Uma das coisas que mais me preocupa é a velhice, não a velhice útil como a da minha mãe ou a de Zé Sarney, que aos 90 anos estão operantes e são capazes de levar suas vidas com a indispensável dignidade.
O que me preocupa é a senilidade, é a incapacidade de lembrarmos das coisas e de fazer outras. Ninguém merece isso.
Uma criança é criança porque ainda não sabe, porque ainda não aprendeu, e isso é até bonito! Tanto que a grande quantidade de porquês que elas atiram em nós, podem até nos incomodar, mas não nos preocupa, pois sabemos que mais adiante elas estarão aptas a saber todas as respostas, e lembrarem-se delas por muito tempo.
As dores nas costas, nas pernas e em outras partes mais sensíveis, que normalmente afligem aqueles que conseguiram o maravilhoso feito de viver tempo suficiente para senti-las, também se constituem em um problema, só que este é mais fácil de se entender e até de se aceitar. É algo mecânico, algo que de uma forma ou de outra, em algum momento iria acontecer.
Adoro analogias e a que faço quanto a isso é fundamentada em uma das paixões que desenvolvemos graças à grande revolução industrial e social ocorrida no finalzinho do século XIX, início do século XX. A paixão pelos carros.
Gosto de pensar que nossos corpos são como carros. Cada um de nós é um carro diferente, mesmo que existam muitos modelos iguais, dos mais diversos anos e estados de conservação.
Um velho Ford Modelo T de 1920, mesmo com 100 anos pode estar bem conservado, mas o esperado é que seus amortecedores estejam desgastados, que seu motor esteja enfraquecido, que seus bancos ranjam… Um Jaguar, 1970, na flor de seus 50 anos, que pertenceu a uma rapaziada da pesada, numa Londres psicodélica, que tenha sido esmerilado sem dó nem piedade, mesmo tendo desfrutado dos maiores prazeres de seu tempo, terá os problemas decorrentes de seu uso. Assim acontece conosco.
Problemas mecânicos e estéticos irão acontecer, tanto nos carros como nas pessoas, mas há uma espécie de problema que existe com as pessoas que não encontram paralelo nos carros. Carros não ficam tristes, solitários, depressivos, eles podem até sofrer de uma espécie de Parkinson, e tremerem, mas peças novas e um bom mecânico dão um jeito nisso. Carros não ficam senis, nem sofrem algo parecido com Alzheimer.
Tenho pensado muito nisso ultimamente. Olho para minha mãe, com 90 anos e vejo que muito dificilmente vou chegar a esse patamar, ainda mais em tão bom estado. Olho para mãe Teté, minha mãe de criação, cinco anos mais nova que minha mãe, e constato como ela se encontra em condição bem menos favorável.
Para todo lado que me viro vejo pessoas idosas e outras que estão caminhando pra essa condição a passos largos, umas melhores, outras nem tanto e outras ainda lutando bravamente contra o quase inexorável: A velhice.
Por isso resolvi que deveria escrever uma carta para mim mesmo, uma espécie de diário, contendo as coisas que eu precisarei saber no futuro, sobre tudo o que vivi, para ter consciência do meu passado e certeza do presente que terei no futuro.
Parece algo bom a fazer… Mas na verdade o que eu gostaria mesmo era de ter uma vida boa, como a que tive até hoje. Ela não precisa ser muito mais longa. Sempre valorizei mais a qualidade que a quantidade.
Nunca achei que os romances fossem melhores que os contos simplesmente por eles serem maiores. Pelo contrário, sempre preferi os contos, por terem um arco narrativo menor e isso me dar mais tempo para que eu mesmo imaginasse as causas e os desdobramentos de seu enredo.
Como na literatura e no cinema, não me interessa apenas ser o redator, o escritor da obra, me interessa principalmente ser o criador da ideia, e que, ao compartilhá-la com outras pessoas, possa transformar a elas e a mim mesmo em co-escritores, coprodutores e codiretores dela.
Minha ideia é viver bem, o melhor possível, enquanto puder me lembrar das coisas boas, e até das não tão boas que vivi e que vivemos, e quem sabe poder proporcionar essa extraordinária aventura para algumas pessoas também.