Não quero parecer saudosista. Quero é afirmar peremptoriamente que o sou e reafirmar que continuarei sendo. Não um daqueles saudosistas que só sabem reclamar da artrite e da vista cansada. De que não pode mais bater uma pelada na praia aos domingos, nem identificar se a pessoa de cabelos longos do outro lado do balcão é uma mulher ou o baterista da banda que toca no bar.
Jamais serei um desses saudosistas que é incapaz de se lembrar o quanto já foi bom de bola e o quanto lhe rendeu seu velho charme, ali encostado em seu Puma GTB, no estacionamento da boate do Jaguarema. Isso não!
Gosto de lembrar com alegria e com carinho das coisas que vivi, de eternizar na minha memória sentimentos, pessoas, lugares, visões, melodias, gostos e aromas que fizeram com que eu me tornasse quem eu sou hoje.
Vocês ai, os que são da minha faixa etária, conseguem se lembrar do cheiro do rinoceronte Cacareco, aquele brinquedinho que todos nós tivemos um. Eu lembro. Era feito de um látex bastante resistente, porem macio. Outro dia passou por mim uma moça linda e elegante e eu identifiquei nela o mesmo aroma que emanava daquele brinquedo. Chamei a moça de lado, expliquei-lhe que aquilo não era uma cantada e perguntei-lhe que perfume ela estava usando – “Jean Paul Gautier”, respondeu-me risonha. Não é que um perfumista que trabalha para o Gautier descobriu um poderoso feromônio da alegria infantil e aprisionou em um frasco, tal qual um gênio.
Mas meu atual saudosismo foi disparado por dois fatos que me causaram bastante tristeza. O primeiro é o fechamento da Varanda ou como queiram alguns, da Maria Castelo.
Depois da morte de dona Maria, sua filha Sonia, vinha tocando aquele que era o primeiro lugar que eu costumava levar meus amigos que vinham de fora, para degustar um fenomenal casquinho de caranguejo ou uma deliciosa patinha do tal crustáceo.
O cerramento das portas de um restaurante como aquele, mais que o simples encerramento de um CNPJ, é a constatação que a cidade que nós tanto amamos, o lugar que nos viu nascer, que nos ajudou a crescer, que nos acalentou nas madrugadas úmidas dos anos 80, esta cidade está morrendo. Morrendo uma morte muda, calada e nós, mesmo os que prestam atenção nisso, apenas observamos impotentes a marcha dos acontecimentos.
Meus amigos Roosevelt, Nelson, PH, Zé Valter, Cabileira, Fernando, Marcelo, Henry, Chico, Castelo, Sergio, Plantier, Danilo, Luis Carlos, Paulo… Nós teremos que eternizar em nossas memórias, eu vou ter que eternizar em minha memória, o paladar das comidas de dona Maria Ribamar. Seu excepcional vinagrete, sua farofa torradinha, o camarão grelhado que para Ivana era servido com dois ovos estrelados que mais pareciam sois, aquele macarrão com camarão que nunca sei dizer o nome, os filés, acebolado e com champignon, puxados na cebola, no alho e na pimenta do reino…
Isso não é apenas saudosismo, é uma constatação: Nossa polis, nossa cidade, assim como nós a conhecíamos, está acabando, esta morrendo. Uma parte de nós esta morrendo com ela.
A outra notícia, que se não é tão ruim quanto esta, pois há uma incrível e inteligente solução a ser dada, é tão comprobatória de que as últimas coisas de nossa cidade, que nos liga ao nosso passado, um passado extremamente recente, estão se acabando. É o fato de que o cine Roxy esta para ser vendido pra uma loja de roupas ou de calçados, como já aconteceu com o cine Éden e o cine Passeio.
Acho que o governo federal através da Universidade, da lei Rouanet, do MinC, da Petrobras, Eletrobrás, os governos estadual e municipal, através de suas leis de incentivo a cultura e de suas secretarias responsáveis pelo setor, deveriam comprar o prédio onde funcionou o Roxy e doá-lo para o Instituto Guarnicê, ligado a UFMA para que possamos ter ali além de preservada a memória de um pedaço de nossa cidade, um centro de convergência e de convivência de estudantes, cinéfilos e cineastas maranhenses.
