Um Pedaço de Ponte – Parte X

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Dando continuidade ao texto “Um Pedaço de Ponte” leia a seguir:

Clara cor-de-rosa

Eu a via constantemente, ali, sentada naquele banco, sempre só, sempre com o mesmo vestido cor-de-rosa, o olhar vago, distante, perdido, de quem tem algo a dizer, mas não sabe como.  Todos os dias, após minha jornada de trabalho, pegando e contando dinheiro dos outros, tinha que passar por aquele banco, situado a alguns passos da sorveteria do Hotel Central, onde entrava também diariamente para tomar o meu sorvete de ameixa.  E lá estava ela, com seus olhos tristes e seu vestido cor-de-rosa, todos os dias, semanas a fio.

Depois voltava para casa, onde mergulhava de novo na minha vidinha de trabalho e televisão, cujo motivo se interrompia nos fins de semana com um bate-bola na praia ou uma cervejinha com os amigos.

De certo modo, porém, a presença da menina vestida de rosa quebrava a mesmice do meu cotidiano. Ao sair do trabalho, já não era no sorvete de ameixa que eu pensava, era nela. Que iria vê-Ia outra vez, encolhida e só, no seu banco de rua.  Depois que passava, sem ao menos vírar-lhe o rosto, a constância daquele apelo que sentia na nuca como se estivesse a chamar-me sem os psius e eis que me acostumara a ouvir das garotas sentadas na mureta da praça. No fundo, eu sabia que não era um chamado, era apelo. Mas eu continuava o caminho de casa, telefonando para Lígia, apenas para dar sinal de vida e seguindo o meu roteiro de programa – “Chico Anísio Show”, “Casa do Terror” – até dormir no sofá.

Em um fim de tarde, o vento soprando forte do lado do mar, a mesma multidão de caixeiros viajantes sentada à fresca, em frente ao Hotel Central, falei afinal com ela.

– Todo dia você está aqui, assim parada, sempre vestida de rosa.  Ela apenas levantou a cabeça como se fosse dizer-me algo, mas logo voltou a baixá-la acompanhando com os olhos os riscos imaginários que fazia na calçada com a ponta dos sapatinhos.

Só então reparei que eram sapatilhas de dança, que mal cobriam os pés miúdos e terminavam graciosamente num trançado de fitas um pouco acima dos tornozelos.  As pernas eram firmes e bem feitas, marcadas até as coxas pela roupa leve que vestia, por aquela generosa aragem que corria do mar.

– Como é teu nome?

– Clara.

Mais duas semanas transcorreram assim, sem que nada mudasse, nem no meu, nem no comportamento dela.  Apenas agora, ao passar, acenava-lhe com a cabeça, e ela me respondia com um sorriso mais triste que sua solidão e seu silêncio.

– Vamos tomar um sorvete, Clara?

Ela se levantou tão prontamente que me espantou, como se aquele convite fosse um bem longamente esperado, algo que houvesse perdido a esperança de receber.

– Vamos!

Eu lhe notara as pernas, mas ainda não havia percebido como era bonita, um rosto de criança numa disposição de mulher.

– Chocolate, ameixa, baunilha, maracujá, abacaxi, limão, tamarindo, coco, cupuaçú, bacuri, creme, nata!  Que que você quer?

Quando nos despedimos, sabia que faltava alguma coisa.  Entre nós, um ar pesado de desapontamento, de festa que termina antes de começar.  Bem o sabia, mas era segunda-feira, e eu não queria perder “Tela Quente”.

Na terça, amanheci com febre e fortes dores de cabeça. Só fui trabalhar na quinta.

–    Clara, como você está abatida!

–    Estive doente.

–    Eu também.

–    Eu sei, dores de cabeça, febre alta, calafrios.

–    Como você sabe?

–    Eu não sei, eu sinto.

E outro adeus sem jeito, outro adeus desnecessário e doído, que nenhum dos dois seria capaz de explicar o por quê.

Hoje será diferente Clara.  Vamos jantar fora.

Amei Clara como jamais amei mulher alguma.  Com fogo e todo o desejo do mundo.  Como lembrar aquelas horas?  Depois do amor, o nada.  O que resta é um emaranhado de imagens e lembranças absurdas, aquela confusão de olhos e de dedos, de cabelos e de seios, de coxas e de costas, de pés e de bocas. Mas sinto, ainda agora, tanto tempo já passado, que explorei cada pedaço de seu corpo, cada momento vivido, cada instante exaltado e em seguida, a recomposição do repouso, que se transfigura em enternecimento e entrega total. Conheci então, Clara sem tristeza, uma Clara exultante de tão mulher, uma Clara companheira, Clara eterna, na solidariedade do prazer.

Não lhe perguntei onde morava, nem fiquei sabendo seu nome completo.  Deixei-a no mesmo lugar em que a encontrara.  Só, no seu banco, vestida de rosa.

Não tive sossego no fim de semana.  Ela não apareceu na praça. Segunda-feira, mal pude esperar que o expediente terminasse para correr ao seu banco e vê-Ia de novo.  No entanto, Clara não estava lá. Terça-feira, fui outra vez esperá-la.  Sentei-me no banco. Eu estava só, fazendo sem perceber, riscos imaginários no chão com a ponta do meu sapato. Às nove horas fui para casa.  Deixei há muito tempo de ligar para Lígia.  Não havia mais televisão.  Os meus fins de tarde se tornaram um tormento, sem que nada pudesse preencher o vazio que se cavara em meu peito.  O banco de Clara era, agora, só meu, até que o desgosto e o cansaço me levassem de volta para casa.

Três semanas se escoaram na minha amargura.  Clara havia desaparecido por completo.  Aos poucos, eu me fui acostumando àquela solidão cor-de-rosa, absorvido no meu trabalho, cada vez mais apegado à televisão.  Uma tarde, passei distraído pelo banco direto para a sorveteria.  Lá encontrei o Ribamar que, excitado, me agitava um jornal nas mãos:

– Olha aqui!  Encontraram aquela menina que havia fugido da casa do pai, nosso colega da agência de Belém.

O que olhei ao tomar o jornal nas mãos me fez desabar na cadeira. O suor frio logo porejou na testa, um tremor de não agüentar pelo corpo todo, enquanto braços e pernas me fugiam inteiramente ao controle.  Quis falar, mas não consegui, a cabeça rodando, como se houvesse caído bem no meio de um terrível redemoinho. Lá estava ela, talvez numa última fotografia, os mesmos olhos tristes, possivelmente o mesmo vestido cor-de-rosa. Não podia ler direito, porém uma ou outra frase me chegavam à alma.  “Encontrado nas matas do Anjo da Guarda o corpo da menor C.M.L., que desaparecera da casa dos pais, há seis meses, em Belém. Os legistas acreditam que foi homicídio. Pelo adiantado estado de putrefação, o crime deve ter ocorrido há dois meses”.

Hoje é dia de assistir “Louco Amor” e “Quarta Nobre”. Meu Deus, como era mesmo o telefone da Lígia?  Não, amanhã tenho que estar cedo no trabalho.  Depois, tomar meu sorvetinho de ameixa e me recolher a esta vidinha besta.

Clara?  Perguntei à moça de vestido cor-de-rosa, sentada na mureta da Praça Benedito Leite.

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Entrevista exclusiva do Deputado Joaquim Nagib Haickel concedida ao jornalista Robert Lobato.

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1. Deputado, é fácil defender o governo Roseana Sarney?

Resposta: Defender, quem quer que seja, qualquer que seja o governo é sempre mais difícil que atacar. Diria pra você que defender o governo Zé Reinaldo ou o governo Jackson Lago seria muito mais difícil, pelo menos do meu ponto de vista.

2. O senhor está satisfeito com o desempenho do governo até aqui?

Resposta: Acho que pode melhorar e acredito que irá melhorar bastante, mas posso lhe garantir que esse governo mesmo não tendo engrenado, ainda assim é muito melhor que os dois anteriores.

3. Há corrupção no governo?

Resposta: A corrupção é uma conseqüência das atividades humanas. Não vou lhe dizer que não haja corrupção neste ou naquele governo, a única coisa que posso lhe garantir é que não concordo com essa prática.

4. O secretário Hildo Rocha criticou publicamente a disputa por espaços entre secretários e a intromissão de alguns nas pastas de outros. Como o senhor avalia essa questão?

Resposta: Concordo com o Hildo, mas acho que ele se esqueceu de falar da gula eleitoral de alguns secretários de estado que estão se achando os donos dos cargos que temporariamente estão ocupando. Esse é um dos fatores que tem prejudicado a performance do governo.

5. Um secretariado mais político do que técnico ajuda ou atrapalha o governo?

Resposta: Depende! Se o secretário mais político do que técnico quiser mudar a forma de construir estradas ou mudar o jeito de ministrar uma aula vai ser um desastre. Se um secretário mais técnico que político quiser reescrever “O Capital” ou “O Príncipe” será desastre certo. Cada um deve desenvolver o trabalho para o qual está mais preparado. 

6. O senhor tem dito que é uma voz isolada na defesa do governo na Assembleia. Em sua opinião, a base do governo tem vergonha de defender o governo?

Resposta: Eu nunca disse que sou uma voz isolada em defesa do governo, quem tem dito isso é a imprensa. E a imprensa tem dito isso para me jogar contra os líderes Chico Gomes e Tatá Milhomem, coisa que não vai acontecer, pois me dou muito bem com os dois. Não acho que a base do governo tenha essa vergonha, pelo contrário, estão todos doidos para mostrar serviço.  

7. O senhor é um quadro qualificado dentro do seu grupo, talvez um dos mais qualificados. E me parece que o senhor foi convidado para ser secretário de Estado, porque não aceitou?

Resposta: Realmente, fui convidado mas não aceitei. Primeiro me foi dito que seria convidado para secretaria da cultura, mas nunca acreditei que seria realmente convidado para essa pasta. Se tivesse sido poderia até aceitar, desde me fossem dadas as condições necessárias para fazer um bom trabalho. Mas fui convidado para secretaria de esportes e juventude. Em seguida foi só para esportes, pois juventude seria desmembrada, e para lá deveria ir Roberto Costa, indicado do vice- Governador João Alberto. Achei mais prudente não dividir uma coisa que já era pequena e abri mão em nome do companheiro Roberto, que vem se saindo bem nessa pasta. Depois fui convidado para minas e energia e disse que só aceitaria se essa secretaria fosse unificada com a secretaria de indústria e comércio, pois sozinha, nela se teria pouco o que fazer. Então preferi ficar mesmo na Assembleia, lá posso fazer uma das coisas que mais sei e gosto de fazer, que é política.  

8. Qual seria o melhor nome do PMDB para disputar o governo em 2010, Roseana ou Lobão?

Resposta: Os dois são ótimos candidatos. São melhores individualmente que todos os outros pretensos candidatos reunidos. Roseana por estar no mandato, ser carismática e ser eleitoralmente poderosa. Lobão porque está num ministério que tem ajudado no desenvolvimento do Brasil e do Maranhão de maneira contundente, por ser um diplomata e por quase não ter rejeição

9. Em sua opinião, quem seria o melhor candidato das oposições para o grupo Sarney enfrentar nas próximas eleições?

Resposta: Encaro eleição como encarava campeonato de tênis. No tênis você tem que vencer todos os jogos para ser campeão. Política é assim. Não tem esse negócio de melhor candidato. Dentre os que estão postos ai para disputar o palácio dos leões só o Flávio Dino será governador, um dia, e não será ainda dessa vez. Dessa vez, se eu fosse ele, seria candidato ao senado. Há uma vaga reservada para ele. Nós com toda certeza elegeremos um senador e disputaremos a outra vaga. Caso o Flávio não concorra ao senado até eu, tenho chance de me eleger. Se eu fosse Zé Reinaldo me candidataria à Câmara Federal, lá ele terá uma eleição tranqüila e uma boa votação, podendo puxar votos para ajudar sua chapa. No senado ele vai é gastar “seu dinheiro” e vai dificultar bastante a vida de seus correligionários. Como deputado federal ele terá o mesmo foro privilegiado de que tanto precisa e assim não se arriscaria em não tê-lo caso não se eleja senador. A candidatura de doutor Jackson ao governo não é uma candidatura política, é uma candidatura moral. 

10.  O senhor se considera um Sarneysista, no sentido de ter o senador José Sarney como referência na política maranhense?

Resposta: Claro! Quem achar que Zé Sarney não é a maior referência na política maranhense não é muito certo da cachola. Você pode discordar dele, mas daí a achar que ele não seja a maior referência da política do Maranhão é desconhecer a realidade.

Não posso me considerar um jackista ou um reinaldista, nem ainda um flavista. O doutor Jackson eu tenho como referência de pessoa, de homem, não de político. Zé Reinaldo é uma referência como técnico. Flávio por enquanto para mim é referência de competência, de capacidade intelectual e só vai passar a ser referência política para mim quando ele conseguir me provar que os votos que ele recebeu em Tuntum, São Domingos, Caxias e em outros lugares semelhantes, foram obtidos da mesma maneira e ao mesmo custo que os votos que ele teve em São Luis, dos estudantes da UFMA, ou melhor, que ele para se eleger deputado federal em 2006 não usou os mesmos recursos que diz abominar e combater, em síntese que ele é um político diferente.      

11. O que o senhor tem achado dos debates políticos na Assembleia Legislativa?

Resposta: Fracos. São raros os debates de alto nível.  

12. Qual o seu projeto político-eleitoral para 2010?

Resposta: Sou candidato a deputado estadual, pois pretendo concorrer à presidência da Assembleia, caso me reeleja.  

13. Vou citar algumas personalidades e gostaria, em breves palavras, a sua opinião sobre cada uma delas: 

Sen. José Sarney: Um visionário. O criador do Maranhão moderno. Um grande mestre da política a quem a história, um dia, saberá conferir seu verdadeiro valor.

Gov. Roseana Sarney: Uma pessoa extremamente carismática que revolucionou o nosso estado administrativamente falando. Essa importante e necessária revolução que ela implementou custou-lhe o controle político-eleitoral do estado nas últimas eleições.

Sen. Edison Lobão: Um diplomata da política. É impossível não se gostar dele.

Vice-Governador João Alberto: Enérgico e firme. Amigo de seus amigos.

Ex-Governador Jackson Lago: Bem intencionado mas mal assessorado.

Ex-Governador José Reinaldo: O melhor dentre os técnicos inventados por Sarney, mas em compensação seu maior equívoco político e olha que foram vários durante todos esses anos. Poderia ter feito tudo que queria fazer sem precisar trair seu mestre e criador.

Pref. João Castelo: Um dos grandes governadores que o Maranhão já teve. No seu governo foram construídas obras importantes e estruturais em nosso estado.

Dep. Flávio Dino: Ele é certamente o futuro, será certamente senador e governador do Maranhão, mas difere pouco, operacionalmente falando, dos políticos do passado. É uma pena que essa minha afirmação só poderá ser comprovada daqui a trinta anos. Jovem talentoso e competente que tem a seu favor o tempo e a vontade de mudanças. Contra si, só o fato de ter que aceitar o mesmo jogo político de sempre, coisa que não considero nenhum pecado mortal, mas ele sim, para isso basta ver como foi sua eleição de deputado federal em 2006.

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Leal ou fiel?

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“Quando eu voltar a São Luís irei parabenizá-lo pessoalmente por sua grande conquista na Academia Maranhense de Letras. Esse feito é prerrogativa de poucos. Nobre Deputado e Imortal.

OBS: Por gentileza post novamente o seu excelente texto sobre LEALDADE E FIDELIDADE.
Abçs.

