectiva de pedir a um tão querido amigo, o maior de toda a sua vida, para assumir essa carga terrível. Não obstante, ao inteirar-se do pacto proposto, Saymor afirmou que não era um sacrifício excessivo em troca da vida de seu sobrinho e a preservação do clã dos Warhill.
Anunciadas as bodas, a velha bruxa, com sua sabedoria infernal, disse: O que as mulheres realmente querem? Serem Soberanas de suas próprias vidas!
Todos souberam no mesmo instante que a feiticeira havia dito uma grande verdade e que o jovem Oliver estaria salvo. Assim foi. Ao ouvir a resposta, o monarca lhe devolveu-lhe o direito a sua vida. Porém, que bodas tristes foram aquelas. Toda a corte assistiu e ninguém se sentiu mais desgarrado, entre o alívio e a angústia, que o próprio Oliver. Saymor mostrou-se cortês, gentil e respeitoso. A velha bruxa usou de seus piores hábitos, comeu sem usar talheres, emitiu ruídos e um mau cheiro espantoso.
Chegou a noite de núpcias. Quando Saymor, já preparado para ir para a cama, aguardava sua esposa, ela apareceu como a mais linda, charmosa e delicada mulher que um homem poderia imaginar! Saymor ficou estupefato e lhe perguntou o que havia acontecido.
A jovem lhe respondeu com um sorriso doce, que como ele havia sido cortês com ela, a metade do tempo se apresentaria horrível, como aquela bruxa, outra metade com o aspecto de uma linda donzela, como ali estava. Então ela lhe perguntou qual ele preferiria para o dia e qual para a noite.
Uma pergunta cruel. Saymor se apressou em fazer cálculos. Poderia ter uma jovem adorável durante o dia para exibir a seus amigos e a noite na privacidade de seu quarto uma bruxa asquerosa ou quem sabe ter de dia uma bruxa e uma jovem linda nos momentos íntimos de sua vida conjugal.
O nobre Saymor, após pensar por um instante, respondeu-lhe que a deixaria escolher por si mesma.
Ao ouvir a resposta, ela anunciou que seria uma linda jovem de dia e de noite, porque ele a havia respeitado e permitido ser soberana de sua própria vida, senhora de seu destino.

* Crônica adaptada de uma estória antiga, mas pautada em acontecimentos recentes.

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A causa e seus argumentos.

