Um amigo meu me pediu que eu escrevesse sobre a Assembléia Nacional Constituinte que elaborou a nossa Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988. Quando estava escrevendo sobre aquele evento, lembrei da primeira vez que eu me deparei com a expressão Assembléia Constituinte.
Eu devia ter uns 13 anos e ainda morávamos no Outeiro da Cruz. Naquela época, eu lia, ou pelo menos tentava ler, tudo que tivesse letras. De gibis a enciclopédias, passando por jornais, revistas de moda, fotonovelas (se alguém com menos de 30 anos ler esse texto, favor perguntar para o pai ou para a mãe o que é uma fotonovela) e até lista telefônica e bulas de remédios. Naquele dia eu havia chegado da aula no Colégio Batista onde havíamos estudado sobre a revolução francesa e aquilo tudo estava muito vivo em minha mente, que desde cedo era extremamente cinematográfica. Havia canhões, guilhotinas, roupas de época e até os brioches de Maria Antonieta estavam na cena. Então me danei a procurar tudo sobre a revolução francesa. Recorri às enciclopédias que tínhamos em casa: Mundo da Criança, Tesouro da Juventude, Delta Junior, Delta Larrousse e Britânica.
Em meio a todas aquelas informações deparei com o verbete Assembléia Constituinte e enquanto lia e relia, meus olhos se arregalavam e minha mente voava. Depois disso larguei a pesquisa sobre a revolução francesa e me dediquei a escarafunchar tudo sobre o poder legislativo em todas as suas formas. Quando terminei, exausto, disse para mim mesmo. Um dia vou ser isso, um constituinte, pois adoraria fazer leis, codificar os procedimentos dos cidadãos e da sociedade, garantindo direitos e estabelecendo deveres, enquanto indivíduos e coletividade, regulamentando e limitando o poder estado, preservando os direitos e as garantias individuais. Naquele dia eu selei o meu destino e em um tempo igual ao que eu já havia vivido até aquela data, realizei o meu sonho.
Ter participado como deputado federal dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte de 1988 foi um privilegio para mim. Além disso, aqueles anos também foram anos de muito aprendizado e de grande amadurecimento, pois pude usufruir de muitos ensinamentos desfrutando da companhia de figuras da estatura de Afonso Arinos, Florestan Fernandes, Luis Viana Filho, Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva, José Serra, Vladimir Palmeira, Geraldo Alkimim, Nelson Jobim e Artur da Távola, dentre tantos outros.
Lembro que fui indicado pelo meu partido, o PMDB, como membro de duas das mais importantes comissões daquele Congresso. Da comissão de fiscalização e controle e da comissão de direitos e garantias individuais. Nesta última, recebi a incumbência de ser o relator do projeto de autoria do deputado Amaral Neto que visava instituir a pena de morte no Brasil. Lembro que foram meses de muitas discussões e de grandes polemicas, mas no final, o meu parecer, que era contrario àquele projeto, saiu-se vencedor.
A bancada Maranhense naquela legislatura era formada por parlamentares de grande representatividade política e eleitoral, e de grande capacidade cultural e intelectual, e onde eu era o caçula, com apenas 26 anos.
Entre 1º de fevereiro de 1997 ate 5 de outubro de 1988, deputados e senadores de todos os estados brasileiros, de todos os partidos políticos, de todas as ideologias, juntos, mesmo que muitas vezes com posições antagônicas, buscaram fazer uma carta constitucional que pudesse resgatar a cidadania de nosso povo e garantir o regime democrático para nossa nação.
Num dos finais de semana que passei em São Luis, durante a Constituinte, fui até a casa de meus pais, procurei aqueles velhos livros e reli os textos que havia lido 13 anos antes. Senti um angustiante aperto na garganta.
Enquanto escrevia esse texto, lembrei que os deputados maranhenses tiraram uma foto naquele dia 5 de outubro de 1988. Lembro-me muito bem daquela foto. Nela estavam os deputados Davi Alves Silva, o então suplente Edivaldo Holanda, Enoc Vieira, Sarney Filho, Vieira da Silva (em cadeira de rodas), Jaime Santana, Eu, Eliezer Moreira, Haroldo Sabóia, Alberico Filho, Onofre Correa, Cid Carvalho, Antonio Gaspar, Costa Ferreira, Chico Coelho e Zé Carlos Sabóia, ausentes da foto apenas os deputados José Teixeira, Vitor Trovão e Vagner Lago e os senadores Edison Lobão, Alexandre Costa e João Castelo.
Lembro daquela foto e tento me lembrar de tudo que fizemos ali, mas isso não é importante. O mais importante é que o que resultou daquele trabalho, mesmo não tendo sido perfeito, foi o melhor que podíamos fazer naquele momento tão crucial de nossa história.
Tenho muito orgulho de ter participado, mesmo que de forma modesta, daquele momento decisivo da historia de nosso país.
Hoje, 20 anos depois, iremos às urnas para elegermos mais uma vez os prefeitos e os vereadores de nossos municípios. Brindemos então, em homenagem a nossa jovem Constituição, e já que é proibida a venda de bebida alcoólica durante o pleito, que no brinde usemos o nosso voto como maior instrumento da liberdade a serviço da democracia e escolhamos sabiamente aqueles que possam melhor nos representar e administrar nossas cidades.