Parabéns meu querido amigo Ivan, você esta corretíssimo, é preciso amar a cidade, é indispensável que se ame a nossa cidade, pois assim estaremos amando a nós mesmos e às pessoas.
Muito interessante seu texto. Por vezes já me peguei sentindo coisas parecidas. Uma espécie de falta, de sentimento de perda.
Vou sentir muita a falta da deliciosa comida da Varanda.
Não vou sentir muito é o fechamento do Roxy, pois na verdade já fechou há muitos anos. No entanto acho ótima a idéia de aproveitá-lo como centro de fomento à produção e a divulgação do cinema local.
Há muito tempo que você não publica uma crônica e quando o faz, vem logo assim, abordando algo importante. Parabéns!
PS: Porque você não publicou esse texto no Jornal o Estado do Maranhão?
Resposta: Mandei pra lá, não sei por que não foi publicado.
Já li e reli essa sua crônica umas vinte vezes hoje e depois de cada uma delas me senti cada vez mais angustiado em ver que muita gente deveria ter lido também e só uma pessoa havia comentado e me perguntei por que eu também não fiz nenhum comentário. A resposta, no meu caso, é simples, foi por vergonha. Uma tripla vergonha. A primeira por durante tanto tempo ter achado você um babaca e eu achava isso por puro preconceito por você ser ligado a essa gente que só prejudicou o nosso estado, por ser sócio de Fernando Sarney e nem ter a desfaçatez de desconversar. A segunda vergonha é porque sempre achei você um escritor medíocre, mas ultimamente, acho que a maturidade nos faz menos exigente e mais consciente das coisas, tenho notado que até que você não é tão ruim assim. Ouvi de gente realmente conhecedora de cinema e que também nem gostava do que você escrevia, mas que disse ter visto seu filme e que ele é muito bom, surpreendente mesmo. Gostaria de vê-lo. A terceira vergonha é por você estar totalmente certo quanto ao que diz nesse texto e ninguém não fez nem faz absolutamente nada para tentar mudar essa realidade. Essa é a pior das constatações.
PS: Permita que use um pseudônimo, mas na primeira oportunidade em que nos encontrarmos me identificarei pra você.
Eu analiso isso como uma falta de referencia para os jovens, e junto com isso uma falta de consideração por parte de nós jovens, isso é a historia da nossa cidade, fico imaginando o que os livros de historia irão narrar, será que vai ficar em historias da Coroa Real até o fim do mundo? Será que de 100 anos para cá não se tem historia para acrescentar? Onde vai parar essa falta de amor, zelo, paixão, o meu tio que é maranhense mais mora em fortaleza, disse que nós deveríamos lutar mais pela nossa cultura, historia, política. Eu vejo que estamos só correndo atrás de coisas fúteis cada dia mais. Cadê os movimentos estudantis? Sábios não deixem suas historias desvanecer cada dia mais, Jovens vamos lutar para termos historia.
cara !!! que sujeito mais louco!!!
mais louco ainda sera vc se responder este comentario desse tal toninho!!!
Honey, querida… louco é quem não sabe nem o que é “john gome”
Caro joaquim
Ajude-me e refrescar a mem’oria …. quem era esse “cara bom de bola” e cheio de charme da boite do jaguarema ? Fala serio !!!!!!
Joaquim,
A comida do Varanda,não era apenas o alimento, mas um modo e um estilo de cozinhar.
PS: Você esqueceu de falar sobre a farofa do “diabinho”, por sinal inigualável.
Uma beleza de crônica. Uma cidade que perde sua memória passivamente é inqualificável
Joaquim,
Você acha que o tempo de antes é melhor do que o de agora? Outro dia eu li uma entrevista com um escritor maduro onde ele dizia de sua visão de mundo. Gostei tanto quando ele disse que quanto mais ele envelhecia mais ele amava cada segundo de sua existência e que adorava cada dia, cada percepção, cada encontro…Acho que São Luís tem seus encantos também por causa de sua velhice. Sabe aquela poesia ” A litania da velha” diz sobre a finitude da vida e compara uma mulher idosa com as ruas, fachadas etc antigas de São Luís. Linda poesia e até virou um filme também. Então, algo se eterniza quando vira arte. E o que é antigo fica atemporal por causa de uma beleza que foge aos padrôes convencionais que é a beleza barroca.
