Cinema Brasileiro em Toronto
Já estive em muitas cidades nesse mundão de meu Deus, mas poucas são tão bonitas quanto Toronto. É uma beleza diferente. Não se parece em nada com o Rio de Janeiro, Paris ou Barcelona, nem com Veneza, Budapeste ou Praga, as mais belas entre as cidades que conheço. Fez-me lembrar de Nova York, um pouco mais de Boston, mas realmente não é como nenhuma delas. Toronto é assim, um lugar que há dentro de nossas cabeças, no nosso inconsciente coletivo, um lugar onde qualquer um de nós gostaria de viver. Não sei se é o lugar perfeito, mas me parece o lugar ideal.
Fui a Toronto participar de um dos importantes festivais de cinema brasileiro fora de nosso país. Foram cinco dias de imersão no cinema brasileiro. Assisti aos melhores longas e curtas metragens brasileiros de 2009 e o meu “Pelo Ouvido” estava entre eles. Senti-me orgulhoso, confesso. Não havia naquela seleção filmes mais ou menos, todos eram ótimos, oriundos do sul do Brasil e um maranhense estava entre eles.
Mas o que quero dizer-lhes é outra coisa. Nada sobre Toronto ou sobre meu filme ou mesmo sobre cinema especificamente. Quero lhes falar das histórias que vi através dos filmes. Gostaria de falar de todos, mas não tenho como fazer isso, não há espaço nem tempo, limites que nos perseguem onde quer que estejamos, façamos o que fizermos.
Espaço e tempo não separaram algumas das histórias desses filmes, as uniram. Refiro-me especificamente à sessão do sábado dia cinco de setembro, dia da raça brasileira. Raça, formada por nativos indígenas amarelos avermelhados, por europeus brancos azulados, invasores e conquistadores e por africanos negros acinzentados escravos.
No dia da raça, em Toronto fizemos uma homenagem a um Brasil forte, mostrando que nosso cinema está em condição de igualdade com os cinemas dos países mais importantes nessa arte, nessa indústria.
O espaço escolhido foi um antigo e maravilhoso cinema de rua. Lembrei do nosso Éden. Até cortina havia.
Em três sessões assistimos três curtas e três longas, sendo sempre um curta antecedendo um longa.
“Enfim Dois” de Thiago Vieira é um corte epistemológico na vida idiossincrática de um jovem casal. Um retrato fiel do dia a dia deles. Coisa que acontece com qualquer um e que se não aconteceu ainda com certeza acontecerá um dia. Grande filme. Depois vimos “Loki – Arnaldo Batista”. Um filme que enquanto documentário sobre o criador do Rock brasileiro, demonstra que se pode tranquilamente, com beleza e competência falar de uma coisa sem que ela seja o foco do assunto. Nesse filme eu chorei. Muito. Ele não fala de outra coisa que não seja de amor. Amor em suas infinitas formas e manifestações. Tenho certeza que o diretor e os produtores desse filme jamais pensaram em fazer algo desse tipo. Isso é coisa que não se planeja fazer, simplesmente se faz e quando se vê, se fez algo único. Loki, ou melhor, Arnaldo Batista, nome que para muitos não diz nada, é uma homenagem ao amor. Não percam e chorem sem vergonha.
Depois disso vimos “Blackout” e “Se nada Mais der Certo”. O primeiro, um curta que se poderia chamar de limão em mão de quem sabe fazer uma maravilhosa limonada. Daniel Resende é um craque formado numa dessas escolas de gênios. De uma história simples, um tanto inverossímil, num cenário que é um depósito, ele nos mostra um filme que nos faz não desgrudar da tela. Cinema feito de técnica. Equação cinematográfica, não tem como dar errado.
“Se nada Mais der Certo” do conceituado diretor José Eduardo Belmonte mostra a relação de três sujeitos que se encontram na curva descendente de suas vidas e armam um pequeno golpe que acaba sendo bem sucedido… Mas, “Se nada Mais der Certo”…
Por fim assistimos o meu “Pelo Ouvido”, que é uma elegia às mulheres e ao seu sentido preferido (?), a audição, contando de forma delicada e poética o amor de Keyt por seu marido Charlie, que ficou cego, surdo e o que para ela é pior, mudo.
E para o final da noite estava reservada outra surpresa. Se havia chorado com Arnaldo ao ver na tela o amor retratado, agora com “Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei” choraria, mas de raiva pela covardia, pela hipocrisia, pela arrogância, pela burrice das pessoas, de todas, inclusive a minha, a nossa, que estamos acostumados a engolir verdades prontas, confortáveis e cômodas.
Simonal é um filme que como Arnaldo, fala de nós, de nosso país, das gerações das décadas de 60, 70 e até de 80, tempos maravilhosos que só agora começamos a entender e desmistificar.
No filme sobre Simonal não há espaço para o amor, o que se vê é o duro que ele teve que dar na vida, sempre. O seu carisma, o sucesso que ele fazia, como controlava o público, e onde ele foi parar por culpa sua, de seu despreparo, de sua arrogância, de sua ingenuidade, da covardia de seus amigos e principalmente da ação de pessoas que se acreditavam defensores do correto, do bem e enquanto sectários, facciosos, maniqueístas e intolerantes eram também parte integrante do mal.