Depois de passar os últimos cinco dias falando de nossas produções audiovisuais, falarei hoje sobre o embrião de todas essas ações, e para isso peço licença a você que me lê agora, para postar o texto no qual o meu mestre, José Louzeiro, comentou sobre uma conversa que tivemos, ele, eu e Ivan Sarney, há quase 40 anos, a respeito da necessidade de criarmos um polo de produção cinematográfica em São Luís do Maranhão.
“Lá pelos idos de 1985 eu estive nesta nossa cidade, em estreito contato com os amigos Ivan Sarney e Joaquim Haickel. Conversávamos sobre muitas coisas e, em especial, sobre cinema.
Joaquim via todos os filmes e falava com entusiasmo daqueles que mais gostava, citava nomes de diretores, muitos deles que eu nem conhecia. Ivan, por sua vez, tinha feito alguns trabalhos na bitola do Super-8 e pelo que depreendi, só não foi em frente, até alcançar o 35 mm, por falta de estímulo, pois produzir um curta que seja é coisa complicada, envolve muita gente, os custos eram elevados.
Minha conversa com esses amigos tinha um objetivo: criarmos em São Luís, onde já havia o Festival Guarnicê de Cine e Vídeo, um Polo de Cinema. Na época havia festivais em Fortaleza, no Rio de Janeiro, em São Paulo, Curitiba e Gramado, no Rio Grande do Sul. Botar as mãos num “Kikito” (troféu gaúcho) era a glória para muitos realizadores.
O polo cinematográfico funcionaria amparado pelas leis de incentivo e São Luís, já conhecida por aqui como terra de escritores, poetas, pintores e intelectuais, se tornaria ainda mais importante com seus cineastas em atividade.
O tempo passou, os festivais entraram em crise, junto com o cinema nacional, mas Joaquim Haickel seguiu cinéfilo e com muita garra para viabilizar suas invenções e vencer desafios.
Nessa época em que estivemos juntos Haickel marcava-se pela inquietação, extrema curiosidade e a mania de tudo querer renovar, virar pelo avesso, na condição de poeta rebelde e contista insatisfeito. Nunca desejou escrever conforme a cartilha oficial, sempre se inclinou pelas técnicas mais ousadas
No conto “Pelo Ouvido, número 12 da coletânea intitulada “A Ponte” (São Paulo, 1991) ele chega ao atrevimento de brincar com a lógica gramatical, debocha de pensamentos tidos e havidos como normais, aprofunda-se nessa coisa humana, porém misteriosa, que é a sensualidade, o desejo de um corpo.
Os anos se passaram, o polo de cinema não aconteceu, Haickel e Ivan transitaram e transitam pelos caminhos da política, sem deixar o que para eles é básico: o amor pela arte de escrever. Com isso Ivan colhe poesia e Haickel inebria-se com a sensualidade.
Seu conto “Pelo Ouvido”, o mais breve da coletânea, é aquele que nos leva ao universo da felicidade plena, essa coisa tão simples da mulher e do homem que têm afinidade e que se amam.
Em “São Luís – Uma Cidade no Tempo” Ivan compôs, através da junção de crônicas, um poema difícil de algum dia ser igualado. Com “A Ponte, o poeta Joaquim Haickel (O Quinto Cavalheiro”) firma-se na literatura como contista de grandes méritos e, agora, pelo que estou informado, como diretor cinematográfico premiado, inclusive no exterior.
Curiosamente, sua obra no cinema tem o mesmo título do conto número 12. E pelo que consta na sinopse do curta, imagino que foi a partir dessa história (década de 90), que saiu o roteiro para a produção que vem fazendo sucesso e mostrando que Haickel é maranhense de múltiplos talentos!
Se o polo de cinema, sobre o qual tanto conversamos, não aconteceu, é para mim, motivo de alegria saber que Haickel, é hoje, além de poeta e ficcionista, um diretor premiado e tem tudo para ir em frente, pois seu curta-metragem, tema desta nossa crônica, funciona como verdadeiro teste para quem ingressa, com a cara e a coragem, no mundo mágico das imagens”.
Este texto foi originalmente publicado na coluna semanal que Louzeiro mantinha no Jornal O Estado do Maranhão.
JOSÉ LOUZEIRO faleceu em 2017. Ele era jornalista, escritor, roteirista e membro da Academia Maranhense de Letras.
Hoje o Polo de Cinema do Maranhão é uma realidade e São Luís tem uma rica e extensa produção audiovisual, graças a ideia cultivada com a ajuda de José Louzeiro, o patrono do cinema maranhense.
Nosso próximo passo é a criação do SIAMA, Sindicato da Industria do Audiovisual do Maranhão. Louzeiro teria ficado muito feliz com essa notícia.