Márcia soares”

Sei de antemão que o que vou dizer aqui, hoje, neste nosso bate papo, vai chocar muita gente. Mas é assim que fui ensinado a agir e é assim que sempre faço na minha vida. Digo o que penso, mesmo que para isso tenha aprendido a dizê-lo de tal modo, que mesmo chocando algumas pessoas, o que diga, possa suscitar algum acréscimo no indispensável conhecimento de nós mesmos e da vida.

Sou da opinião que lealdade e fidelidade são duas coisas bem diferentes, em que pese o fato de serem facilmente confundíveis.

Diferenciar coisas tão parecidas, e que ainda por cima se completam e se confundem é uma tarefa extremamente difícil, o que geralmente requer que se usem exemplos claros e práticos para dirimir qualquer possível duvida.

A principio pode-se pensar que se trata do uso de palavras diferentes para expressar a mesma idéia, a mesma ação, o mesmo sentimento. Não é. Da mesma forma que ética é diferente de moral, lealdade difere de fidelidade.

Este é um tema tão controverso que talvez não iremos exauri-lo em uma única crônica dominical, mas mesmo assim vou tentar.

Lealdade é uma espécie de mãe, de coletivo de fidelidade. Lealdade você tem que ter em primeiro lugar para consigo mesmo para que só então, possa ser no mínimo fiel para com os outros.

O mais incrível nisso tudo é que o oposto de fidelidade é infidelidade e de lealdade é deslealdade. No entanto há uma palavra que sintetiza o oposto das duas. Traição. Inclusive, traição não possui um antônimo único, prefixal. Não existem as palavras intraição ou destraição. Mais incrível ainda é que quando se fala de lealdade ou de fidelidade, o que nos vem imediatamente na cabeça, antes de qualquer outra coisa, é o seu antônimo.

Um cônjuge pode ser espiritual e mentalmente leal ao outro e ser carnalmente infiel. Este pode ser desleal mentalmente para com o outro sem nunca tê-lo traído carnalmente.

Tempos atrás comentei esse assunto numa roda de amigos e notei o mal estar que causei, principalmente em algumas mulheres que estavam na conversa. Para algumas delas pareceu que eu estava tentando tirar uma carta de seguro, uma licença previa e tácita para trair. Quem pensou assim se enganou. Tentava era mostra-lhes o peso, a importância de certas ações, de certos sentimentos, nem sempre claros, nem sempre bem entendidos.

Em minha opinião a lealdade é um sentimento maior, individual. Independente do outro. Meu, pra mim, por mim. Fidelidade é coisa externa, de mim para o outro. É o sentimento, o vinculo que há entre animal e amestrador. Entre senhor e servo.

Um político pode permanecer leal, mesmo não podendo cumprir um compromisso preestabelecido. Mas às vezes seu código de ética é tão frágil, que não lhe fornece moral para que seja honrado e leal, fazendo com que se torne um reles traidor infiel.

Caso real é a historia daquele político que tendo se empenhado na candidatura de três correligionários, depois da eleição destes, teve tratamentos distinto de cada um deles.

O primeiro, apesar de ser analfabeto, mas tendo grande senso de honra manteve-se leal a si e fiel ao companheiro. Exceção que confirma a regra.

O segundo, apesar de pouco instruído, mas sendo sábio, antes de cometer qualquer ato que pudesse ser interpretado como infidelidade, chamou o bom amigo das horas difíceis e mostrou-lhe a situação em que se encontrava. Foi leal consigo e com o outro, apesar de não cumprir in totum o que havia sido acordado. Meno male.

O terceiro, apesar de doutor, sendo covarde o bastante para não enfrentar a situação de cabeça erguida, sumiu sem dar explicação. Foi desleal e infiel consigo e com o companheiro. Com esse, o julgamento da historia será impiedoso.

Mas o melhor e mais claro exemplo da diferença que há entre lealdade e fidelidade se encontra na historia medieval de Tristão e Isolda(não percam o filme em cartaz nos cinemas), onde o amor de um rapaz por uma moça supera o sentimento de gratidão e devoção dos dois para com o pai adotivo dele que é esposo dela.

Em Tristão e Isolda, ficam bem aclaradas as semelhanças e as diferenças entre lealdade e fidelidade. 

Há uma linha tênue entre estes dois sentimentos, entre estas duas ações, mas em minha opinião, são coisas bem distintas uma da outra.

Se perguntarem pra mim como prefiro ser tratado, responderei sem titubear, prefiro que as pessoas me sejam leais.

 

PS: Assistindo as chamadas da próxima novela das vinte horas da Rede Globo, “Paginas da vida”, escrita por Manoel Carlos, vi que o personagem Olívia, interpretada por Ana Paula Arosio, diz uma coisa muito parecida com isso, lealdade e fidelidade não são a mesma coisa. Resta apenas se saber em que contexto será desenvolvida e explorada tal afirmação, por este que é um dos grandes mestres da polemica televisiva.

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Um Pedaço de Ponte – Parte IX

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Dando continuidade ao texto “Um Pedaço de Ponte” leia a seguir: 
 
Padre Nosso
 
ÍNDICE 
 
I – No lugar onde eu nasci
II – O padre
III – Três horinhas, saía pela sacristia
IV- Cruzava a praça – nome do avô do ex-prefeito
V -Saboneteira na mão, toalha branca no pescoço, quixotesco, ia banhar-se na casa da viúva Sibá – da padaria
VI – Seis horas, já banhado e paramentado, rezava a missa: “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo…” amante
VII – Poema?  Conto?  Ponto.
 
I
 
NO LUGAR ONDE EU NASCI – Ex-cidadezinha.  Três mil habitantes na zona urbana e o restante, para completar um pouco mais de seis mil, na zona rural De ruas paralelas e transversais, com exceção da Rua do Escorrega (diagonal às outras, mas paralela à curva que o rio fazia quase dentro da cidade). Arquitetura pós-colonial, alguns casarões, moradas inteiras, meias-moradas, portas e janelas e as típicas “quítandas-residências” onde na frente da casa o proprietário consegue o sustento da família que mora nos fundos.  Urbanisticamente era uma cidade igual às outras: a matriz, as praças, o coreto, a delegacia, o cartório, a prefeitura, a casa do coronel, o cabaré, o ginásio que hoje é o segundo grau, e o mundo em volta.
 
II
 
O PADRE – Francisco das Chagas Bento.  Para uns o padre Chagas, para outros, padre Bento, para alguns, padre Chico e para algumas simplesmente Chiquinho.  Nascido na capital onde cursara o seminário e proveniente de família abastada, era o quinto de cinco filhos que antes dele já deveriam ser advogado, médico, engenheiro e político.  Só restava-lhe a batina, para a qual foi guinado desde cedo pelas três tias beatas: D. Dada, D. Dedé, D. Didi (Damiana, Deocleciana
e Dinorá).
Desde menino, levado pelas tias à igreja, decorara e mais tarde aprendera rezar missa, ladainhas, cânticos e sabia a bíblia de trás para frente.
Ordenado padre seria mandado para a paróquia de São Pedro, num município onde sua família tinha terras e era poderosa.
Já estava ali há mais ou menos uma geração.
 
III

“TRÊS HORINHAS, SAÍA PELA SA CRIS TIA
Àquela época, por aquelas bandas era hora de todos tirarem um cochilinho.  Os hábitos mudaram muito desde então. Acordava-se cedo, cinco e meia, seis horas.  Tomava-se banho, tomava-se café e trabalhava-se até uma, duas horas da tarde, quando se almoçava e tirava-se um cochilo até mais ou menos cinco horas.  Isso quem podia.
Quem quer que saísse à rua nada ou ninguém veria. A cidade era deserta.  Só uma figura era movimento naquela hora na cidade (isso há mais de cinco anos, desde a morte do padeiro, José Leopoldo de Cintra, português fino e estimado, que falecera depois de uma noite de amor com sua esposa).

lV
 
“CRUZ4 VA A PRAÇA – NOME DO AVÔ DO EX-PREFEITO -A praça da matriz como era conhecida por alguns também tinha outro nome: “‘Praça Rodrigo Coelho em homenagem ao avô de um ex-prefeito eleito num desses intervalos que há entre a existência de uma oligarquia e outra.  Rodrigo Coelho era, na verdade, um ex-escravo que alforriado no Ceará imigrou rumo oeste, firmando residência numa das curvas do rio, um pouco ao norte da cidade.  Trabalhador, Rodrigo casou-se com uma filha de criação do Dr. Oliveiro e deu origem a sua descendência.
Certa vez numa disputa de coronéis pelo domino político, o velho Dr. Oliveiro, quase no fim da vida, se aproveitou e lançou candidato próprio às eleições: o neto de Rodrigo Coelho, ex-prefeito e hoje mais um quitandeiro.
 
V
 
“SABONETEIRA NA MÃO, TOALHA BRANCA No PESCOÇO OUIXOTESCO, IA BANHAR-SE NA CASA DA VIUVA SIBÁ – DA PADARIA” – Dona Sebastiana Erundina Pinheiro era a viúva do padeiro José Leopoldo de Cintra, Portugal Morena balzaquiana, formosa e insinuante, havia, mesmo que involuntariamente, contribuído decisivamente para a morte do marido, pois o Lepô como era conhecido, morrera após a sofreguidão de uma noite de amor com seu cônjuge, herdeira da padaria, da mercearia, de três quitandas, do armarinho e da fazenda de vacas leiteiras que abastecia toda a cidade.
Depois da morte do marido, Dona Sibá, sozinha, consolava-se entregando-se a religião e as obras de caridade.
 
VI
 
SEIS HORAS, JÁ BANHADO E PARAMENTADO REZ4 VA A MISSA: “EM NOME DO PAI, DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO… “AMA N TE – Dizia eu, lá com meus botões.  Certa vez amuado, não conseguia tirar a empregada da casa de seu Custódio da cabeça, fui brechá-la tomando banho.  Pulei o muro de trás da casa de meu pai, caí no quintal do seu Zezico; pulei a cerca e estava na vacaria do finado Lepô. Quando tentava pular o cercado vi e ouvi coisas e sons estranhos.  Passarinheiro, mansamente, fui ver o que era e deparei com o padre e a viúva cantando salmos, louvando a Deus e aos profetas enquanto desesperadamente, para usar um termo adequado, fornicavam.
 
VII
 
No lugar onde eu nasci,
o padre,
três horinhas,
saía pela sacristia,
Cruzava a praça – nome do avô do ex-prefeito.
Saboneteira na mão, toalha branca no pescoço,
quixotesco, ia banhar-se na casa da viúva Sibá – dona da padaria.
Seis horas já banhado e paramentado, rezava a missa:
“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo…”
Amante.

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Mais vale um adversário leal que um correligionário traidor *.

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* Adaptação literária do discurso proferido terça-feira, 13 de outubro de 2010 na Assembléia Legislativa do Maranhão.



Faleceu no último dia 6 de outubro, em São Paulo o deputado Pedro Veloso.

Pedro era, assim como eu, um dos representantes de Pio XII, lugar que tenho certeza meus mais assíduos e atentos leitores assim como os frequentadores das galerias da Assembléia Legislativa do Maranhão, já me ouviram falar sobre ele, pois sempre foi o município pelo qual muito me empenhei.

Eu e Pedro éramos aquilo que se podia chamar de leais adversários. Pessoas que mesmo em lados opostos, cultivam um bom convívio baseado na boa educação, no bom costume de tratarem-se cordialmente, até mesmo com certa reverência. Fazíamos isso, principalmente pelo fato de sabermos exatamente os riscos que se corria em levar para o lado pessoal algo que era eminentemente político e eleitoral, algo localizado e restrito a um único município.

Às vezes ficava muito difícil portar-se como um cavalheiro. Isso acontecia quando os embates locais em Pio XII eram impossíveis de evitar, mesmo porque em se tratando de política municipal, com todos os seus contornos de intriga e inimizade pessoal, por parte dos chefes políticos municipais, os ânimos se exaltavam e o clima ficava realmente quente.

Como são engraçadas essas coisas da política! Na última vez em que falei com Pedro, uns três meses atrás, ele estava aparentemente melhor, e me disse que não via a hora de começar a campanha pois isso iria dar-lhe mais forças, mais vontade de superar esses tempos difíceis.

Naquela ocasião ele me disse que o prefeito de Pio XII, a quem eu sempre apoiei, o mesmo que várias vezes fui à tribuna defender das acusações levantadas por Pedro, o mesmo que ajudei duas vezes a se eleger, estava me traindo. Pedro me disse que soube que o prefeito estava inventando uma desculpa para não mais votar em mim, dizendo que a governadora Roseana havia sugerido que ele votasse em um certo Secretário de Estado, mas que ele iria votar também em um outro deputado, a quem ele, o prefeito, devia um bom dinheiro e não tinha como pagar, a não ser com votos.

Nós rimos muito disso tudo. Nos lembramos das pelejas que travamos por causa do tal prefeito, comentamos sobre a fraqueza dos homens, e lamentamos que o caráter de alguns fosse tão frágil quanto um castelo de areia construído na arrebentação das ondas do mar.

Pedro, em tom grave, me disse que a campanha de 2010, em Pio XII, poderia ficar sem nenhuma graça, pois tanto eu quanto ele poderíamos não estar presentes, eu vitimado por uma absurda traição e ele atingido pela grave doença contra a qual lutava com todas as suas forças.

Respondendo-lhe a isso eu disse para ele que caso a traição se consumasse, que ele reservasse um lugarzinho em seu palanque para que eu pudesse subir e pedir voto para ele pois tinha fé em Deus que na campanha de 2010, eu poderia até sucumbir à traição, mas torcia e acreditava que ele venceria mais a batalha contra a doença e que logo estaria firme, em campanha, rumo a mais um mandato de deputado. Até brinquei, dizendo que, para tudo ficar mais correto, só faltava agora ele e o pai dele irem comigo falar com Zé Sarney e voltarem a fazer política no grupo a que sempre pertenceram. Ele sorriu e disse que tanto uma coisa quanto a outra eram muito difíceis de acontecer, que o mais fácil seria ele simplesmente votar em mim, caso ele não tivesse condições físicas de enfrentar uma campanha, pois o prazer maior dele, seria ver a cara de seu adversário, o prefeito, quando o deputado que sempre o defendeu, fosse apoiado por seu adversário, isso porque ele, o tal prefeito, havia me trocado “por 30 moedas de prata e alguns caderninhos”.
Mesmo doente Pedro fazia planos para o futuro. Sabedor da gravidade de seu caso, não esmoreceu, jamais deixou de lutar e muito menos de pensar em sua terra e em sua gente.

No final, Pedro acertou e eu errei. Não estaremos, nem eu nem ele em Pio XII, na campanha de 2010.
Perdi um adversário e fiquei triste por isso. Gostaria que todos os adversários fossem como Pedro Veloso. Leal e correto.

Perdi um correligionário e se fiquei triste por um lado, mas por outro fiquei aliviado, porque certas “amizades”, é melhor não tê-las…  

Como disse certa vez o senador Cafeteira e costuma repetir o ex-deputado Aderson Lago: “É preferível nos juntarmos a um leal adversário do que aceitarmos a ajuda de um traidor”.

