Lan Tuan, velho mestre budista, chamou seus discípulos e passou-lhes uma tarefa. Disse-lhes que deveriam descobrir qual é a maior força que existe, quem é o ser ou a coisa mais forte, e que eles só poderiam retornar ao mosteiro quando tivessem chegado a uma conclusão absoluta.
Ele disse aos discípulos que ao invés de se dispersarem, cada um indo para um lado, eles deveriam sair juntos, a procura dessa resposta, pois aquilo não era uma mera competição, mas uma tarefa de aprendizagem.
Lan Tuan deu a eles uma flauta mágica. Bastaria que eles a tocassem, que qualquer criatura ou coisa falaria com eles, mas que eles só poderiam usar a flauta para procurar a resposta a essa pergunta, jamais para outra coisa. E mais, que a flauta deveria ser devolvida assim que retornassem ao mosteiro.
Os discípulos se foram, e chegando em uma forja, um deles tocou a flauta mágica e um outro perguntou ao ferro: Ferro, você é o mais forte?
O ferro respondeu: Eu sou forte, mas não sou o mais forte. Ainda que minha matéria seja extremamente resistente e construa estruturas poderosas, forte é o fogo! Porque quando eu passo por ele, eu derreto.
Então perguntaram ao fogo: Você é o mais forte? O fogo respondeu: Eu não sou o mais forte. Ainda que eu derreta ferro, forte é a água. Quando ela cai sobre mim, ela me apaga.
Água, então você é a mais forte!?… A água respondeu: Eu não sou a mais forte. Mais forte é o sol. Que quando passa com seus raios sobre mim consegue me evaporar.
Então perguntaram ao sol: Sol, pelo visto você que é o mais forte!? O sol respondeu: Eu não sou o mais forte, porque ainda que eu tenha poder de fazer a água evaporar, forte é a nuvem! Que quando para na minha frente tira todo meu brilho.
Então perguntaram: Nuvem, você que é a mais forte? A nuvem também respondeu: Eu não sou a mais forte, mais forte é o vento. Eu até consigo tirar o brilho do sol, mas quando o vento bate em mim, ele me joga de um lado para o outro.
Vento, você é o mais forte? O vento disse: Eu não sou forte. Embora eu jogue a nuvem de um lado para o outro, forte é a montanha. Porque quando eu bato nela eu me divido ao meio.
Cansados eles já nem perguntavam mais. Afirmavam: Montanha, você que é a mais forte.
Eu não sou a mais forte, respondeu a montanha. Ainda que eu faça o vento se dividir ao se colidir comigo. Forte é o homem! Porque ele vem com os seus maquinários e constrói edificações e acaba comigo.
Homem, então é finalmente você que é o mais forte!… O homem diz: Eu não sou o mais forte. Ainda que eu consiga construir edificações sobre rochas, destruir tudo a minha volta, ainda assim eu não sou o mais forte. Forte é a morte! Porque quando ela me abraça eu não consigo escapar.
Exausto, o discípulo mais inquieto disse então a morte: Morte você que é a mais forte entre todas as forças do universo.
A morte então respondeu: É… por muito tempo eu pensei que eu era isso mesmo. Eu abracei milhares e milhares de pessoas, durante toda a eternidade. Abracei pessoas ricas e pobres, sábias e ignorantes, boas e más, e nesses abraços, acabei com as vidas de todas elas.
Depois disso observei que havia algo mais forte que eu, algo que sobrevivia àquelas pessoas, um conjunto de sentimentos que normalmente chamam de amor. Um sentimento superforte, algo inquebrável e inquebrantável, uma coisa que não morre jamais. Um sentimento que sintetiza em si todos os sentimentos e sentidos que existem, todos mesmo, principalmente os bons, em muita quantidade, mas também os considerados maus, em pequenas doses suportáveis.
Então, um dos discípulos tocou mais uma vez a flauta mágica e os outros perguntaram ao amor: Amor, você é a coisa mais forte que existe? E o amor respondeu que não, que mais forte que ele são todos aqueles seres e coisas que possuem o privilégio de experimentar os sentimentos e os sentidos que o compõem.
Se achando em um beco sem saída, os discípulos, desiludidos, voltaram ao mosteiro. Ao chegarem lá souberam que o mestre Lan Tuan havia morrido naquela manhã.
Chang Nin, auxiliar de mestre Lan Tuan, chamou os discípulos que haviam saído naquela jornada e disse-lhes que na noite anterior a morte do mestre, ele lhe dera uma carta para ser entregue a eles, quando retornassem.
No papel estava escrito o seguinte: Se vocês não conseguiram chegar a uma conclusão definitiva sobre qual é a maior das forças da natureza, mas descobriram a existência de uma força abstrata, constituída de diversos sentimentos e sentidos, é porque aprenderam a lição e estão preparados para usarem principalmente dois dos diversos ingredientes de sua composição, a sabedoria e a memória. Uma que servirá para descobrirem como aprenderem sempre e como melhor ensinarem, e a outra para jamais se esquecerem do que realmente é importante.
Depois de lerem a carta, o discípulo mais inquieto, pegou a flauta mágica para tentar falar com o mestre Lan Tuan, quando um outro discípulo, o mais sereno e calmo, pegou a flauta de sua mão e depositou sobre o peito do falecido mestre, para que fosse cremada com ele.
* História baseada uma antiga parábola religiosa que me foi contada por meu primo, João Mohana, médico, sacerdote e escritor.