Confesso que não sei por onde começar esse texto. Não sei o que dizer, ou melhor, não sei o que dizer primeiro. Em verdade nem sei se quero dizer alguma coisa neste momento. Não me sinto distanciado o suficiente dos fatos e poderia acabar por dizer coisas que possam não traduzir verdadeiramente os sentimentos que tomaram conta de mim desde que recebi o telefonema do jornalista Zeca Soares dando conta do assassinato de nosso amigo, Décio Sá.
Estava fora de São Luis. Trabalhava no documentário que venho fazendo já algum tempo sobre o padre Antonio Vieira. Acordei como faço sempre às seis da manhã e vi a ligação. Achei que algo muito sério havia acontecido. Retornei pra Zeca que me deu a notícia absurda de forma acachapante. Não acreditei no que estava ouvindo. Parecia que estava sonhando. Mas não era sonho. Depois que acabei de falar com Zeca, apareceram algumas mensagens de texto em meu celular dizendo a mesma coisa: “Décio Sá foi assassinado”.
No apartamento em que eu estava hospedado não conseguia acessar a internet e saí imediatamente em busca de sinal para saber mais detalhes. A história estava em todos os sites e blogs. Li tudo o que foi publicado sobre o assunto. Li o que Décio havia publicado em seu blog nos últimos dias. Li o que havia sido publicado em todos os blogs de nossa cidade nos dias que antecederam aquele covarde assassinato e garanto-lhes que quem fizer o que eu fiz tenderá a acreditar que, aparentemente, no próprio blog de Décio se encontram as pistas para a solução de seu ultrajante assassinato, mas é a policia quem deve apurar este caso, prender o assassino e seus cúmplices e a justiça quem deve julgar não só o assassino mas principalmente o mandante, devendo essas instituições fazer isso de forma urgente e indubitável, sob pena de se perder para o banditismo, o controle de nossa sociedade.
Mas como já disse antes, não gostaria de falar disso agora, não quero falar do crime. Gostaria de falar de Décio Sá, do jornalista, do amigo, sobre o que conhecia dele, de minha amizade com ele, de seu trabalho, de sua importância no panorama jornalístico do Maranhão.
Conhecia Décio desde que ele começou a trabalhar cobrindo os trabalhos da Assembleia Legislativa, onde eu era deputado. Naquela época ele e Marco D’éça formavam uma espécie de dupla dinâmica do novo jornalismo político de nosso Estado. Com Walter Rodrigues (já falecido), Lourival Bogéa, Roberto Kenard, Luis Cardoso, e alguns poucos outros, eles compunham um grupo de interlocutores privilegiados do setor ao qual se dedicavam.
Com o advento da internet e a possibilidade dos blogs, alguns jornalistas de jornais diários, em papel, passaram a ter seus espaços no jornalismo virtual, canal de comunicação mais direta e mais efetiva entre eles e seus leitores, sem ter como intermediário, um jornal, um patrão. Isso transformou alguns jornalistas em estrelas tão brilhantes quanto os personagens de quem eles davam notícias. Décio em pouco tempo passou a ser o blogueiro mais lido de nosso Estado.
O estilo literário não era o aspecto mais forte de seu jornalismo. Muitas vezes disse isso a ele, ao que me respondia que a rapidez da notícia prejudicava seu texto. Às vezes lhe ligava fazendo um comentário e ele dizia “já vou consertar”, e nunca o fazia, pois uma outra notícia aparecia e ele já postava. Seu forte era mesmo a notícia. A notícia gostava dele, o procurava, de certa forma o perseguia. Ele construiu uma sólida e confiável rede de fontes de notícia e sabia ler como poucos as entrelinhas das informações que lhe eram passadas, sabendo separar o que era notícia boa e legítima das que eram falsas, facciosas e vinham recheadas de segundas, terceiras e quartas intenções.
Não é porque ele morreu que vou endeusá-lo. De modo algum. Em que pese ser um repórter brilhante, o mais competente de seu tempo, muitas vezes discordava dele, da mesma forma que faço em relação a vários outros jornalistas amigos e não amigos meus, que praticam em alguns casos o jornalismo partidário. Sou daqueles que acreditam que os jornalistas devem dar a notícia mostrando todos os ângulos e expondo todos os pontos de vista dela. Acredito que as opiniões pessoais devam ser expressas em artigos, crônicas, ensaios e coisas parecidas, não através de reportagens ou publicações correlatas, pois o leitor comum tende a acreditar no que lê e nem sempre tem o senso critico de separar fato de opinião.
Como disse, em pouco tempo Décio criou em torno de si uma rede de interlocutores das mais diversas procedências, das mais improváveis facções políticas, ideológicas e sociais, consolidando-se como o mais bem informado jornalista maranhense.
Não foram poucas as vezes que eu liguei para ele para perguntar-lhe sobre assuntos de meu interesse. Não foram poucas as vezes que ele me ligou para confirmar alguma notícia ou checar alguma informação, saber de algum detalhe sobre o regimento da Assembleia Legislativa ou sobre a aplicabilidade de alguma norma constitucional.
Trabalhei com ele algumas vezes fazendo cobertura de apurações de eleição e vi de perto como ele trabalhava, vi que a notícia lhe interessava a qualquer custo, pouco importando se ela iria causar polêmica, mal estar ou prejuízo a alguém. Décio cultivou com sua forma de ser, poucos amigos e muitos desafetos e isso fez com que covardes mandassem assassiná-lo.
Ele era um sujeito que mantinha uma vida social comum. Regularmente nos encontrávamos em shows de música, festas de carnaval, restaurantes. Nos finais de semana o peixe pedra e o caranguejo do Mirante do Araçagy eram sagrados.
Estou aqui escrevendo e ainda não consigo acreditar que essa tragédia tenha realmente acontecido. Às vezes paro com um nó na garganta e os olhos embaçados e então respiro fundo e volto ao texto.
Acabei de acessar o blog de Décio e constatei que vou sentir muita falta de seu trabalho. Vou sentir falta dele, pois era uma rica fonte de informação e um bom e querido amigo.
Em sua homenagem continuarei acessando diariamente a sua página e sugiro que o Sistema Mirante crie um blog que se chame “Blog do Décio” onde sejam publicadas matérias em defesa das liberdades, principalmente da liberdade de expressão e contra todas as formas de intolerância e de violência.
Mataram um jornalista.
Você disse: EU NÃO JORNALISTA.
Mataram um policial.
Você disse: EU NÃO SOU POLICIAL.
Mataram um promotor.
Você disse: EU NÃO SOU PROMOTOR.
Mataram um deputado.
Você disse: EU NÃO SOU DEPUTADO.
Mataram um governador
Você disse: EU NÃO SOU GOVERNADOR.
Mataram VOCÊ.
O ENTERRO FOI LINDO!