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DISCURSO DE POSSE DE JOAQUIM HAICKEL NA ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS

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EM 02.10.2009

Meu nome é Joaquim. Mas eu também me chamo Nagib, e é o meu duplo – ou antes, é aquele de quem sou duplo – é o meu pai Nagib Haickel a quem primeiro contemplo neste salão, esperando por mim, sentado ali, na fila da frente, entre aquelas duas mulheres maravilhosas: minha mãe, Clarice, e minha filha Laila. O presidente desta cerimônia autoriza meu discurso de posse na Academia Maranhense de Letras. Eu me levanto. Meu pai não se contém: antes que eu chegue à tribuna, ele já está de pé, aqui, diante de mim. Eu ainda não começo a falar, e o velho me arrebata a palavra, dedo em riste, enchendo o mundo com o seu vozeirão:

– Só porque tu escreves umas coisinhas por aí tu acha que é escritor, é? Tu acha que é poeta? Poeta coisa nenhuma! Tu nem bebe! Poeta é Zé Chagas, poeta é Nauro, que metem grogue. Escritor é Jomar, que aprecia as cervejas louras e as mulheres morenas. Tu nem sabe o que é bebida, rapaz! Como é que tu pretende saber o que é poesia?

Neste recinto solene, senhores acadêmicos, minhas senhoras e meus senhoras, aquele que orgulhosamente se intitulava um “caboclo do Pindaré, acostumado a comer tapiaca e mandubé” repete uma repreensão das mais severas que dele recebi. O caso foi há muito tempo: eram os idos de 1984. Ele andava aborrecido com o fato de eu preferir ficar fazendo a revista Guarnicê, ao invés de tomar conta dos negócios da família. Sua fúria transbordou, quando eu e Paulinho Coelho nos esquecemos de fechar o registro geral da água, no velho depósito de cimento que Nagib Haickel tinha pelas bandas do Desterro. Depósito inundado, cimento molhado, prejuízo contabilizado.

Como todo mundo sabe, meu pai não fazia por menos em termos de emoção e muitas vezes se obrigava ao papel de ator em lances cheios de dramaticidade. Na verdade, porém, ele estaria felicíssimo neste momento, rindo em seu próprio íntimo, com o bom humor que lhe fez a fama, e saboreando dentro de si o contentamento de perder a parada para o filho:

– Esse menino chegou mais longe do que eu podia imaginar. Para quem tinha extrema dificuldade em ler, para quem não sossegava um só instante, o lucro foi grande. Pois não é que ele conseguiu enganar a todos esses acadêmicos, gente culta e instruída?

Era assim que meu pai fingia que pensava, mas não era assim que ele pensava, de fato. O seu orgulho só encontraria repique no júbilo deste seu duplo, aceito membro da Academia Maranhense de Letras, acolhido por figuras da envergadura do Presidente José Sarney, amigos dele que foram professores de seu filho, como José Maria Ramos Martins, Alberto Tavares, José Joaquim Ramos Filgueiras, José Carlos Sousa Silva e Sebastião Moreira Duarte. Ele também se sentiria em casa, ao contabilizar o número de velhos amigos seus da Assembléia Legislativa e da Câmara dos Deputados, com quem seu filho irá conviver, como Benedito Buzar, Sálvio Dino, Evandro Sarney, Joaquim Itapary, Neiva Moreira e Edison Vidigal. Com toda certeza, Nagib Haickel brincaria com seu querido amigo Milson Coutinho e com o também desembargador Lourival Serejo, recomendando-lhes que tomem conta desse “menino”, sentindo-se também envaidecido de ver seu filho compartilhar a mesa com amigos dele como Ubiratan Teixeira, Carlos Gaspar, Hélio Maranhão, Mont’Alverne Frota, Carlos de Lima, Américo Azevedo, Ivan Sarney, Waldemiro Viana, Laura Amélia e Manuel Lopes. Não sei ao certo se ele teve o prazer de conhecer José Louzeiro, Lino Moreira, Sônia Almeida, Joaquim Campelo, Antônio Martins, Clóvis Sena, Ceres e Ronaldo Costa Fernandes, Alex Brasil, Magson da Silva, José Ewerton e Ney Bello Filho, uns porque cedo foram morar fora do Maranhão, outros porque, sendo de outra geração e de outro meio, não tiveram contato com ele. Em especial, quando visse aqui José Chagas e Jomar Moraes, contra os quais me comparou em total desvantagem minha, Nagibão sorriria desconcertado, franziria a testa, morderia os lábios, choraria miudinho e escondido: tamanha é a glória desses nomes, que dela, por simples contágio, algum tanto sobrará para seu filho.

Minhas senhoras e senhores:

A Cadeira que, a partir de hoje, chamarei minha na Academia Maranhense de Letras é de Inácio Xavier de Carvalho e Ribamar Pereira, e pertenceu sucessivamente a Luiz Viana, Amaral Raposo e Nascimento Morais Filho.

Inácio Xavier de Carvalho, nascido em 1871, deixa dúvida se era apenas uma pessoa. Nesta Casa foi fundador e é patrono. Ao mesmo tempo e por igual, é do Maranhão, é do Amazonas e é do Pará. Andou ainda por Minas Gerais, e encontrou, por fim, a imortalidade no Rio de Janeiro, em 1944, próximo de completar 73 anos de idade. Formado em Direito pelo Recife, em 1893, exerceu-se como magistrado, jornalista, poeta, professor de Literatura. Pelo que, de sua lavra, se sabe esparso em periódicos e publicações circunstanciais, será correta a conjectura de que ainda falta reunir escritos seus deixados nesta sua cidade natal, assim como em Manaus, onde se demorou pouco, e em Belém, onde permaneceu por mais tempo.

Sua obra compõe-se de apenas três títulos, que a poucas páginas se estendem: Frutos selvagens, Missas negras e Parábolas para bolas. Frutos selvagens é de São Luís, Missas negras é de Manaus, Parábolas para bolas é de Belém.

Frutos selvagens é de São Luís, 1894: “um dos poucos resultados positivos da época de efervescência vivida [aqui] entre fins do século XIX e princípios do século seguinte” – segundo avaliação de Jomar Moraes.[1]

Parábolas para bolas é do Pará, 1919, e é logo aqui arrolado, por suas características, que não nos ocupam em maior análise. Não se trata de livro em sentido próprio: é apenas um folheto de 32 páginas, composto de seis pequenas narrativas alegóricas, cinco sonetos e uma ode a Rui Barbosa (recitada pelo autor, num comício em Belém, por ocasião da campanha civilista daquele candidato à Presidência da República), textos a que só a ironia e o desapontamento com a política conferem sentido de unidade.

Missas negras é de Manaus, 1902, e constitui, desta vez, não apenas o que de melhor escreveu o poeta Inácio Xavier de Carvalho, mas também uma fotografia das mais vivas de uma época em transição, de intervalência e sobreposição de estéticas, de esgotamento e ânsia sem rumos, tempo de maré vazante, à espera da sigízia que, entre nós, por amor de nosso isolamento, tardaria por bem ainda meio século, até a geração de Tribuzi e Gullar. Xavier de Carvalho realiza obra de mimetismo tardio, não só em relação às matrizes francesas em que se inspira, mas em face ao simbolismo retardatário de portugueses e brasileiros. Os 37 poemas que fazem as suas “Missas Negras sem hóstias e sem vinho” povoam-se de Revoltas Supremas, Crenças Apagadas, Risos Pretos, Pecados Brancos, Alvas Grinaldas, Mágoas, Quimeras, Desventuras, “bando esquelético de Crenças”, “Sonho nu de Descrente”, Estranhas Rotas, Másculas Derrotas – substantivos e adjetivos todos em maiúsculas, conforme exigia o tributo da importação provinciana a que o Poeta se obrigava. O título Missas negras lembra o de Missal, de Cruz e Sousa, poema (em prosa) de nove anos antes, e aparece quando já mortos o próprio Cruz e Sousa, Mallarmé, Antônio Nobre e Verlaine. Mas, em que pese a essa nota de rebate epigônico, nem por isso deixou Inácio Xavier de Carvalho de pagar sua conta pela luz com que pretendeu iluminar a “tristíssima e caliginosa noite” – como lhe chamou Antônio Lobo – na qual “o Maranhão ressonava […] num fundo sono, próximo da morte”, conforme o viu e sentiu Humberto de Campos. Até a mais afinada inteligência que por então nos restava, o mesmo Antônio Lobo, não o compreendeu, tanto quanto é verdade que a inteligência brasileira – Machado de Assis incluído – não fez boa recepção à literatura representada pela aluvião finissecular de nossos pós-românticos, simbolistas, impressionistas, decadentistas. Em carta escrita, em 1908, ao jornalista Sebastião Sampaio e a qual deu muito o que falar, eis em que termos o Mestre maranhense exara a sua crítica a Missas negras: “[…] livro filiado à corrente simbolista, tal como andou em geral compreendida e praticada no Brasil, isto é: consistindo quase que essencialmente no culto exagerado do disparate, na idéia e na forma. E foi exatamente essa preocupação de escola que, a meu ver, prejudicou sensivelmente o trabalho do poeta, sem dúvida alguma, de produzir obra muito mais valiosa, se em tempo se houvesse libertado dos esterilizantes empecilhos que tal preocupação irresistivelmente lhe opôs à elaboração estética”.

A bem de Antônio Lobo, o mais vigilante e atualizado de nossos intelectuais, diga-se que sua percepção de literatura pautava-se, como a de qualquer um naqueles tempos, pelo figurino francês, mas não absorvia os padrões renovadores sugeridos, da mesma França, já desde as Flores do mal, de Baudelaire. A mal de seu temperamento enfermiço, para quem a polêmica constituía uma espécie de compulsão erógena, leve-se em conta que sua apreciação sobre Inácio Xavier de Carvalho se faz em clima de mútua desavença, veiculada pelos jornais Pacotilha, O Maranhão e Diário do Maranhão, da capital maranhense, e engatilhada pela Folha do Norte, de Belém do Pará, conforme nos diz Carlos Gaspar em trabalho recém-publicado sobre Antônio Lobo.

A contenda ocorreu no ano de 1907 e teve como causa imediata a chegada, a São Luís, do jornalista fluminense Rafael Pinheiro, vindo do Pará para aqui fazer conferências sobre assuntos variados. Antecipou-o, no entanto, a notícia de seus desentendimentos com homens de letras do Estado vizinho, fato bastante para deixar de sobreaviso os intelectuais desta terra, e mais ainda, na percepção de alguns, porque seria Antônio Lobo quem lhe daria as boas-vindas e o apresentaria aos maranhenses. Sobre uma conferência, programada com pompa e circunstância para ser pronunciada no Teatro local, com a presença do governador Benedito Leite, Agostinho Reis, redator da Pacotilha, informa ao jornal de Belém que alguns bilhetes de entrada haviam sido distribuídos gratuitamente, com a finalidade de preencher cadeiras vazias no salão do evento.

Os efeitos da notícia, desfavoráveis ao visitante e a seu anfitrião, foram glosados por Inácio Xavier de Carvalho, editorialista d’O Maranhão e propiciam fazer-se um close sobre o cotidiano das duas figuras envolvidas na querela, de seus pequenos interesses e da vida pequena de São Luís, naquela primeira década do século XX, e bem assim sobre o que, de literatura, se criava nesta Província naqueles tempos.

O autor das Missas negras – diz Antônio Lobo“tem um talento especial para troçar e descompor em verso. Mas também é só: tirando isso, o rapazinho [o tal “rapazinho” contava já 36 anos de idade] é de uma imperícia de fazer dó, quer se exprima em linguagem métrica, quer não. […] Na prosa é o mesmo descalabro e a mesma lástima. Se o moço se quer exprimir em linguagem sem metro e sem rima, ou é para se dar ao desfrute ou para dizer tolices. […].

“Ora, Sr. Antônio Lobo! Que pretensão a sua!” – a de um “espírito nulo e acanhado”, […] “coréico ou paranóico, […] um doente físico, […], o quanto basta para torná-lo irresponsável pelo que diz e escreve”. Xavier de Carvalho nega a crítica de seu oponente, lembrando que Guerra Junqueiro o saudou como “camarada literário” e que sua poesia foi recebida amigavelmente no mundo das letras por José Veríssimo, Artur Azevedo, Medeiros Albuquerque, etc.

Interessante para bem retratar o espírito da época é perderem ambos tempo e papel em agressão recíproca, a propósito de um terceto de Missas negras, em que o verbo ladrar é usado como transitivo direto:

E em complemento após da Glória Tua

Ficarás lá por cima como a Lua

E eles embaixo como o cão que a Ladra!

Antônio Lobo, escritor da velha cepa, não percebeu que a transgressão à regência verbal é o que enriquece e dá força ao verso de seu adversário. Dois anos depois dessa polêmica, ele ainda reafirma a mesma incompreensão da estética simbolista e, sobre a poesia de Inácio Xavier de Carvalho, emite a mesma opinião expressa a Sebastião Sampaio: “I. Xavier de Carvalho” – são suas palavras em Os novos atenienses – “é, incontestavelmente, uma organização poética de primeira ordem. De um alto poder de idealização e de expressão estética, sabe, aos seus temas emotivos, aplicar com maestria todos os recursos técnicos da sua arte. A única falha que teríamos a lamentar na sua obra, se acaso aqui tentássemos exercer a crítica, seria exatamente o malbarato de tão belos requisitos artísticos, no cultivo do verso simbolista, tal como andou compreendido pelos sibilinos e intraduzíveis decadistas franceses e pelos seus dignos imitadores brasileiros”. (p. 60).

Na verdade, o que há para se lamentar em Xavier de Carvalho é que ele tenha chegado tarde e repetitivo, o que, só por isso, não implica em inferioridade literária. Sonetista exímio, algumas de suas criações mereceriam acolhida franca em qualquer antologia da língua vernácula. Sua poesia revela uma tentativa de introspecção que transcende ao seu próprio eu, para desvelar a alma humana em angústia universal. Os tempos que se anunciam serão de Freud, Joyce, Pound, Proust. Inácio Xavier de Carvalho tem o pressentimento da mudança. Poderemos dizer não apenas que sua obra, mínima, ficou pelo meio do caminho, mas que ele é todo um meio de caminho. Epígono por um lado, é mal e mal percebido como o prógono que poderia ter sido: culpa da Província que tardou tanto em abrir os sentidos para os paradigmas da modernidade.

De fundador da Academia e titular da Cadeira nº 9, Inácio Xavier de Carvalho foi transformado em patrono da Cadeira nº 37, fundada por José de Ribamar dos Santos Pereira.

Não podendo encarnar-me na voz do barítono que foi Ribamar Pereira, para aqui solfejar as 217 poesias que, segundo Mário Meireles, deixou musicadas o primeiro ocupante da Cadeira 37 – algumas inclusive traduzidas para o francês, o espanhol e o italiano – eu me desculparei por lhe fazer apenas rápido aceno biobibliográfico:

Nascido em São Luís em 17 de setembro de 1898, estudou primeiras letras no famoso Instituto Rosa Nina. Poeta, jornalista, teatrólogo, orador. Bacharel em Direito pelo Pará, foi assistente judiciário do Proletariado e 1º promotor Público da Capital, no Maranhão; consultor jurídico da Caixa de Aposentadorias e Pensões de Serviços Públicos dos Estados do Piauí e Maranhão. Representante, no Maranhão, da Casa dos Artistas, da Associação do Teatro Nacional e da Associação de Cronistas de Arte. Colaborou assiduamente na imprensa de São Luís e do Acre, Belém (Folha do Norte), Fortaleza, Recife (Jornal Pequeno), Bahia (A Tarde), São Paulo, Amazonas e Rio de Janeiro. Foi professor Catedrático da Academia de Comércio do Maranhão, da Escola de Agronomia do Maranhão, da Faculdade de Direito do Maranhão e de outros estabelecimentos secundários em São Luís. Membro, também, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Faleceu a 23 de abril de 1959.