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Gostaria de desenvolver o nosso bate papo deste domingo em cima de uma frase do filosofo alemão Friedrich Hegel: “Quem exagera o argumento, prejudica a causa”.
O conhecimento e o entendimento que resultam da analise desta sentença é simples como um ovo. E poucas coisas são tão simples, eficientes e completas como um ovo.
A historia tem demonstrado que, todas as vezes que se carregou muito a mão nas tintas dos argumentos, as causas que os mesmos defendiam, caiam para um plano inferior, tornavam-se secundarias, dando origem, muitas vezes, a outras causas bem diferentes daquelas originalmente defendidas tão ferozmente por seus argumentos.
Um exemplo disso é o macartismo. Joseph McCarthy, obscuro Senador pelo pequeno estado de Michigan, presidiu o comitê permanente de investigação de operações do governo, no inicio dos anos 50 do século passado. No intuito de investigar, a principio, a infiltração comunista na administração publica, ele implantou nos Estados Unidos um clima bem parecido ao da santa inquisição, estendendo as investigações a toda sociedade americana, principalmente nos meios jornalísticos e artísticos.
As causas não devem jamais ser suplantadas por seus argumentos. Argumentos excessivos têm a capacidade de invalidar causas muitas vezes perfeitas, corretas e justas.
Outro exemplo é o nacional socialismo na Alemanha. No inicio, ele tinha como causa fundamental o ressurgimento da nação e o fortalecimento do moral do povo alemão, derrotado em uma guerra suja que se dizia ter sido feita para acabar com todas as guerras, e usurpado por um tratado de paz humilhante e escorchante.
Depois de ter chegado ao poder, o partido nazista, deu demasiada ênfase a alguns argumentos radicais que defendiam sua causa, que no tocante à restauração do funcionamento eficiente do estado alemão, no restrito beneficio de seu povo, era uma causa muito justa. Mas com a exacerbação de seus argumentos, com a elasticidade moral, ética e lógica deles, sua causa que antes era justa, tornou totalmente abominável e inaceitável.
O projeto que visa reverter a doação do Convento das Mercês, legalmente feita pelo Estado, através de projeto de lei formalmente votado e aprovado pelo poder legislativo à Fundação da Memória Republicana, é o uso exagerado de argumentos em defesa de uma determinada causa, mais recente e próximo de nossa realidade. Isso para não se falar, nos tais trinta milhões de dólares que, segundo alguns, quando liberados, irão resolver o problema da miséria e da pobreza no Maranhão! Como se esse dinheiro fosse realmente para resolver tal problema!
A Fundação da Memória Republicana é possuidora de imenso e magnífico acervo histórico, artístico e cultural, e desenvolve ações de cunho social e assistencial em nossa comunidade, notadamente em sua circunvizinha.
Imagino que os adversários do ex-presidente José Sarney tenham muita vontade de vê-lo fora do comando político de nosso estado, coisa que acredito, não acontecerá tão cedo. Mas exagerar nos argumentos para defender essa sua causa não vai levá-los a lugar algum. Talvez só a mais uma derrota.
É bom que se diga que o prédio do Convento das Mercês, antes, estava totalmente destruído e que foi reformado através de recursos federais destinados ao Maranhão quando Sarney era presidente da republica.
Pra que devolver-se ao estado um prédio, onde funciona, e bem, o nosso museu mais visitado? A devolução do prédio do convento significará desmontar-se um museu que recebe milhares de visitantes todos os anos, o desmantelamento da Banda do Bom Menino e a condenação do prédio ao abandono, da mesma forma em que se encontram outros monumentos históricos e culturais de nossa terra.
Tal projeto, só existe, na vã e torpe tentativa de, com ele, atingir-se a pessoa de José Sarney. Uma figura, a quem alguns se opõem politicamente, mas que nem por isso deve ser atacado tão covardemente, através da tentativa de se destruir esse projeto só por ser de sua concepção e autoria. Projeto que só engrandece a nossa terra e principalmente às pessoas humildes que vivem no bairro do Desterro.
Quem quiser se opor politicamente à Sarney, que se oponha a ele nos palanques ou nas urnas. Porque exagerar nos argumentos quando a causa na verdade é outra?
O que a Fundação da Memória Republicana e o Convento das Mercês têm a ver com o fato de um deputado, um governador ou mesmo todo um grupo político, se oporem à Sarney?
Qual o desserviço que causa ao Maranhão e a sua gente o ótimo Funcionamento da Fundação da Memória Replubicana no prédio do Convento das Mercês?
A reversão do convento ao Estado vai resolver o seu problema de IDH? Vai solucionar nossos problemas de educação, saúde, água, energia elétrica, estradas, emprego, agricultura…?
Se isso for resolver os problemas que afligem o nosso Estado e a nossa gente, eu, como deputado, votarei a favor. Como sei que essa é apenas e tão somente mais uma manobra política para tentar atingir objetivos estratégicos e fragilizar Sarney, e o que é pior, causando grave prejuízo para nosso patrimônio cultural, votarei contra.
Ao exagerar nos argumentos para tentar ganhar de Sarney, seus adversários comprovam o entendimento da frase de Hegel: quem exagera nos argumentos, é porque não tem uma causa digna para defender.