Por favor faça uma poesia em homenagem ao que você escreveu em sua crônica que já acabou, Sou jovem e acho que o antigo pode se misturar com o novo em nossa humanidade…
Casino Maranhese , Colégio Meng , Rosa Castro , Peixaria Carajás , Carnaval das Escolas de Samba do Maranhão na Praça Deodoro , O Mercado Central como feira de refer~encia de nossa cidade, que saudades
A cidade nunca perde a memória. Só as pessoas perdem a memória. Só as pessoas esquecem. A cidade foi o que as pessoas eram e se tornou o que as pessoas se tornaram. São as pessoas que fazem a cidade. A cidade é um reflexo do que as pessoas são. Assim como o país e o mundo.
Agora, toda vez que vou para cozinha preparar farofa, lembro-me de Joaquim Haickel. Panela, cebola e alho picados na ponta da faca e Joaquim Haickel. Farinha e o movimento de torrar a farofa que já vai se fazendo cheirar. Fogo médio. Deve-se tirar no ponto certo, sem deixar queimar o fundo. Por isso, mesmo depois de desligar o fogo, é preciso ficar mexendo um pouquinho mais ou, tirá-la logo da panela. Adoro, quando sento à mesa e ouço: rroc, rroc. Não, isso não é um sapo coaxando, é apenas o barulhinho dos dentes triturando a farofa dentro da boca. Uso muitas onomatopéias em minha vida.
– Nossa! A farofa ficou torradinha, hein!? Isso sou eu me fazendo de desentendida para receber elogios pela farofa. Como diz meu irmão, “pode elogiar que todo cozinheiro que se preza, adora receber elogios.”
Raros são os dias em que me aventuro na cozinha. Mas quando posso, faço questão de fazer uma farofa gostosa. É por isso, que, lendo o artigo no blog da Mirante, em que Joaquim Haickel escreve, chamou-me atenção sobre o prazer que lhe confere, saborear uma farofa torradinha. Entendi claramente quando, no texto, lamenta sobre o fim do restaurante Varanda. Perdem-se nossas referências de uma vida toda e abrem-se lacunas que não serão mais preenchidas, sentimentos que ele bem definiu em seu artigo.
Mas, voltando à farofa, digo que ela é mesmo uma paixão entre os maranhenses. Quem é que não gosta de se sentar na praia e socializar uma cuiazinha de farofa, acompanhada de peixe frito? Nesta ordem. Com apenas uma colher, todos se servem de um modo bem maranhense. A certa distância mira-se a boca e a farofa é arremessada para ser saboreada. Nem um grãozinho cai do lado de fora da boca. Não sei se outros povos comem farofa desta maneira, se existem nunca vi. Porém, chama a atenção de quem vem de fora, de quem nunca saboreou os quitutes de Maria Castelo ou assistiu a um filme no Cine Roxy. E todos querem fazer igual aos maranhenses. A gargalhada é geral nas inúmeras tentativas sem sucesso. O vento espalha farofa pelo rosto desses “gringos” e os grãos se perdem como vão se perdendo todas as tradições que não são preservadas.
Parabéns Joaquim!
Um grande beijo
A Praça Deodoro nos anos 70.
Observador
Ah Joaquim, o prato de macarrão com camarão era o ápice da noite; Cremouski, se não é escrito desta forma, lê-se assim. Saudades. Saudades do carinho, da atenção, dos sabores… era de deixar louco qualquer mortal! Camarões grávidos, bolihos de bacalhau, o tal macarrão, casquinhos de carangueijo, patinhas, filet… e para fechar ela vinha com aquele delicioso doce de Cajuí… Num susto me transporto para a varanda tão bem arborizada, cheia de cores e cheiros esperando ávidamente a cerveja tinindo de gelada e a maratona gastronômica que nos esperava… deixa saudades.
Parabéns pela crônica!