Sobre Luiz Viana, muito não direi, para não me arriscar a cometer erros perante familiares e parentes seus, que ainda agora nos circundam. Nascido a 29 de setembro de 1889, duas ilustres casas de São Bento entroncam-se em seu nome: a dos Lobatos e a dos Vianas. De rápidos apontamentos biográficos que dele colhemos, entende-se que foi excelente em tudo: como estudante, professor, médico, jornalista, educador, homem de letras, cientista, administrador público. A esse respeito, façamos leitura das palavras de quem o conheceu e sucedeu nesta Casa: “Se quisermos definir, com justiça e justeza, a vida científica, a vida literária de Luiz Viana” – fala Amaral Raposo – “cumpre-nos afirmar haver sido ele um pêndulo de ouro, oscilando sem hiatos e sem pausas, durante mais de meio século, entre a paixão absorvente do estudo e o fanatismo incessante do ensino.

“Mais do que tudo, ele foi mestre. Mestre consumado em nossa língua, foi, igualmente, em italiano, em francês, em inglês e alemão, tal como atestam quantos mais íntima e frequentemente o conheceram.”[2]

Quanto ao perfil humano daquele meu antecessor, nada melhor que recolher o testemunho de quem faz, na vida acadêmica, a sequência da linhagem humana e intelectual de Luiz Viana: “De tio Luís – diz o romancista Waldemiro Viana – me fica na memória um retrato paradoxal: enquanto meu pai e seu irmão mais novo, Fernando Viana, me falava do seu extremo rigor (ao ajudar meu avô na educação dos cinco irmãos), na condição de primogênito, a calar os mais novos ante um simples franzir de cenho, eu, que já o conheci no ocaso de sua vida, guardo dele a lembrança de um doce velhinho, extremamente culto, a dar-nos, bonachão, qualquer explicação sobre qualquer assunto, cuja dificuldade desaparecia face à aula ministrada.

“As disciplinas de sua predileção eram Português e História Natural. A esse respeito, por sinal, lembro de uma entrevista que concedeu à TV Difusora (a única, àquela época), por ocasião de sua posse na Cadeira 37 da Academia Maranhense de Letras. Perguntado sobre o porquê dessa preferência, respondeu, orgulhoso: “História Natural, por natural propensão; Português, por ser maranhense“.

“Iniciou suas atividades literárias com o livro de crônicas lançado no Rio, O Dia, do qual não tenho quaisquer notícias. Foi articulista de vários periódicos maranhenses, em destaque o jornal Pacotilha, do qual chegou mesmo à direção.

“Poeta esparso, deixou uns quantos sonetos, de lavra rebuscada e métrica perfeita. Tive oportunidade de ler-lhe uns contos eróticos, ainda na flor da idade, aos doze, treze anos, que me serviram como incremento para fantasias de toalete.

Sucedeu-o Amaral Raposo, “um dos últimos abencerragens que enfrentam com denodo os sarrabulheiros do idioma […]. Enfant terrible… garoto levado da breca… Fascinado, desde jovem, pela grandeza do estilo ruibarboseano, tudo o que lhe tem saído da pena irrequieta e candente reflete, tem refletido sempre a influência do grande baiano” – é o que dele afirma Fernando Viana, que lhe deu as boas-vindas na Cadeira 37 desta Casa.

E é, outra vez, ao filho de Fernando Viana, a quem mais uma vez invoco, para falar da figura humana que fez companhia inesquecível a muitos dos presentes, mas a quem, por um lapso de geração, não cheguei a conhecer:

Depõe Waldemiro Viana: “A desenxabida revista de origem americana Seleções do Reader’s Digest, de leitura quase obrigatória em certa fase da vida de todos nós, sessentões, trazia um quadro fixo intitulado Meu Tipo Inesquecível, onde um escritor qualquer escrevia sobre alguém que o impressionara sobremaneira.

“Se eu tivesse que escrever nessa seção, o meu tipo inesquecível certamente seria o genial jornalista, poeta, articulista e – sobretudo – irascível gozador Amaral Raposo.

“Tenho-lhe, viva, na retina a imagem: meia altura, físico de antiatleta, era meio barrigudo, braços finos, amareloso, olhos esbugalhados, beiçola decaída a sibilar assobios completamente desafinados, cabeleira rareando e em perpétuo desalinho. Tinha por característica o hábito de emitir, após a ingestão da dose de conhaque usual, uma espécie de gorgolejo esquisito, que o identificava à distância.

“Humor cáustico, para cada situação tinha uma contundente crítica. Recordo-me de uma situação constrangedora por que passei, quando, aluno do 3º Científico do Colégio São Luís, fiquei entre dois fogos, por ocasião do lançamento de um livro didático pertinente à matéria, do meu professor de Português de então.

“Na apresentação da obra, esse professor cometeu a infelicidade de iniciá-la com a expressão: “Dos teclados de minha máquina…” Foi o quanto bastou para Amaral Raposo, impiedoso, num artigo de jornal, massacrar o pobre coitado, naquele seu humor ferino, a indagar quantos teclados terá a máquina desse mentecapto? E a dar-se ao trabalho de ler detidamente a obra, somente para criticar-lhe os erros gramaticais.

“E eu é que, em classe, suportava as diatribes do mestre, que tinha pleno conhecimento da minha amizade com o seu implacável crítico.

“Tocava um violão divino, mas uma execução sua geralmente gerava polêmica e descontentamento. Isso porque, perfeccionista, não admitia qualquer ruído externo, quando da execução de seus solos.

“Dispersivo, muito pouco ficou da obra do genial poeta de . Somente as piadas, blagues, observações cáusticas que o notabilizaram, e respostas prontas, que confundiam (ou desmoralizavam) o inquiridor… como, por exemplo, aquela dada a uma senhora, já um pouco além de balzaquiana, que o atormentava com insistentes elogios (o poeta era avesso a eles) e que, a certa altura, perguntou-lhe, coquete:

“- Quantos anos o senhor me dá, poeta?

“A resposta seca e um tanto ríspida:

“- Nenhum, dona: a senhora já tem muitos!”

Volto-me, por fim, a desdizer o que disse Afrânio Peixoto e repetiu José Sarney, que um acadêmico são dois discursos, o segundo dos quais ele não poderá mais ouvir. José do Nascimento Morais Filho marcou de tal modo a sua passagem pelo cenário maranhense da segunda metade do século XX, que é difícil o imaginarmos desaparecido, sem mais nem menos, de nosso convívio, sendo bom examinarmos se ele não se acha camuflado em meio a esta audiência, prestando atenção a este segundo discurso a seu respeito, conferindo palavra por palavra de seu sucessor na Casa à qual um dia ele voltou as costas para sempre.

A seu modo, ele também terá sido “um garoto levado da breca”, podendo intuir-se, quase, venha esse timbre a firmar-se como identidade da Cadeira 37 neste carrancudo Cenáculo da Inteligência Maranhense. Um “aloprado”, não tivesse essa palavra sofrido a deformação semântica causada pela apropriação indébita de sentido que dela fez o presidente da República. Se não – com a única exceção de Graça Aranha, no famoso episódio de sua conferência na Academia Brasileira, em 1924 -, de qual outro “aloprado” há notícia de rompimento com uma Instituição que, para não poucos, é a capa, ou a carapaça, com que se cobrem e se escondem em sua espera e passagem para os umbrais da imortalidade?

Na Igreja do velho regime, o gesto supremo de coragem para o sacerdote era atirar a batina às urtigas, abandonar as obrigações sagradas do culto. À moda antiga, o homem de Deus tornado aos hábitos de simples cidadão era apontado como apóstata, palavrão mais pesado que o de herege ou cismático, denúncia de infidelidade pública e permanente, defecção imperdoável, tipo especial de sacrilégio equivalente à morte em vida, e o qual dificultava por demais – se não mesmo impossibilitava de todo – os atos e práticas da vida comum: contrair matrimônio, exercer uma profissão, ser aceito em sociedade.

De que outra imagem poderemos nos valer para, em comparação, pesar e medir a “aloprada” coragem de Nascimento Morais Filho, quando se arrebatou do propósito de largar para sempre a companhia de seus pares na Academia Maranhense de Letras? A apostasia era um absurdo na teologia do catolicismo. A renúncia continua sendo um absurdo na metafísica das academias. Ainda hoje diz o Regimento desta Casa, em seu art. 46: “É perpétuo o título de acadêmico.” E mesmo com a vigência da Constituição de 1988, cuja garantia de liberdade associativa obrigou a reescrever-se a norma interna acadêmica, eis o que foi acrescentado ao caput de referido artigo:

“§ 2º O acadêmico que renunciar […] terá seu nome excluído de todos os registros da Academia, passando a figurar como período de vacância aquele em que pertenceu à Instituição.

“§ 3º Verificada a hipótese prevista neste artigo, será considerado antecessor do novo acadêmico eleito o antecessor imediato do que houver renunciado.”

Decreta-se nesses parágrafos a sentença de morte do acadêmico, medida decerto copiada dos regulamentos militares, pois só nos quartéis se encontrará paralelo a tamanho rigor, quando alguém é expulso de suas fileiras.

Observe-se que, para melhor análise, estamos distinguindo e separando os atos do fato: a renúncia e a causa da renúncia. A renúncia foi uma demonstração livre, consciente e voluntária de estoicismo suicida. Mas, para Nascimento Morais Filho, foi a pena de prisão perpétua para garantir a própria liberdade. Essa, a causa remota de sua drástica decisão. Ele disse em um de seus livros:

liberdade

foi o que a natureza programou para o meu ser:

– a ordem

a que obedecem as minhas células.[3]

E mais adiante:

limpei com o povo

a minha consciência!

com o povo

tonifiquei meu ser!

agora, canto:

– liberdade! liberdade! liberdade![4]

Não importando esmiuçar-se nenhuma causa remota da ruptura de meu antecessor com a Academia, transpareça, ao invés, a motivação imediata que lhe acendeu razões para isso: o capricho por assegurar à velha Confraria a essência de sua pureza genética. Que o sacrifício de José do Nascimento Morais Filho assim seja visto e assim se guarde como lição pelos tempos a vir. A esta centenária Oficina convergem homens e mulheres que, bem ou mal, forcejam, sobre tudo e primeiro que tudo, pela expressão artística através da escritura. Mais que simples diferença específica no quadro genérico dos que malham a palavra na forja de seu labor cotidiano, é esse o seu apanágio supremo. Elevando-se a tal plano a vigilância dos guardiães desse templo, não há confundir-se zelo com prurido, ou escrúpulo com teimosia. A pedagogia dessa cláusula pétrea foi legado e é cobrança deixada pelos Doze Fundadores, conforme deduzimos pelo exemplo de Antônio Lobo, no relato de Carlos Gaspar, já mencionado.

Mas não foi sem exercitações antecedentes que a trajetória de Nascimento Morais Filho culminou com a sua morte neossocrático-acadêmica nesta outra velha Atenas. “Eu sou um lutador”. A frase tantas vezes repetida por seu ilustre pai e que até ontem líamos colada ao busto daquele grande jornalista, na Praça do Panteon, a seu filho também é repassada, através da bagagem cromossômica, como súmula de sua agitada biografia.

José do Nascimento Morais Filho nasceu em São Luís, a 15 de julho de 1922. “Sua forte vocação de agitador de idéias” – eu repito palavras de seu primo Jomar Moraes – “revelou-se muito cedo, quando, na liderança de um grupo de jovens e com a participação de figuras consagradas da cultura maranhense, fundou e dirigiu a Centro Cultural Gonçalves Dias, sem dúvida o mais importante movimento cultural de São Luís na década de 40”,[5] de que fizeram parte Ferreira Gullar, Bandeira Tribuzi, Lago Burnett, Dagmar Desterro, Vera Cruz Santana, José Filgueiras, José Bento Nogueira Neves e outros mais.

Fala um de seus colegas daquelas priscas horas, Lago Burnett: “Sempre considerei Zé Morais e Bandeira Tribuzi os polos fundamentais de nossa geração. Morais nos ensinou a cultivar os clássicos; Tribuzi, sem desprezá-los, nos acenou com a viabilidade de novos rumos. Mas ambos tinham, e ainda têm, a visão social do caso literário. Ambos sabiam e sabem que não se faz literatura sem povo, porque, em última instância, é para o povo que a arte se destina e é do povo que ela nos chega, em estado bruto.”

A formação desse líder haverá de ter sucedido de forma tumultuária como o correr de seus dias. A exuberância de seu espírito não lhe terá deixado tempo e paciência para a realização de estudos intensivos, sistemáticos e aprofundados em qualquer campo de saber. Em mais de um de seus livros, ele mesmo deixa esculpido o próprio perfil intelectual: “Por natureza, formação e tradição de família: poeta, prosador e professor. / Por acaso: Fiscal de Rendas do Estado do Maranhão – função que também, ‘por acaso’ fê-lo encontrar e conhecer o outro Nascimento Morais Filho: o folquelorista” [sic, sistematicamente].

Sua obra versificada compreende: Clamor da hora presente, que, da estréia em 1955, chegou a quatro edições, até 1992; Azulejos, de 1963; e Esfinge do azul, de 1972 e 1996, títulos todos extraídos na capital maranhense. Considerada sob a mira da eternidade, como o deverá ser a partir de agora, e vista em conjunto, será produção que não convida a uma aposta de permanência: é obra de leitor de poesia, criação ao rés da palavra, palavra ao rés do chão, ademais de tributária de intenções que suplantam a realização poética, tais como a retórica do libelo político e a denúncia engajada. Sabe-se o quanto é difícil escapar a esse ardil, sobretudo nos tempos de juventude, e quando se luta e se labuta em esquinas miseráveis do Planeta, onde muitas vezes se pratica a literatura com intenção de tocar fogo no mundo. Mas também é sabido que a poesia comprometida – particularmente a poesia de partido – exige uma sobrecarga inventiva apenas alcançada por raros poetas de alto nível: Castro Alves, Maiakowski, Neruda, Gullar. Pois não basta a emoção: é necessário que a emoção seja recolhida em silêncio – lembra-nos há quase dois séculos o crítico inglês.

Ouçamos, a propósito, uma voz que veio de longe, na qual palavras de entusiasmo e estímulo entremeiam-se à percepção sincera – sempre respeitosa e amigável – sobre os versos de meu antecessor: “Acabo de receber o seu livro Clamor da hora presente e muito agradeço ao amigo” – escreve-lhe da Bélgica Gaston-Henry Aufrère (Carta de 1.10.1955). – “Li os seus poemas com muito prazer, porque eu [também] sou poeta d’avant-garde que não fica indiferente ao andar das castas laboriosas do mundo. Saúdo no meu amigo um jovem poeta do povo, um desta falange dos escritores progressistas que tem a coragem de suas idéias e escreve a sua mensagem em nome do povo e dos trabalhadores, espoliados pelos capitalistas. […] Talvez a poesia de meu amigo não tenha sempre o vôo sublime que convém. Não importa! O que conta é a idéia!” E noutro lugar, depois de afirmar que o nosso Zé Morais levanta o seu Clamor “em trombeta épica”: “Quando a poesia de Morais Filho estiver purificada de algumas banalidades e lugares comuns, haverá de estar no nível da de um Maiakowski e de um Ritsos, e o Brasil terá um grande poeta.” [6]

Podemos adivinhar o que responderia o destinatário de tal mensagem a seu correspondente e a todos os demais leitores: “Prefiro ser o último, sendo eu, a querer ser o primeiro, sendo outro” – é esse um de seus Pensamentos, colhido em lista do livro Esfinge do azul.

