O dia em que meu pai inventou seu sabonete esfoliante

Uma pessoa que trabalha comigo, me deu de presente de aniversário, uma caixa de sabonetes, e quando ela me entregou o pacote, disse que se tratava de “produto esfoliante, a base de ervas e frutas, ingredientes que fazem muito bem a pele”.

Naquele momento, imediatamente me veio a lembrança o dia em que meu pai inventou o seu sabonete esfoliante.

Ele havia chegado em casa, por volta de duas horas da tarde de um daqueles sábados em que saía com seu amigo, Newton Bello Filho, flauteando pelos mercados da cidade, comprando frutas, legumes, verduras, peixes, carnes e tudo mais que de interessante encontrasse pela frente.

Depois daquele périplo pelos mercados, eles iam comer umas tripinhas e umas moelas no Bar do Cadeado, no Olho D’água, juntamente com outros amigos.

Naquela tarde, ao chegar em casa, foi ao banheiro, lavar as mãos e encontrou sobre a pia, um sabonete que minha mãe havia comprado e tendo ele achado o produto meio áspero e causticante, perguntou a ela do que se tratava, se haviam deixado o sabonete cair na areia, que ele o estava machucando. Minha mãe com a paciência que lhe era comum, explicou que aquele era um sabonete esfoliante, usado para ajudar na descamação da pele, que ciclicamente morre e precisa ser removida, principalmente do rosto das pessoas, ao que meu pai retrucou que no Pindaré não tinha dessas coisas.

Ele então disse a minha mãe que aquele tipo de sabonete deveria ser mais caro que os demais e ela concordou com ele.

Depois da resposta dela, ele pegou sua toalha de banho e sua saboneteira e foi tomar banho no gigantesco chuveiro que ele havia mandado confeccionar na metalúrgica TIN, especialmente para ser usado na piscina de nossa casa.

Colocou a toalha num gancho, abriu a saboneteira, encheu-a de água, tampou e começou a sacudi-la. Passou algum tempo fazendo isso, pois queria enxaguar o seu maravilhoso sabonete Phebo, daqueles pretos. Depois, imaginando que o sabonete já teria amolecido um pouco, chamou-me e pediu que eu pegasse um pouco de areia no campinho de futebol, mas que procurasse uma areia limpa. Fiquei curioso, mas obedeci. Levei para ele uma mão cheia de areia bem alvinha. Ele abriu a saboneteira, tirou o Phebo de dentro, jogou a água que estava na saboneteira fora, mandou que eu colocasse a areia dentro da saboneteira, o que eu fiz com certo espanto, e depois ele colocou o sabonete novamente dentro dela, fechando-a e sacudindo-a, com um sorrisinho maroto no rosto.

Pouco tempo depois, com um ar vitorioso ele abriu novamente a saboneteira tirou o sabonete de dentro dela, lavou a saboneteira e disse em um tom majestoso: “Agora temos um sabonete esfoliante digno de um Caboclo do Pindaré”, e soltou uma frondosa gargalhada.

Naquela mesma tarde, depois de tomar seu banho de chuveiro, o meu inventivo pai, resolveu continuar seus experimentos no ramo da cosmética. Ele havia comprado uns maracujás e resolveu mandar fazer um suco, só que os caroços da fruta deveriam ser separados e levados ao forno, não por muito tempo, não para que torrassem, mas apenas para que secassem. Depois de secos, ele pegou um liquidificador, colocou as sementes secas do maracujá e deu uma quebrada nelas, apenas 3 ou 4 rotações, o suficiente para quebrar as sementes, não para transformá-las em pó.

Fiquei olhando aquilo tudo, imaginando o que passava pela cabeça daquele homem que tanta coisa fazia, e que tanta energia tinha, que não era uma pessoa letrada, não cursou escolas nem a universidade, mas que tinha uma visão extraordinária das coisas, da vida e das pessoas.

Ainda não tendo parado seus experimentos, ele sentou-se à mesa que ficava em uma espécie de passarela em nossa casa, abriu novamente a saboneteira, tirou o sabonete Phebo de dento, pediu-me que conseguisse uma pequena bacia daquelas de cozinha, derramou dentro dela as sementes de maracujá que haviam sido trituradas, e começou a esfregar o sabonete nelas. Depois, portando aquele mesmo sorriso maroto, virou-se para mim e disse, majestosamente: “Aqui está a evolução do produto. Antes era só um pouco de areia ou sílica para ficar mais pomposo, agora além disso, introduzimos sementes de maracujá, ou como diz Newtinho, “frutdelapaxion”. Esse sabonete é melhor que aquele que tua mãe comprou!” e deu sua tradicional gargalhada.

Esse era meu pai, a quem não vejo há 31 anos, mas que está comigo todos os dias.

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Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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