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A comparação

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Por volta do ano de 1200 da nossa era, no Japão feudal, havia um poderoso senhor da guerra conhecido como Kira Moru, o sábio. Ele possuía um exército muito bem preparado e motivado apesar de não ser tão numeroso. A frente desse exército estava um ex-monge budista chamado Ykeda Jodo, um guerreiro frio, exímio estrategista, um comandante respeitado e amado por seus homens, admirado e temido por seus inimigos. Ykeda era um Samurai muito orgulhoso, mas já sentindo que o seu fim estava próximo, quis rever seu velho mestre zen, a quem não via há muitos anos. Foi então até seu senhor e pediu-lhe permissão para fazer a viagem até ao mosteiro de Nagazori. Kira consentiu desde que Ykeda levasse consigo dois pupilos para treina-los pelo caminho, o senhor escolheria um e o samurai escolheria o outro. E foram os três, Ykeda e seus pupilos, Akio e Terume.
Meses depois os três chegaram ao mosteiro onde vivia o mestre Matshushiro. Ao reencontrar seu antigo professor e guia espiritual, a beleza e o encanto daquele momento fez com que o orgulhoso guerreiro se sentisse repentinamente inferior, e perguntou ao mestre: “- Matshushiro san, por que estou me sentindo tão pequeno? Apenas um momento atrás, tudo estava bem. Quando aqui entrei, subitamente me senti inferior, eu jamais me senti assim antes. Encarei a morte muitas vezes, mas nunca experimentei medo algum. Por que estou me sentindo assustado agora?” “- Espere. Quando todos tiverem partido, mostrar-lhe-ei a resposta.” – disse o mestre.
Durante todo o dia, pessoas chegavam para ver o mestre Matshushiro, e Ykeda estava ficando cansado de esperar. Ao anoitecer, quando não havia mais ninguém para ver o mestre, o Samurai perguntou novamente:- “Agora o senhor pode me responder por que me sinto tão inferior?”

O mestre o levou para o jardim, era uma noite de lua cheia e a lua estava justamente surgindo no horizonte. E o mestre disse:- “Olhe para aquelas duas árvores, lembra-se delas, foi eu quem mandou que você as plantasse, há muitos anos. A árvore alta e a árvore pequena ao seu lado, ambas estiveram sempre juntas aqui no nosso jardim e nunca houve problema algum com elas. A árvore menor jamais se sentiu inferior. Esta árvore é pequena e a outra é maior, e isto é fato, e nunca houve sussurro algum sobre isso. O Samurai então, argumentou dizendo que Isso acontecia porque as arvores não podiam se comparar, ao que o Mestre replicou:- “Então não deverias me perguntar porque te sentes menor agora que voltastes aqui, Você sabe a resposta. Quando você não compara, toda a inferioridade e superioridade desaparecem. Você é o que é. Simplesmente existe. Um pequeno arbusto ou uma grande árvore, não importa. Uma conchinha do imenso mar é tão necessária quanto a maior das estrelas do firmamento. O canto de um pássaro é tão necessário quanto qualquer Buda, pois o mundo será menos rico se este canto desaparecer. Simplesmente olhe à sua volta. Tudo que há é necessário e tudo se encaixa. É uma unidade orgânica: ninguém é mais alto ou mais baixo, ninguém é superior ou inferior. Cada um é incomparavelmente único. Você é necessário como é e basta. Na Natureza, tamanho não é diferença. Tudo é expressão igual de vida. Cada coisa e tudo têm o seu lugar. Veja os seus dois discípulos: um é pequenino e ágil, o outro é um gigante fortíssimo. Um é excelente arqueiro e domina o uso das armas, o outro tem grande astúcia e raciocínio rápido. Se você fizer comparações entre eles poderá imaginar que eles são dispensáveis e não são, pois depois de você, seu senhor e seu povo ira precisar de todos os talentos dos dois para substituir os seus.”
Depois de concluído o treinamento de Akio e Terume, Ykeda os mandou de volta para Kira, o sábio. Ele, no entanto permaneceu no mosteiro até o fim de seus dias. Não mais se sentia inferior.

* Crônica adaptada de uma estória antiga, mas pautada em acontecimentos recentes.