Versos de Nascimento Morais Filho serviram de letra para a música de compositores como Ribamar Fiquene, Antônio Vieira, Lopes Bogéa e José de Ribamar Passos (Chaminé), mistura intersemiótica que certifica, de per si, seu desejo de ser simples e direto, no intuito de alcançar o ouvinte comum, deixando à vista o quanto seus escritos se entendem com a linha da oralidade.

E foi essa preocupação com a oralidade, com auscultar o coração de sua gente e com ele sintonizar-se, que o levou à cultura popular. São de sua lavra neste campo: Pé de conversa, de 1957, O que é o que é?, de 1972, e Cancioneiro geral do Maranhão, 1º v., 1976. Seu entusiasmo pelo folclore o fez conceber projetos grandiosos, não realizados: uma Enciclopédia do Folquelore [sic, sistematicamente] Maranhense, um Cancioneiro geral do Maranhão, de que saiu, em 1º volume, uma coletânea de nossas quadras poéticas tradicionais, apanhadas de antigos periódicos e da voz do povo, trabalhos que, no tocante à sua terra, ele pretendia corressem em paralelo ao empreendimento de Câmara Cascudo para todo o Brasil.

Sua atividade multifária o fez pesquisador muito a seu modo, sem maiores desvelos metódicos e com a indisciplina própria de seu temperamento. Por seu esforço em procura de papéis velhos do passado maranhense, fez reeditar o livro A metafísica da contabilidade comercial (1986), de Estêvão Rafael de Carvalho, e o jornal O Bentevi (1986), indispensável para quem se dedique a rastrear a história da Balaiada. Muito especialmente, o Maranhão e o Brasil lhe ficarão para sempre devedores por ele haver ressuscitado o nome de Maria Firmina dos Reis, promovendo-lhe a edição fac-similar do romance Úrsula e fragmentos de outros escritos da notável escritora conterrânea. Como acontece, compreensivelmente até, com muitos estudiosos que exageram na paixão por seus achados, Nascimento Morais Filho sobrevalorizou o próprio feito. Por sua singularidade e seu pioneirismo, Maria Firmina dos Reis há de constar necessariamente na história da cultura maranhense, na sociologia de nossas idéias, de nossas práticas sociais, e não bem de nossa literatura. “Poetisa medíocre e ficcionista desimportante” – a avaliação é de Jomar Moraes – “Maria Firmina ds Reis não tem, mesmo nos limites da literatura maranhense, a significação que recentemente pretenderam atribuir-lhe”.[7]

Mas quem, tendo vivido no Maranhão da década dos 80, desconhece o movimento insistente, resistente e renitente, que foi o Comitê de Defesa da Ilha de São Luís? Difícil inventar iniciativa mais ao gosto de José do Nascimento Morais Filho, de sua opção ideológica, pela qual ele cresceu, sobrepujou-se de suas humanas proporções, agigantou-se como paladino da causa ecológica, da qual, àqueles tempos, mal se tinha notícia. O gigante assim constituído vestiu-se em pele de leão e deitou a sua ira sobre o deserto de nossa indiferença. O poeta arrebatou-se em fúria de profeta, passou a alimentar-se de gafanhotos, voltou-se furibundo contra uma poderosa multinacional e contra o governo que lhe fazia concessões, no mínimo, desnecessárias e descabidas. E não esqueçamos que ainda andava em vigência o governo fechado do Regime Militar. Nada o intimidava. Ele soube arregimentar adeptos, sobretudo entre os mais jovens, atacou, foi contratacado, fez comícios, passeatas, manifestos, bradou aos quatro ventos, bateu às portas dos tribunais, e, perdendo, sagrou-se campeão. Não importa se quase três décadas depois, parecem demasiadas ou infundadas as suas invectivas, se a indústria pesada que ela pesadamente acusava tem ganho até prêmios internacionais por seu cuidado no manejo ambiental em São Luís. Perguntemos: como seriam as coisas, se tão veemente não houvesse sido o seu protesto? Chuvas de ácido sulfúrico não caíram ainda sobre a velha Upaon-Açu, graças a Deus. Mas o que poderia ter feito uma grande empresa cujo objetivo maior e primeiro que todos é o lucro, e a qual demos tudo ou quase tudo, se o brado de Nascimento Morais Filho não se cristalizasse no tempo e no espaço, levado em eco pela viração que sopra nesta Ilha sobre nossas cabeças e nossas consciências, advertindo-nos que, também no plano ecológico, o preço da liberdade é a eterna vigilância?

Grande Zé Morais! Que responsabilidade a minha: refazer os laços que rompeste com a tua Casa, Casa da família Morais, de teu pai, de teu irmão, de teu primo, reunir-te aos teus pares, que tanto ganharão por teu convívio… Reavivar e reviver os teus ideais de liberdade, manter aclamada e acolhida a causa pela qual tanto te empenhaste. De onde estiveres, assiste-me, dá-me as forças que tiveste, para que eu também me agigante a mim mesmo e seja fiel a teu compromisso.

Em minha toada de chegança a este recinto lembrei meu pai. Permitam-me agora que eu a encerre, prestando homenagem à outra pessoa, uma das quais mais quero bem nesta vida. Dona Clarice Pinto Haickel, minha mãe que completa exatamente hoje 80 anos, – idade que não acredito poderei alcançar – e essa é a razão de eu haver escolhido esta data para oficialmente ingressar neste templo sagrado.

A cerimônia desta noite é o presente que um filho deposita jubilosamente nas mãos de sua mãe, porque a ela lhe pertence, todo, inteiro.

Mãe, meu presente para ti, nesse teu aniversário, é a honra e o reconhecimento que homens e mulheres da Academia Maranhense de Letras demonstraram a teu Jotinha por eventuais méritos seus. Méritos, se os tenho, devo-os ao Deus, que me ensinaste a honrar e respeitar, e depois dele, a ti, mais que a ninguém, pois tudo que sou, tudo que alcancei nessa vida, devo a ti. Ao que me ensinaste, ao que me possibilitaste aprender, as cortinas e portas que abriste para que eu pudesse ir, sem jamais me distanciar de teu carinho e de teu amor.

Que presente poderia dar para alguém que fez tudo por mim. Que além de me fazer por amor a um homem, me criou, quase que a sua imagem e semelhança?

Eu cresci, sou grande, mas todo esse meu tamanho é pequeno para conter o amor e a gratidão que tenho por te, pois de nada adiantaria as oportunidades que meu pai me proporcionou se não viesse junto com elas a tua doçura e a tua bondade.

Poderia continuar aqui falando a noite toda, as mesmas mil e uma noites em que lias para mim, antes de dormir. Se mais não falo, é porque a emoção não me deixa – e porque emoções oceânicas não cabem no estreito estuário da palavra.

Por fim, mesmo incorrendo em blasfêmia, tenho certeza que meu bom e misericordioso Deus me perdoará por mais isso … “a te, toda honra e toda a gloria, agora e para sempre…”


[1] Jomar Moraes, Apontamentos de literatura maranhense, p. 14.

[2] Amaral Raposo, Revista da AML, ano 8, v. 19, jun-1998, p. 85.

[3] Nascimento Morais Filho, Esfinge do azul, p. 89.

[4] Idem, ibidem, p. 91.

[5] Jomar Moraes, Perfis acadêmicos, 3ª ed., p. 108.

[6] Gaston-Henry Aufrère, Le Thyrse – Revue d’Art e de Littérature – IV série, mai 1956, nº 5, in Esfinge do azul, p. 18.

[7] Jomar Moraes, Apontamentos, cit., p. 136.

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Deputados prestam homenagem à colega imortal.

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Texto extraído do site da Assembléia Legislativa do Maranhão.  

O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA (sem revisão do orador) – Senhor Presidente, senhoras e senhores parlamentares, companheiros das galerias, funcionários, internautas, comitê de imprensa, Deputado Joaquim Haickel, o nosso pronunciamento refere-se exatamente a V. Ex.ª, e está por nós escrito talvez há dois meses ou mais, mas buscando esta oportunidade de fazê-lo mais próximo da grande festa que o maranhenses teremos ali na Academia Maranhense de Letras. Já tive o prazer de registrar com grande alegria essa satisfação aqui mesmo desta tribuna e inclusive fiz um requerimento de moção, de aplausos aprovado por unanimidade por este plenário ao ilustre membro deste parlamento por ocasião de sua eleição para a Academia Maranhense de Letras, em pleito ocorrido dia 2 de julho do ano corrente. Falo do Excelentíssimo Senhor Deputado Joaquim Haickel. E vou sair do que está escrito aqui Deputado Joaquim, senhores deputados, Deputada Helena, faço, Deputado Penaldon, com mais autoridade permissa vênia companheiros, porque sou o líder do Bloco da Oposição nesta Casa, sou o líder da Oposição nesta Casa e V. Ex.ª é membro da Bancada do Governo. Portanto, este pronunciamento ele tem mais autenticidade, muito mais valor do que fosse alguém da bancada de V. Ex.ª. Creio que V. Ex.ª concorda conosco neste momento, pelo menos agora, sei que todos aqui conhecem muito bem de quem falo, mas quero ressaltar Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel, maranhense de São Luís, 49 anos, filho de Clarisse e de Nagib, o saudoso Deputado Nagib Haickel, de quem Joaquim herdou o gosto pela política. Chegou muito jovem a esta Assembleia Legislativa, aos 22 anos, com a missão de substituir o pai que se elegera deputado federal. Aos 26 anos seria sua vez de ir para Brasília, agora como Deputado Federal Constituinte, onde teve destacada atuação. Eu quero sair das letras do discurso quando ele diz que Joaquim chegou a esta Casa aos 22 anos. Eu quero lembrar aos senhores que naquele momento eu também chegava à Assembleia Legislativa do Maranhão e pude ser, Deputado Pavão e Deputado Nonato Aragão… Estamos homenageando um grande companheiro neste plenário. Eu chegava à Assembleia Legislativa um pouco mais velho do que o Joaquim e tive a honra de ser o líder dele. Eu era líder da Bancada do Governo já naquele tempo, governador de então, o bravo sertanejo Luiz Alves Coelho Rocha, e eu era o líder do Governo e era o líder do Joaquim, aquele jovem que iniciava a sua vida na política com um grande brilhantismo, com uma concentração de pensamento extraordinário. Sempre que, já naquele momento, ia à tribuna daquela Casa, como disse ele certa vez como neófito ou como alguém assim o disse do nobre imortal Joaquim Haickel. Mas Joaquim é também advogado, empresário e, sobretudo, um refinado intelectual. Tenho dele, saio outra vez do discurso, várias coleções de artigos que ele escreve no Jornal O Estado do Maranhão sempre aos domingos. Tenho o hábito de procurar exatamente o que ele escreveu e sempre recorto para a minha coleção particular os escritos do Deputado Joaquim Haickel porque escreve com leveza, com conhecimento de causa, com talento, e é gostoso ler o que o Deputado Joaquim Haickel escreve. Na verdade, o poeta e o político sempre viveram juntos. Joaquim é poeta por dom de nascimento e político por vocação. Querem ver um pouco da sua poesia? É só acessar também o blog do Deputado Joaquim Haickel que tem muita coisa interessante, excelente para ser pesquisada e lida.
O SENHOR DEPUTADO PAVÃO FILHO – Deputado Edivaldo, me permite um aparte?
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Daqui a pouquinho cederei um aparte a V.Exa. com muito prazer. Como parlamentar, é presença constante e diária nas tribunas deste plenário onde, tal qual seu pai, não sossega um só instante, conversando com um, articulando com outro, atendendo uma ou outra liderança política ou sindical. Aliás, lembrando aos senhores uma olhadinha para o frontispício da tribuna desta Casa que recebeu orgulhosa e honradamente o nome do Nobre Deputado Nagib Haickel, a quem eu aprendi admirar também. Acompanhei o pai do Deputado Joaquim, do colega Joaquim Haickel à distância e muitas vezes de perto. A força, a extraordinária inteligência e perspicácia de um sertanejo que entrou na política, que entrou no comércio, um turco que tinha a visão moderna, a visão moderna do comércio, do que a sociedade no mundo gostaria de ter, quem não se lembra da Meruoca? Deputado Joaquim, V.Exa. se lembra da Meruoca? Aberta 24 hora ali no João Paulo. Deputada Helena lembra-se da Meruoca. Olha a extraordinária sacada daquele árabe inteligente, impressionante. E quis a providência divina que partisse mais cedo deste mundo, deixando para nós uma grande lacuna, mas preenchida com certeza na sua plenitude pelo intelectual, pelo poeta, pelo amigo, pelo grande político Joaquim Haickel. Concedo o aparte ao Nobre Deputado Pavão Filho.
O SENHOR DEPUTADO PAVÃO FILHO (aparte) – Deputado Edivaldo, eu gostaria de me somar às referências que V. Ex.ª faz ao Nobre Poeta Deputado Joaquim. Joaquim na verdade tem orgulhado o parlamento maranhense pelo trabalho que tem feito na área da cultura, principalmente das letras através da poesia, através do cinema. O Joaquim tem contribuído com o seu talento que é natural, e isso nos orgulha porque mantém inclusive viva a tradição do Maranhão como uma fonte, como um celeiro de poetas, de talentosos, homens que pensaram no passado, no presente e com certeza teremos no futuro. Então o trabalho que o Joaquim tem realizado na área da cultura, das letras e do teatro, do cinema, orgulha a todos nós maranhenses, orgulha esse parlamento. Eu não tenho dúvidas de que a sua ida para Academia Maranhense de Letras, foi o reconhecimento a esse talento, e a esse comprometimento que ele tem com a cultura do nosso Estado, portanto, eu quero me somar às referências que V. Ex.ª faz ao companheiro Joaquim Haickel e homenageá-lo como um amigo, como um colega de parlamento, que muito tem contribuído para manter viva as nossas tradições culturais, como um Estado que é celeiro da cultura brasileira.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Muito obrigado Nobre Deputado Pavão Filho, pelo seu aparte brilhante ao nosso pronunciamento, que só vem enriquecê-lo mais. Como artista Joaquim Haickel tem servido as mais causas de nossa cultura como, por exemplo, sua luta em defesa do cinema maranhense, que o fez aprovar aqui um Projeto de Resolução instituindo prêmio de incentivo ao cinema documental e ficcional em nossa terra. O Deputado Joaquim Haickel de fato nasceu com o dom e gosto para as letras e para as artes, é dotado de múltiplos talentos. Vou contar para V. Ex.ªs uma passagem da vida política de Joaquim Haickel. Eu quero chamar atenção aqui da Mesa e dos Senhores Parlamentares, da Imprensa, das galerias, dos internautas, porque esse é um fato histórico, Deputada Graça Paz, interessante que está cravado nos Anais do Congresso Nacional e agora, Deputado Penaldon Jorge, vem para os Anais desta Casa, e para o conhecimento dos senhores é que eu narro essa passagem da vida do Joaquim como Deputado Federal. Vou contar uma passagem da vida política de Joaquim Haickel que eu acredito que poucos sabem. Fui colega de Joaquim quando nos elegemos deputados estaduais em 82; depois fomos mais uma vez colegas na Assembléia Nacional Constituinte. Lá em Brasília, no Congresso, Joaquim foi indicado para relatar a Emenda da Pena de Morte, prestem os senhores atenção neste fato. A pena de morte estava sendo proposta no Brasil pelo velho Deputado Amaral Neto, então de autoria do Deputado Amaral Neto, Joaquim tinha apenas 27 anos, e enfrentaria um dos maiores tribunos e um dos maiores dilemas naquele momento que vivia o Congresso Nacional, pois bem, Joaquim não se intimidou, seu profundo conhecimento no cinema veio a calhar exatamente naquele momento em que todo o Brasil fervilhava a sua mente, tinha a sua mente voltada para aquela questão que levantava igrejas evangélicas, igrejas católicas, a Sociedade Civil Organizada, os Parlamentos no Brasil, todos focados na pena de morte, e Joaquim relatando a matéria do Nobre Deputado Amaral Neto. Joaquim fez uma edição compacta do filme: O Caso dos Irmãos Naves. Célebre erro judicial da justiça do Estado de Minas Gerais. Acredito que a maioria aqui leu esta grande obra que trata daquele erro judicial no Estado de Minas. Joaquim Haickel apresentou na Comissão de Direitos e Garantias Individuais o resumo daquele erro judicial em Minas. Resultado: um dos mais importantes e prestigiados repórteres e documentaristas que o Brasil e o mundo já tiveram foi desbancado por uma espécie de parecer documentário produzido pelo Deputado Joaquim Haickel. Isso, Deputado Joaquim, para nós é uma honra hoje, como foi ontem, e será sempre. V.Exa. honrou esta terra e este Parlamento em todos os momentos em que esteve nele ou que procurou, através da sua pena, escrever algum artigo, alguma crônica, alguma poesia que estão hoje aí nos pósteros cravados para que a história jamais se esqueça ou para que as gerações futuras possam tomar conhecimento. O parecer contrário à pena de morte, produzido pelo Deputado Joaquim, foi aprovado na comissão e no Plenário. Outro fato curioso, neste caso, era que o relator, suplente de Joaquim naquela ocasião, era ninguém menos que o atual presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel Temer, hoje presidente daquele Poder.
O SENHOR DEPUTADO JOAQUIM NAGIB HAICKEL – Deputado Edivaldo, só queria lhe pedir que, antes de… Eu não sei o tamanho do seu discurso, mas antes que o senhor acabe sua fala, eu gostaria que V.Exa. me concedesse um aparte. Não quero lhe interromper, estou boquiaberto com V.Exa., apenas gostaria que, antes do final, V.Exa. me concedesse um aparte.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Eu concedo agora a V.Exa. o aparte, porque é importante que a alma de V.Exa. fale também dentro deste pronunciamento.
A SENHORA DEPUTADA GRAÇA PAZ – Eu lhe peço um aparte, deputado, depois do Deputado Joaquim Haickel.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Com muito prazer.
O SENHOR DEPUTADO JOAQUIM HAICKEL (aparte) – Deputado Edivaldo, eu fico muito honrado com a fala de V.Exa. Fico muito feliz por ter tamanha homenagem de V.Exa., mas a felicidade não é pelo elogio, pelas palavras carinhosas que V.Exa. tem para comigo, a felicidade é em ver aqui, Deputado Edivaldo, em que pese as nossas desavenças políticas, os nossos desencontros ideológicos, as nossas posições antagônicas nesta tribuna, hoje um homem sabe fazer a diferença. Lembro de uma frase que minha mãe trouxe do Cursilho de Casais e pregou na porta do seu quarto quando eu era criança: “Que Deus me dê coragem para enfrentar o que não posso mudar. Que me dê tenacidade para aceitar o que posso mudar e, principalmente, sabedoria para reconhecer a diferença”. A sabedoria de V.Exa. em fazer a diferença entre o ideológico e o fraternal me emociona mais do que os elogios que V.Exa. dedica a mim nesta manhã. Tenho certeza, Deputado Edivaldo, de que, apesar de sermos adversários, V.Exa. é líder da Oposição e eu sou vice-líder do Governo, numa ocasião de necessidade, no caso de guerra, de perigo iminente, tenho certeza de que poderei calar baionetas do seu lado porque, excetuando os desencontros ideológicos e políticos, conto com V.Exa. como homem de grande caráter e de grande moral. Por isso me honra pertencer a esta Casa e ser colega de homens como V.Exa. Muito obrigado por seus elogios e por suas palavras e, principalmente, muito obrigado porque nós já estamos aí há 26 anos convivendo na política do Maranhão, desde 1983, quando começamos na Assembleia Legislativa. V.Exa. lembrou bem no seu discurso, passando pela Assembleia Nacional Constituinte e agora aqui novamente. Espero que o Maranhão possa contar durante muito tempo com parcerias como essas que, mesmo não sendo desfraldadores das mesmas bandeiras políticas, desfraldem, como eu e V.Exa., mantêm a bandeira da boa convivência e a forma correta de fazer política. Muito obrigado, deputado.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Muito obrigado, Deputado Joaquim, pelo seu emocionado aparte. Mas dizer que a grandeza dos contrários está exatamente na dimensão da fraternidade que possa haver entre eles. Permito o aparte à Nobre Deputada Graça Paz.
A SENHORA DEPUTADA GRAÇA PAZ (aparte) – Deputado Edivaldo Holanda, acho que qualquer um dos 42 deputados que fazem esta Casa gostaria de ter tomado essa iniciativa, mas V.Exa. está fazendo tão bem e quero me unir a V.Exa. porque tenho, a respeito do Deputado Joaquim Haickel, o mesmo pensamento. E principalmente o que mais toca nas pessoas que conhecem o Deputado Joaquim é esse lado sensível que ele tem, e trazendo para a política, eu acho assim, que como poeta todos nós conhecemos, eu mesmo gosto de ler nos blogs tudo o que ele escreve e tenho uma grande admiração por tudo que ele escreve. E aqui como político, se é o melhor poeta ou se é o melhor político, mas quando está aqui eu tenho essa dúvida, quando eu vejo o Deputado Joaquim Haickel daqui da tribuna e vejo que me parece que ele é melhor político de que poeta. Quando eu leio as cosias que Joaquim escreve me parece melhor poeta que político. Mas o que é importante, é que ele traz essa sensibilidade e essa veia de poeta para política e isso é muito importante. Parabéns pelo discurso de V. Ex.ª.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Deputada Graça, V. Ex.ª parece que nessa tribuna teria feito melhor do que eu, porque resumiu o poeta, o político, o pensador Joaquim em tão poucas palavras, brilhantes palavras. Deixa eu me encontrar aqui. Contista, cronista, cineasta reconhecido e premiado no Brasil e no exterior, criador de uma extensa e rica obra literária com vários livros premiados. Começou como, Confissões de uma Caneta, em 1980, seu primeiro livro de contos, premiado no concurso Cidade de São Luís. Em seguida o Quinto Cavalheiro, livro de poemas de 81. Garrafas de Ilusões, contos de 82, também premiado em concurso da Secretaria de Cultura. Manuscrito, seu segundo livro de poemas em 83. Antologia Poética, Guarnicê e Antologia Erótica, Guarnicê, de 84 e de 85. Clara Cor de Rosa, contos de 86. Saltério de Três Cordas, contos de 89. Em 1990 lançou o apreciadíssimo: A ponte; que recebeu diversas indicações da crítica especializada, dentre eles Nelson Werneck Sodré e Artur da Távola. Como cineasta acaba de ganhar diversos prêmios no Brasil e no mundo com o filme: Pelo Ouvido. Melhor diretor no festival de Boston nos Estados Unidos. Indicações nos festivais de cinema de Montreal, Los Angeles e Hamburgo. No Brasil recebeu o prêmio de melhor filme nos festivais de: Natal, Teresina, Cabo Frio e no Guarnicê em São Luís; onde antes em 1984 já houvera sido premiado pela produção dos filmes: The Best Friend e Amigão. Seu filme, Padre Nosso é finalista de um festival nacional de micro metragens, filmes com até três minutos de duração.
O SENHOR DEPUTADO CARLOS BRAIDE – Senhor Deputado, V. Ex.ª me permite um aparte?
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Eu vou permitir seguidamente logo o aparte ao Deputado Batista, ao Deputado Jura Filho e a V. Ex.ª. Vou seguidamente dar os três apartes em razão do tempo e do pronunciamento. Com o aparte o Nobre Deputado João Batista.
O SENHOR DEPUTADO JOÃO BATISTA (aparte) – Nobre Deputado Edivaldo Holanda, confesso que estou surpreso em vê-lo abordar um assunto distinto, dos assuntos abordados anteriormente nessa tribuna por V. Ex.ª, no entanto me traz contentamento e felicidade vê-lo retratar de forma tão bela a figura do Deputado e também Poeta Joaquim Nagib Haickel. Eu fiz questão de apartear V. Ex.ª para dizer que poeta, eu acho que todo mundo é um pouquinho, há momentos em que você está num pique de criatividade incrível, que você não sabe se são duas da madrugada, sete da manhã, mas há um momento que você está no auge do seu pique criativo e você trazer esta criatividade que está dentro de você, verbalizar essa criatividade não é tão fácil quanto parece. Então, muitas vezes aquela criatividade, daquele momento, ela foge e não vem mais, talvez venha outra, mas não vem aquela e você ter a capacidade de ter pensamentos, idéias, conseguir verbalizar ou conseguir colocar isso no papel também como Joaquim consegue fazer, eu acho que é um talento, eu diria que carece e merece admiração. Portanto, eu fiz questão de fazer esse aparte para parabenizar o Deputado Joaquim por esta capacidade de pensar, mas não somente pensar e deixar que os pensamentos fujam, mas pensar e fazer com que esses pensamentos possam ser compartilhados por outras pessoas, quando consegue seus textos e quando consegue colocar de forma tão brilhante as idéias no papel. Não é para qualquer um, não é para qualquer um, portanto, fiz questão de fazer essas observações aqui.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Obrigado Deputado João Batista pelo seu excelente aparte. Nobre Deputado Jura Filho.
O SENHOR DEPUTADO JURA FILHO (aparte) – Deputado Edivaldo Holanda, V.Exa. efetivamente faz um grande pronunciamento que todos nós gostaríamos de estar fazendo neste momento. Cada um de nós que aparteou ou os que não o fizeram com certeza gostariam de estar onde V.Exa. está para fazer esse pronunciamento. Como V.Exa. falou no início do velho Nagibão, do tio Nagib, por quem eu tive a honra de ser liderado quando ele foi Presidente desta Casa e quando exerceu o seu mandato de deputado de forma invejável pela sua dinamicidade, pela sua visão longa, política, enfim. Além de tudo, tio Nagib tinha um coração enorme que todos nós sabíamos do tamanho, ou melhor, tentávamos entender tamanha dimensão daquele coração, e nós não conseguíamos assim fazer. O Joaquim herdou do pai tudo isso, um grande homem, companheiro, amigo também, mas com certeza o tio Nagib, por não ter tido oportunidade, propiciou ao Joaquim e com certeza se projetou nele a questão das letras até pelo trabalho que o tio Nagib teve que enfrentar muito cedo, não tendo a oportunidade assim de fazê-lo. Então, o Joaquim soube aproveitar e soube não apenas aproveitar, mas depois externar para todos nós o que teve do tio Nagib, que deu a ele a oportunidade para ser o que é hoje. O Joaquim é hoje o espelho do aprendizado dos ensinamentos que o tio Nagib passou para ele, conduzindo-o pelos caminhos corretos da vida. Hoje nós fazemos o reconhecimento de tudo isso no momento em que o Joaquim se consagra como poeta, uma vez que vai ser um dos imortais da Academia Maranhense de Letras, porque já é da Academia Imperatrizense de Letras. Eu tenho certeza de que é um grande prêmio porque a cultura enobrece o homem e com certeza o apazigua, trazendo inclusive a paz mundial. Mas eu quero parabenizar o Joaquim e V.Exa. pela oportunidade que estão dando a todos nós de externarmos o nosso posicionamento diante desse companheiro, esse colega cuja presença aqui com certeza é importante e faz diferença aqui neste plenário. Muito obrigado.
A SENHORA DEPUTADA ELIZIANE GAMA – Deputado Edivaldo, V.Exa. me permite um aparte?
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Salvo engano, o Deputado Carlos Braide está na ordem e, logo em seguida, concedo o aparte a V.Exa., Deputada Eliziane.
O SENHOR DEPUTADO CARLOS BRAIDE (aparte) – É para dizer a V.Exa. que não sei se parabenizo o Deputado Joaquim por essas muitas qualidades, das quais algumas conhecidas, outras estavam no baú, ou pelo pronunciamento, que é o mais brilhante que eu já ouvi nesta Casa.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Muito obrigado. Fico muito feliz. Já está incorporado para os Anais este elogio que V.Exa. faz aos dois. Deputada Eliziane Gama.
A SENHORA DEPUTADA ELIZIANE GAMA (aparte) – Deputado Edivaldo, eu também jamais deixaria de fazer os cumprimentos a V.Exa. pelo grande discurso, e ao colega Deputado Joaquim também. Acho que é um momento realmente importante, acho que o Joaquim tem várias qualidades, mas eu queria destacar duas, Deputado Joaquim. Uma delas me fascina muito, que é o cinema, e eu sou jornalista formada em Comunicação Social também pela UFMA, e V.Exa. está trilhando um caminho muito amplo, com reconhecimento não só nacional, mas internacional, tem saído realmente do País no sentido de fazer com que o Maranhão se destaque também nesse campo, não somente do ponto de vista do poema, que o Estado do Maranhão tem um destaque hoje nacional, pelos grandes poetas que tem, mas nesse âmbito também do cinema, enquanto cineasta. Então, eu quero deixar minha admiração e ao mesmo tempo o meu estímulo e incentivo para que V.Exa. possa estar dando continuidade a essa área tão linda e tão bela, que é a sétima arte, que é o cinema. Ao mesmo tempo, enquanto pessoa, Deputado Joaquim, eu quero realmente frisar o meu apreço. Acho que V.Exa. tem uma característica muito sublime, que é o relacionamento pessoal que V.Exa. desenvolve com muita maestria nesta Casa. Em relação a mim, especificamente, eu acho que o momento que me marcou muito nesta Casa enquanto chegava aqui na Assembleia, Deputado Edivaldo, bem ainda mais jovem que sou hoje, há três anos, com as inexperiências e com o medo, com os temores, mas fui veementemente, eu nem sei dizer bem o termo, pelo colega Deputado César, por quem tenho uma admiração realmente muito grande, mas aquilo acabou me abalando muito naquele dia e que depois compreendi que eram ócios do ofício e que deveria encarar com naturalidade esses enfretamentos diários. Naquele momento. V.Exa. foi muito cortês comigo e foi muito amigável pela forma como lidou com a situação. Para mim realmente foi marcante e, a partir dali, comecei a vê-lo como essa pessoa de bom relacionamento independentemente de ala político-partidária. Quero parabenizar o Deputado Edivaldo Holanda pela grandeza porque eu acho que as divergências partidárias têm que ser compreendidas e deixadas de lado quando se trata de enaltecer e de engrandecer particularidades pessoais tão sublimes como as que V.Exa. tem. Quero lhe dizer, finalizando, que ele tem também como referência de vida, como exemplo de vida, pela sua dedicação e pelo que V.Exa. representa para o Estado do Maranhão, especialmente para nós mais jovens que lutam em ter uma carreira política com a grandeza que V.Exa. tem desenvolvido como parlamentar no Estado do Maranhão. Muito obrigada.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Muito obrigado, Deputada Eliziane. Obrigado a todos pelos apartes. Desde já, eu gostaria de pedir que ninguém mais…
O SENHOR DEPUTADO CARLOS ALBERTO MILHOMEM – Deputado Edivaldo, só um minutinho.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Um minutinho porque eu ainda estou iniciando o discurso.
O SENHOR PRESIDENTE EM EXERCÍCIO DEPUTADO RIGO TELES – Deputado Edivaldo, o seu tempo se esgotou, mas ainda darei dois minutos para que V.Exa. ceda um minuto para o Deputado Carlos Alberto Milhomem e conclua com mais um minuto.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Deputado Presidente, eu queria fazer um apelo a V.Exa., pois não é toda vez, todo dia que temos um imortal sendo homenageado. Um colega nosso vai tomar posse na Academia Maranhense de Letras, então que V.Exa. desse o tempo suficiente para ouvir o Deputado Carlos Alberto Milhomem e para que eu possa encerrar o pronunciamento. Agradeço.
O SENHOR PRESIDENTE EM EXERCÍCIO DEPUTADO RIGO TELES – O pedido de V.Exa. é acatado pela Mesa.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Obrigado. Um aparte ao Nobre Deputado Carlos Alberto Milhomem.
A SENHORA DEPUTADA HELENA BARROS HELUY – Deputado, eu queria pedir a V.Exa., eu não queria nem aparte, é que o tempo não é suficiente, mas que V.Exa. não nos prive de tomar conhecimento de todo o conteúdo de sua fala que está escrito, até mesmo para que seja publicado no Diário da Assembleia e invoque a regra contida no Regimento Interno, a fim de que seja dado como todo lido para ser publicado. É uma sugestão que dou.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Obrigado, nobre deputada. Na verdade, nós estamos no final. Eu brinquei quando disse que estava no início, então, dá para concluir aqui, mas agradeço a observação de V.Exa. Nobre Deputado Carlos Alberto Milhomem.
O SENHOR DEPUTADO CARLOS ALBERTO MILHOMEM (aparte) – Deputado Edivaldo, inicialmente, quero parabenizá-lo pelo pronunciamento e dizer que o meu irmão, o meu amigo Deputado Joaquim Haickel é realmente merecedor de todos nós pela sua virtude como jornalista, como escritor, como poeta e como parlamentar. Filho de um cidadã,o com quem eu tive o prazer de conviver, não vou dizer meu pai, mas um irmão também, porque o Nagib foi para o Joaquim, além de pai, um orientador árabe, que são de origem, cultivam aqueles ditames da sabedoria de origem. Eu só tenho a dizer ao Joaquim meus parabéns, dizer ao Joaquim que ele merece, é merecedor, sem bajulação, de tudo o que está sendo dito por V.Exa. hoje. Meus parabéns, Joaquim, e muito obrigado a por estar nos brindando com este pronunciamento. Muito obrigado.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Muito obrigado, Deputado Carlos Alberto Milhomem, pelo seu brilhante aparte que sai com certeza do fundo do coração. Ainda, Deputado Joaquim, respondendo ao Deputado Carlos Alberto Milhomem. O brindado nesta manhã na verdade sou eu, somos nós por podermos privar da amizade deste companheiro aqui no plenário. É assim que é o poeta e o político Joaquim Haickel, um profícuo no prefácio que escreveu para o seu livro A Ponte, assim o definiu, o grande escritor e político brasileiro Artur da Távola.
O SENHOR DEPUTADO RIGO TELES – Deputado Edivaldo Holanda, eu queria só falar para V.Exa. que o tema é de muita importância, de grande importância. Estou vendo aqui a emoção do Deputado Joaquim Haickel pelo pronunciamento de V.Exa., que realmente é oportuno, e dizer que nós vamos quebrar neste momento, com o Presidente desta Casa, o protocolo da Mesa. V.Exa. tem mais o tempo que achar necessário para continuar esse discurso tão brilhante que realmente não emociona só o Deputado Joaquim, mas todos os deputados desta Casa.
O SENHOR DEPUTADO EDIVALDO HOLANDA – Obrigado, Nobre Presidente, pela grandeza da decisão de V.Exa. no prefácio que escreveu em seu livro A Ponte. Assim o definiu o grande escritor e político brasileiro Artur da Távola: “Joaquim é um facundo na vida como na literatura. Raros escritores são na arte o que na vida são. Fundador e editor da Revista Cultural Guarnicê que marcou época nos meios culturais da cidade e do Estado, entre 1983 e 1986, Joaquim sempre esteve presente na vida cultural deste Estado. Integrante de diversas instituições como a Academia Imperatrizense de Letras de onde é um dos seus destacados membros. Joaquim Haickel chega agora à Academia Maranhense de Letras, o mais alto sodalício de nosso Estado. Cumpre assim o que profetizou o Padre João Mohana: “Esse menino um dia chegará à Academia”. Eleito para ocupar a Cadeira n.º 37, que tem como patrono Inácio Xavier de Carvalho, Joaquim sucederá a outros grandes e ilustres intelectuais maranhenses, dentre eles: Luis Viana, Amaral Raposo, e recentemente José Nascimento Morais Filho. A ascensão de Joaquim Haickel à Academia Maranhense de Letras é, pois, o reconhecimento e a afirmação a esse talento primoroso do Maranhão. Premia e reconhece uma vasta obra cultural que honra e enaltece o nosso Estado. Joaquim, com toda certeza, engrandecerá e enriquecerá a nossa Academia. Por tudo isso, pelos seus méritos, pelo seu talento venho aqui mais uma vez aplaudir o Deputado Joaquim Haickel, não me esquecendo jamais do homem, da pessoa, do ser humano que V. Ex.ª é. Todos tem visto que nós, eu e ele, mantemos aqui nesta Casa um acirrado duelo, eu a defesa daquilo em que acredito, fazendo Oposição, e o Deputado Joaquim defendendo sua forma de pensar e de agir saindo em defesa desse Governo que aí está, mas nunca se viu e tenho certeza que não se verá o dia que eu e ele venhamos a nos desentender como cidadão, como pessoas de bem. É essa certeza de que possa confiar cegamente em uma pessoa da qual discordo em alguns aspectos, a certeza de que tenho no Deputado Joaquim Nagib Haickel um amigo fiel e um adversário leal que me faz continuar na vida pública certo de que faço o melhor que posso pelas causas que abraço. O Deputado Joaquim Haickel tomará posse na próxima sexta-feira, dia 02 de outubro, como membro da Academia Maranhense de Letras, fato que temos certeza deixa este parlamento feliz e orgulhoso. Eu gostaria de me fazer porta-voz de todos e me congratular em nome de toda esta Casa com o mais novo imortal da terra maranhense. Senhor Presidente, peço a V. Ex.ª mais uma vez que quebre o protocolo e um pouquinho do regimento suspendendo a sessão por 5 minutos para que todos nós pudéssemos abraçar o nobre Deputado Joaquim Haickel.