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A bondade de Deus

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Há muito tempo atrás, no longínquo reino de Samarcan, na antiga rota da seda, havia um rei chamado Tariq, que não acreditava na bondade do Deus todo poderoso. Ele tinha, porém, um súdito que atendia pelo nome de Amir que sempre lhe lembrava dessa verdade eterna e imutável que é a sabedoria e a bondade de Deus, e que em todas as situações dizia a seu soberano: “Meu rei, não desanime, porque Deus é bom, ele sempre sabe o que fazer!”.
Um dia, o rei Tariq saiu para caçar e levou consigo o seu súdito Amir. Ao entardecer do segundo dia de caçada, uma fera atacou o rei. Amir, sempre com ele, conseguiu matar o animal, porém não evitou que sua majestade perdesse o dedo mínimo da mão esquerda.
Ao voltar ao palácio, o rei, furioso pelo que tinha acontecido, e sem demonstrar agradecimento por ter sua vida salva pelos esforços de seu leal servo, perguntou e este: “E agora, o que você me diz? Deus é bom? Ele sabe o que faz? Se Deus fosse bom eu não teria sido atacado, e não teria perdido o meu dedo”. Amir, como sempre, insistia: “Meu rei, apesar de todas essas coisas, somente posso dizer-lhe que Deus é bom, e que mesmo isso, perder um dedo é para o seu bem!” O rei, indignado com a resposta do súdito, mandou que fosse preso na cela mais escura e mais fétida do calabouço do palácio.
Havia na corte de Samarcan um outro súdito de Tariq, Amal Ibni-Marud, que se roia de inveja da amizade que o rei tinha para com Amir e aproveitando-se do infortúnio dos dois, para aproximar-se mais do rei, Amal mandou o artesão real confeccionar um dedo mínimo de ouro, para esconder o aleijume de sua majestade. Tariq ficou muito sensibilizado e agradecido.
Após algum tempo, o rei saiu novamente para caçar e dessa vez levou Amal consigo. Aconteceu dele ser atacado novamente, desta vez foi emboscado por uma tribo que vivia nas estepes, os Surihns. Estes eram temidos, pois se sabia que eles faziam sacrifícios humanos para seus deuses. Mal prenderam a todos os Surihns passaram a preparar, cheios de júbilo, o ritual do sacrifício. Quando já estava tudo pronto, e o rei Tariq já estava diante do altar, o sumo-sacerdote, observou um brilho estranho na mão do rei. Aproximou-se para ver melhor, pegou Tariq com força pelo pulso, o que fez com que seu dedo de ouro caísse, e rolasse a escadaria do altar, então gritou furioso: “Este homem não pode ser sacrificado, pois é defeituoso! Falta-lhe um dedo!”
O rei foi então libertado, mas o mesmo não aconteceu com aqueles que o acompanhavam, todos foram sacrificados.
Ao voltar para o palácio, muito alegre e aliviado, Tariq tratou imediatamente de mandar libertar seu leal súdito Amir e pediu que este viesse a sua presença. Ao ver o servo, o rei ajoelhou-se a seus pés, desculpou-se e o abraçou afetuosamente dizendo-lhe: “Meu caro, o seu Deus realmente foi bom comigo! Você já deve estar sabendo que escapei da morte justamente porque não tinha um dos dedos. Mas ainda tenho em meu coração uma grande dúvida. Se esse Deus é tão bom como diz, porque permitiu que você fosse preso da maneira como foi? Logo você, que tanto o ama e o defende! O servo sorriu e disse:” Majestade, se eu estivesse junto contigo naquele dia, certamente teria sido sacrificado como os outros o foram, pois não me faltava dedo algum!”
A partir daquele dia o rei Tariq não teve mais vergonha por não ter um dos dedos. Quanto a seu dedo de ouro, ele o deu de presente a seu leal súdito Amir, que o vendeu por mil moedas e as presenteou todas à viúva e aos filhos do falecido Amal.

* Crônica adaptada de uma estória antiga, mas pautada em acontecimentos recentes.

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