O SENHOR PRESIDENTE EM EXERCÍCIO DEPUTADO RIGO TELES – V. Ex.ª acabou de fazer um excelente pronunciamento. Então suspendo a sessão por 5 minutos para que o nosso imortal, Deputado Joaquim Nagib Haickel, receba as homenagens dos seus colegas, dos seus pares, colegas desta Casa legislativa. A Sessão está suspensa por 5 minutos.

 

 

 

 

O SENHOR DEPUTADO JOAQUIM NAGIB HAICKEL (sem revisão do orador) – Vou tentar usar a menor quantidade de tempo possível, eu poderia apenas resumir o meu discurso em uma única frase de duas palavras. Muito obrigado. Muito obrigado ao Deputado Edivaldo Holanda, por sua iniciativa nobre de trazer a esta Casa o fato de na próxima sexta-feira, dia 02 às 20:00 horas, o Deputado Joaquim Haickel que muito se orgulha de ter assento nesta Assembleia, toma posse da cadeira de nº 37 na Academia Maranhense de Letras. Muito obrigado ao Deputado Pavão Filho por suas palavras. Muito obrigado ao Deputado João Batista. Muito obrigado a Deputada Graça que conseguiu como ela é, suavemente, simplesmente, definir de certo modo o vulcão que há dentro de mim, hora ser poeta, hora ser político, e a tentativa de quando ser uma coisa ou outra, fazer sempre o melhor que eu puder. Muito obrigado ao Deputado Jura. Muito obrigado ao Deputado Braide, ao Deputado Milhomem, a Deputada Eliziane. Muito obrigado a todos os deputados que fizeram aparte, e a Deputada Helena também que sugeriu também ao Deputado Edivaldo Holanda a importância de deixar registrada toda a sua fala de hoje. Mas quem me fez chorar foi à Deputada Eliziane, porque e por baixo do político e por baixo do poeta há a pessoa, não há o político Nagib Haickel, nem o poeta Joaquim Haickel sem as vivencias da pessoa Joaquim Haickel, e a deputada Eliziane foi se lembrar de uma coisa que eu nem me lembrava. E, é exatamente em ocasiões como essa quando você faz as coisas e não se lembra, que elas são mais marcantes Eliziane. Eu não conseguia me lembrar deste fato, ele estava completamente passado na minha mente, eu sei que houve uma atribulação aqui entre V. Ex.ª e o César e eu não me lembro de ter ido em seu auxílio, ou de ter confortado de maneira nenhuma. O fato de eu não me lembrar foi que fez eu chorar, eu não me lembrar disso demonstra que isso é uma coisa corriqueira na minha vida e eu fiquei muito feliz e muito orgulhoso. Se eleger deputado é fácil, se reeleger já é mais complicado, ser poeta e fazer um poeta bom é fácil, difícil é continuar fazendo poesia todo dia. Mas o mais difícil de todos, meus colegas, é a gente conseguir sobreviver a essas coisas sem grandes atribulações e sem destruir o que realmente mais importa. Aquela mulher bem ali, Dona Alda, que trabalha aqui há 26 ou 27 anos, me deu esse bilhete que eu não vou ler para V. Ex.ªs, mas vou dizer o que tem. Dona Alda foi a minha primeira secretária e desde então trabalha nesta Casa, ela mais do que todos aqui conviveu comigo e com o meu pai e com o meu motorista recém falecido Moraes Neto, ela diz aqui da satisfação que são as pessoas humildes ter o convívio com pessoas como nós. Eu quero agradecer muito ao convívio com vocês e a honra de fazer parte desta Casa.
A SENHORA DEPUTADA CLEIDE COUTINHO – Deputado o senhor me permite?
O SENHOR DEPUTADO JOAQUIM HAICKEL – Deputada Cleide.
A SENHORA DEPUTADA CLEIDE COUTINHO (aparte) – Deputado eu aprendi na minha vida e tive chance de dizer a V. Ex.ª na semana passada que as pessoas têm que receber os elogios, os aplausos vivos e na hora certa. Parabenizo o Deputado Edivaldo Holanda pelo belíssimo relatório da sua vida e me irmano a todos os deputados, e quero repetir aqui o que lhe disse após aquela Sessão controversa, onde foram debatidas as emendas parlamentares e falei como lhe achei brilhante, como V. Ex.ª é brilhante quando sobe nessa tribuna, mesmo nas horas difíceis, defendendo até o que é difícil defender, com a galeria cheia de gente e V. Ex.ª consegue seguindo a sua posição política e seu idealismo de vida consegue defender, ser aplaudido e não digo que convença, a Oposição e a Situação, mas o respeito é grande e é isso que o poeta que existe em V. Ex.ª demonstra, sempre que sobe nessa tribuna e eu me irmano a todos os colegas parabenizando-o. E disse a V. Ex.ª e não tenho medo de repetir agora, quero estender esses elogios às pessoas que o fizeram ser o que é, à senhora sua mãe que tive a honra de conhecer e ao senhor seu pai que já recebi muitas vezes em minha casa, a eles sim, meu grande abraço e meus parabéns, porque V.Ex.ª é produto do que eles fizeram de você. Muito obrigada pelo aparte.
O SENHOR DEPUTADO JOAQUIM NAGIB HAICKEL – Obrigado, Deputada Cleide, fico muito honrado com suas palavras, mas eu queria finalmente agradecer ao Deputado Edivaldo, porque acabou me dando o meu presente antecipado de 50 anos, vou fazer 50 anos no dia 13 de dezembro de 2009. Se pudessem imaginar um presente que eu gostaria de receber em uma caixa de veludo com um laço vermelho, seria o respeito e a consideração de V. Exas., os 42 desta Casa e de certa forma, do povo do Maranhão. Muito obrigado por ter me propiciado isso, Deputado Edivaldo.

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Um Pedaço de Ponte – Parte VII

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Dando continuidade ao texto “Um Pedaço de Ponte” leia a seguir: 

As moças do Curralzinho e os rapazes do Pau Furado

Intonce, a festa do São Francisco vai ser mesmo amanhã, Didico?

É… é o que dizem!

Festa do interior como outras, propaganda de boca em boca, de roça em roça, de lombo em lombo.  Arrastada pelos cascos dos burros e mulas dos tropeiros e vaqueiros.  Discutida nas quitandas dos povoados mais distantes, ponto de encontro obrigatório de todos que apreciam dois dedos de prosa e um palmo de cachaça.

– Dizem até que o candidato a prefeito vem juntamente com sua comitiva veriante!

– Vai mermo ser uma lindura.

– Calma, dona Evilásia, nem precisa ser tanto.

Licuteíra de muito respeito e falares, dona Evilásia só competia com dona Eufrásia, esposa de seu Coriolano, da farmácia do Pau Furado.  Viúva cheia de filhos, principalmente filhas, residia há muitos e muitos anos no Curralzinho, onde possuía uma quitanda das mais sortidas por lá.  Tinham de tudo suas prateleiras, sobretudo cachaça e tiquiras de variados lugares, desde a Aliança, de Cururupu, pingas de Chapadinha, do Pindaré e Viana, tiquira de São Bento, até a Sete Sementes, de Sergipe.

Seu Coriolano, coitado… santo homem, o seu Coriolano.

Só o fato dele viver com aquela jaca de bago mole… Dona Eufrásia, Mãe Santíssima, é de tontear, no que, também, só competia com dona Evilásia.

– Bom dia, seu Coríolano Como tem passado? -Assim, assim.  E a senhora, dona Evilásia, como vão suas filhas?  E os meninos?

– Vamos todos na paz de Deus.

Nisso dona Eufrásia intervém com desprezo e nojo.

– Oh!  Coriolano, no Curralzinho todos passam muito bem, principalmente as véia e as moça.  Assanhadas como elas só!

– Oíe aqui, sua galinha choca, fique sabendo que as minha fia não precisa de andar atrás de home porque elas têm belezura e inteligênça de sobra e não são como certo mondrongo que só véve drumindo e bodejando.

– Sua quitandeira safada, não fale assim dos meus meninos…

– Oíe, seu Coriolano, me adiscurpe, mas vim aqui só comprar uma caixa de som-ri-sá pru mode colocá lá na quitanda, mas como essa coisa chegou agora aqui… pode até ter contaminado seus remédio.

– Mas..

Seu Coriolano tenta acalmar, mas dona Evilásia sai a toda.

Coitado de seu Coriolano, além de ser ele o dono da única farmácia de Pau Furado e povoados vizinhos, ainda tinha que aturar dona Eufrásia e, de quando em vez, dona Evilásia também.

Depois daquela tarde de sexta-feira, depois do bate-boca das duas, ninguém mais acreditou na possibilidade de paz entre elas.

O São Francisco fica a meio caminho entre Curralinho e Pau Furado.  Como não podia deixar de ser, todos iriam à festa, na casa de Toninho Pé-de-Forró e, como cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, as recomendações se cruzavam como setas no ar.  Em Curralinho, dona Evilásia recomendava a suas filhas que não falassem ou dançassem com os filhos de dona Eufrásia ou qualquer um dos homens de Pau Furado.  Doutro lado, Dona Eufrásia dizia a seus rapazes que evitassem as moças de Curralzinho, principalmente as filhas de dona Evilásia.

E foram todos para a festa.  Foi gente de São Pedro, São Paulo, São Felipe, São Tiago, Refúgio, foi gente de Juçaral, do Rumo, gente de todo o município, assim como gente, também, de Curralzinho e de Pau Furado.

À frente da casa de Toinho, testada bem limpa e varrida, toda raspada de enxada para evitar os tropeços de alguma pedra restante, era uma trançada só de bandeirinhas de papel de seda e crepom, que as moças estufavam com os dedos e assim se arredondavam como se fossem balões.  Uma carreira de palmeiras de ariri de um lado, outra do outro.  Nunca se tinha visto nada mais bonito: a filha mais velha de Toinho, que já conhecia cidade grande e vira festas por lá, apanhou uma porção de flores que encontrou na capoeira que ficava por trás da casa e, com elas e alguma folhagem, impor visou grossos buquês para amarrar em cada pé de ariri.

Toinho teve que ir longe para contratar a radiola acoplada a um conjunto de baterias, devidamente carregadas e algumas sobressalentes, para o caso de uma ou outra falhar. Em Pinheiro, havia uma que se ligava a um pequeno dínamo, acionado por um motorzinho a gasolina, mas o dono queria 50 mil cruzeiros para tocar uma noite até o meio-dia seguinte. À porta, ele iria cobrar só 300 por cabeça: Toninho esperava de 180 a 200 pessoas.

O povo começou a chegar por volta das 5 da tarde, viajando a cavalo, de burro, bicicleta ou a pé, todo o mundo disposto a beber e dançar a noite toda.  Cada qual trazia suas roupas e suas coisas, se escondia no mato para trocar-se, mas todos se banhavam no riacho que passava bem ali, perto da casa.  Uns traziam matalotagem – um pedaço de carne assada, galinha frita e bastante farinha.  Outros jantavam mesmo em casa do dono da festa, que tinha de ter fartura de frango e carne de porco.

– Rápido, Nastácio, calça logo essa butina, home!

– Calma, não afoba.  Acho que calcei os pé trocado, pôrra!

Tudo corria bem, a radiola a tocar tão alto que se ouvia de um lado a outro do sítio.  As moças mais saídas tomaram a iniciativa e começaram a dançar com os rapazes que já conheciam, umas com as outras, arrastando sapatos e sandálias no chão, do jeito como sabiam, do jeito como podiam.

Lá pelas tantas, Eufrásia e Evilásia se cruzavam na pequena sala da frente, à porta que dava para a cozinha.  Outro bate-boca começou e logo eram empurrões pra cá, tapas pra lá, pontapés e puxões de cabelo, de um lado e de outro, que se misturavam e confundiam com o grito apavorado das mulheres.

– Ei! Cuidado!  Pára com isso!

Se conversa puxa conversa, briga puxa briga.  Valfrido havia pulado no meio do terreiro com uma doze na mão e lá distribuía socos e panadas a torto e a direito, como se, de súbito, houvesse sido tomado pelo espírito do cão. Daí a pouco, o terreiro se transformava numa terrível confusão de gritos e pescoções, enquanto Toinho se esforçava para acalmar a uns e a outros e, nesse afã, ia dando igualmente suas porradas, socos e pontapés.

– Gente, vamos acabar com isso!  Droga, estamos aqui para brincar

– Cala a boca, seu filho da puta!

Tudo, afinal, por causa de Tonica, que estava dançando com um molecote que morava na sede do município, e Valfrido não queria, pois achava que só podia dançar com ele.

Tonica.  Tonica livre.  Tonica desabusada e mandona, que só fazia o que desejava e não ouvia ninguém – era uma cabocla bonita e sestrosa, um rosto lindo de garota num corpo bem-feito de mulher.  Morava numa casa construía por muitas mãos para ela, gente à qual ela se entregava com igual desejo e cada vez com maior ardor.  A casa fora, desse modo, construíra só de amor, que era o troco dos favores de seu corpo.  Rufino cobriu, Anastácio e Ciriaco taparam, Valfrido deu as portas e as janelas, e Jovino, candidato a Vereador, deu a cama e a mesa.  Dizem que Tonica foi sempre tão amorosa e diferente, que até de Favinha, que dizem que era mulher macho, ela recebeu ajuda.

Mas Valfrido estava lá no meio do terreiro com a peixeira na mão, e Tonica ainda dançava com Fabrício, o rapazote da sede do Município.

Aos berros, Toinho Pé-de-Forró manda parar a radiola. – Pára, pára essa pôrra!

Quando a lambada parou, o silêncio tomou conta de todos os ouvidos.

Somente Valfrido ainda dançava aos pulos com a faca na mão, querendo matar Tonica e quem dela se aproximasse.

Alguém tinha de tomar-lhe a faca.  Seu Coriolano pediu. – Não dou não, e sai de minha frente, seu Cori.

E rumou para o velho Coriolano.  Foi aí que se aproximou Tonica de mão dada com Fabrício.  Valfrido parou, olhou, gritou, chorou e, quando ia cravar a peixeira na mulher, Pedro de Zenaide pulou em cima dele e a luta começou.

Valfrido, um mulato de cabelo liso, e Pedro de Zenaide, um crioulo de cabelo seco, rolaram no chão como dois meninos de rua.  Não se sabia quem era quem, a única diferença era que um tinha uma faca e o outro só as mãos.  Em certo momento, eles se separaram e, agachados, um tenta furar, e o outro se esquivar.

Até que Valfrido atinge Pedro de Zenaide no bucho.

– Aaiii!

– Toma outra, Infeliz .. !

Anastácio, Juca de Mamede e Nezinho afinal conseguiram tomar a faca do agressor, enquanto Fabrício arrumava uma corda de rede para amarrar Valfrido, num pé de manga, próximo da casa.

Tonica observou inerte.  Olhando sem ver, branca como não era.  Depois de algum tempo foi também socorrer Pedro de Zenaide.  Daí por diante, ela se tornou mulher de um homem só, mas o povo ainda comenta que Favinha sempre lhe aparece quando Pedro não está.

A festa do São Francisco foi assim emocionante, de ninguém mais esquecer.  Evilásia e Eufrásia fizeram as pazes e dançaram juntas.  O candidato a prefeito compareceu e mandou abrir a porta, e todo povo votou nele.

A paz voltou a reinar no São Francisco, no Curralzinho, no Pau Furado e em todo o município.

Não, não, assim é querer demais!  Cinco meses depois, dona Evilásia notou que sua filha Maria Rosa enjoava constantemente e que lhe crescia a barriga com rapidez.

– Virgem Santíssima, meu Jesus Cristo, minha Nossa Senhora do Bom Parto, o que foi isso, Maria Rosa?!

– Foi no dia da festa do São Francisco, mãeinha, foi o Jacinto do Pau Furado.

Dona Evilásia nunca aprendeu a pronunciar o nome de seu povoado corretamente, escutem só.

Valha-me, nossa mãe!  Eu não te disse, Maria Rosa, eu não disse para todas vocês que as moças do “Currazinho não podia dançar nem nada com os moço do Pau Furado?

O casório de Jacinto, que por acaso é o filho de dona Eufrásia de seu Coriolano com Maria Rosa, filha de dona Evilásia e do finado Chico Peba, foi no dia de São José. 

PS: Escrevi este conto durante a campanha política de 1986, numa viagem que fizemos para cidade de Pinheiro. Estávamos eu, meu pai, Nagib Haickel, falecido em 1993, e meu motorista, José Moraes Neto, Falecido no último dia 18. O mais curioso é que parte dessa história é um “causo” que me foi contado naquela ocasião, o resto foi baseado no que vi numa festa em que fomos.  

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Sancho.

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Discurso proferido pelo Senhor Deputado Joaquim Nagib Haickel no pequeno expediente da sessão plenária da Assembléia Legislativa do Maranhão em 22 de setembro de 2009 

Senhor Presidente, senhoras e senhores deputados, é comum que se venha a esta tribuna lamentar o falecimento de algum grande mandatário, de um ex-governador, senador, deputado federal, de um colega deputado estadual. Isso é comum nos caso de algum empresário de renome, alguma pessoa importante na vida política, empresarial, cultural ou social de nossa terra, mas hoje venho lamentar o falecimento de um simples motorista.

O que para muita gente seria um simples motorista, para mim foi um grande e fiel amigo que durante 27 anos compartilhou comigo os momentos difíceis e as alegrias.

Faleceu na última sexta-feira, dia 18, de infarto agudo do miocárdio, o cidadão José Moraes Neto. Um homem de pouca instrução formal, mas de grande saber humanístico.

Uma pessoa que com o decorrer do tempo apenas em olhar para ele, ele já sabia o que eu queria. Um menino que começou a trabalhar comigo aos 19 e que faleceu aos 46.

Esse grande pesar que sinto, que sentimos, eu, minha família, os filhos e irmãos de Neto, quero dividir com vocês meus colegas, e deixar registrado nos Anais desta Casa, que mesmo não sendo dos maiores vultos, pessoas como José Moraes Neto nos fazem falta de tal maneira, tão profundamente que nos deixa sem chão, sem teto, sem paredes.

Neto foi isso. Trabalhou comigo desde minha primeira campanha política em 1982, quando chegou lá na Gráfica Guarnicê pedindo emprego. Olhei para a cara dele e não levei muita fé. Nunca tinha contratado ninguém antes para trabalhar comigo, ele foi o primeiro empregado que tive e de empregado tornou-se um irmão, desses assim que quando eu precisava de alguma coisa, quando havia uma coisa que só eu poderia fazer, como por exemplo viajar com minha mãe ou se ela precisasse ir ao médico e eu não tinha condição, quem levava era Neto.

Ele era uma pessoa a quem eu entregava minha vida, todas as noites, quando saía em viagem, Deputada Helena. Eu pegava meu travesseirinho, colocava de lado, arriava o banco e dormia na certeza de que Neto trataria a minha como se fosse a vida de um de seus filhos. Cansei de acabar às 2 horas, 3 horas da manhã comícios a 500 km de São Luís e voltava para dormir em casa, na certeza de que tinha uma pessoa de confiança ao meu lado.

Jamais usamos, eu e Neto, qualquer arma de fogo e já enfrentamos muitas dificuldades, e a primeira coisa que ele fazia era se levantar do lugar onde estava dirigindo o carro e se colocar do meu lado como se fosse ele o meu Sancho Pança de um Don Quixote, personagens que talvez ele nem soubesse quem eram… Sinto-me um tanto perdido.

Não consigo imaginar Miguel de Cervantes escrevendo a história do Homem de La Mancha sem seu alter ego, sem alguém que lhe incentivasse os sonhos, que lhe desse uma simples palavra de apoio ou que simplesmente lhe indicasse o caminho.

Quero dividir isso com vocês, porque tenho certeza, que se muitas vezes pude ser melhor, era por causa do contraponto que fazia com aquele homenzinho de pequena estatura, gordinho e negro. Não foi nem uma, nem duas, nem três vezes que me coloquei no lugar dele para poder ver o mundo. E também as vezes que ele estava ao meu lado e eu tinha um problema, eu imaginava duas coisas. Como Neto agiria? Como Neto pensaria? Como Neto se colocaria em relação aquilo? Eu fazia isso também em relação ao meu pai, se meu pai tivesse vivo, como ele pensaria.

Dizer isso a vocês dá a dimensão exata de quem foi esse homem. Um homem que era apenas um motorista para muitos, era um irmão para mim. Muito obrigado Neto.

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Primeira Cruz, 3 de setembro de 2009.

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Gostaria de compartilhar com vocês neste domingo, uma carta que recebi de um querido amigo meu, o prefeito de Primeira Cruz, Sérgio Albuquerque, integrante do PMDB.

Sergio é um jovem político, cheio de idéias, pronto para transformar sua pequena cidade em um modelo administrativo. Ele quer prepará-la para o futuro, dando ênfase a educação, promovendo a saúde, implementando o saneamento básico, a construção de estradas e a implantação da rede elétrica.

A carta de Sergio ecoa em minha menten desde qu a li, por isso quero compartilhar com vocês.

 

Primeira Cruz, 3 de setembro de 2009.

Caro Deputado Joaquim Haickel, (PMDB- MA) 

Dirijo-me ao prezado amigo e correligionário com o propósito de manifestar não só desapontamento, mas uma grande indignação com a maneira de fazer política de alguns dos integrantes do primeiro escalão, gente do grupo de apoio ao atual Governo. Nosso Governo.

 

Tem-se a nítida impressão (eu, pelo menos, a tenho) de que esses senhores perderam a noção do que seja fazer política de governo, política de grupo, e passaram a praticar política puramente pessoal, de interesse meramente individual.  

O mais grave é que eles, para salvaguardar interesses pessoais, colocam em risco e em xeque os interesses políticos e eleitorais de seus correligionários, especialmente os prefeitos que trabalham com a visão da coesão e da aglutinação, prestigiando os seus partidários e até se expondo a certos desconfortos morais e perdas políticas em nome da lealdade devida aos correligionários e ao comando das lideranças maiores.

Para garantir futuras (e duvidosas) vantagens eleitorais, esses políticos cooptam adversários locais dos prefeitos, históricos adversários do grupo ao qual fazemos parte, criando uma situação altamente vexatória e constrangedora não só para estes, mas para outras lideranças aliadas, que passam a ser vítimas e a sofrer os efeitos daquilo que se convencionou chamar de “fogo amigo”.

Ora, o normal seria que os nossos adversários locais fossem procurados e cooptados por nossos adversários tradicionais, para assim travarmos o embate político e eleitoral defendendo com convicção e firmeza as nossas idéias, as nossas posições. Com gente do nosso grupo trabalhando com o apoio dos nossos adversários, que nos atacam e nos ofendem, ficamos em situação realmente desfavorável e sem segurança para defender com legitimidade os nossos ideais políticos e nossas propostas administrativas

Por isso, penso que aqueles que quiserem tirar tal tipo de proveito, deixando em situação difícil um companheiro de legenda ou de facção, devem desligar-se do cargo Executivo que estiverem exercendo no Governo e seguir fazendo sua política individualista, mas sem o apoio e sem os benefícios de que estejam usufruindo para manter-se em evidencia político-eleitoral.

Os prefeitos, ex-prefeitos, deputados, ex deputados e lideranças que praticam uma política de grupo, trabalhando sempre com o objetivo da unidade, estão deveras desapontados, indignados e inconformados com esses tais “aliados” que nada acrescentam aos legítimos interesses dos Governos Municipais e do Governo Estadual e só criam embaraços de toda ordem, notadamente de natureza política, eleitoral e moral para os que querem agir com lealdade ao seu grupo e aos líderes maiores.

Um homem público investido em cargo executivo não deve se preocupar somente com sua própria eleição ou reeleição. Sua presença na equipe do Governo deve ser um instrumento não de fortalecimento pessoal, mas de fortalecimento do grupo político que ele integra, de fortalecimento do próprio Governo e do Estado. Um cargo de secretário de Estado tem dignidade, tem nobreza, representatividade, além da grande responsabilidade institucional. Assim seu exercício tem de ser focado exclusivamente no bem coletivo, nos interesses sociais e econômicos da população e do Estado. Usar-se um cargo dessa importância em proveito político pessoal é uma postura aética e inteiramente condenável.

Faço está espécie de desabafo a você, que é meu amigo e deputado, representante político do nosso município, porque conheço seus métodos corretos de fazer política e por saber que também não concorda, como já demonstrou por meio da imprensa, contra as investidas desagregadoras e divisionistas de políticos de pouco escrúpulo que querem TUDO PARA SI e não estão “nem ai” para os legítimos interesses e objetivos do grupo de que fazem parte e nem um pouco preocupados com o futuro do Governo e do Estado do Maranhão.

Cordialmente,

 

Sérgio Ricardo de Albuquerque Bogéa
Prefeito de Primeira Cruz
(PMDB)

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