A difícil arte de gostar de filmes!…

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Algumas pessoas têm me indagado, de diversas formas e maneiras, umas com muito tato, outras um tanto constrangidas, outras ainda de forma muito explícitas e até indignadas, se eu gostei do filme “Roma” de Alfonso Cuarón, e eu tenho respondido que sim… Porém!… O que vem depois dessa conjunção adversativa é que é o problema! O motivo que pode me colocar em desacordo com muitos daqueles que adoraram o filme e que se perguntados por qual motivo vão se enrolar ao explicar.

Eu gostei do filme, mais por sua extraordinária reconstituição de uma época do que por qualquer outra coisa. A reconstrução cênica da Cidade do México no ano de 1971 não ficou restrita a uma ou outra tomada, feita em enquadramento fechado, em uma ou duas locações. Neste aspecto o filme é monumental e generoso, a câmera passeia e nos mostra sequências inteiras acompanhando Cléo, a empregada que é a personagem central da história, pelas ruas da cidade. Nestas cenas, a impressão que temos é que o filme realmente foi realizado nos primeiros anos da década de 1970, ou seja, quase 50 anos atrás.

Estamos acostumados a filmes de época, que normalmente nos mostram ambientações, cenografias, guarda-roupas, penteados, que nós não conhecemos, e que não temos possibilidade de sabermos se estão corretos! São filmes ambientados na era vitoriana, ou histórias sobre o Velho Oeste ou a Idade Média, ou mesmo na época de Jesus e até antes dele, tempos em que não temos como realmente saber como eram as coisas e a vida. Neste caso, os anos de 1970 ficaram em nossa memória, vivenciamos eles!

Não me lembro de um filme de época, contemporâneo, com uma defasagem de tempo tão grande do fato, feito com tanta competência quanto este. “Hair” é um dos melhores que me ocorre, mas em muitos aspectos tem vantagem por ser um musical e por ter sido realizado poucos anos depois dos eventos que o motivaram! Ele não foi tão difícil de fazer quanto “Roma”.

Só para você ter uma ideia, “Hair” foi lançado em 1979, deve ter sido produzido em 1978 e os seus fatos geradores principais, o Festival de Woodstock e a Guerra do Vietnã, aconteceram no intervalo de dez anos.

Neste aspecto “Roma” é uma das melhores produções de reconstituição de uma cidade e uma época da história do cinema, fato que foi imensamente ajudado pela inteligente escolha do diretor, o genial Alfonso Cuarón, por fazer um filme sem cores fortes, apenas em preto, cinza e branco.

Nos anos de 1970, com o advento da televisão colorida, nossas vidas pareciam ter até mais cores que realmente tinham. As cores eram berrantes. O vermelho, o laranja, o amarelo eram mais vibrantes e o azul e o verde, mais vivos. O fato do filme não ser colorido faz com que possíveis erros de produção passem despercebidos, e os tons de cinza que foram usados acalentam as nossas lembranças, nos remetem a fotos antigas.

Os objetos de cena, os utensílios, os carros, os jogos das crianças, o pôster da Copa do Mundo de 1970, os cortes de cabelos, as roupas, tudo que é visto no filme está de acordo com a situação e a época. Somos testemunhas disto.

Quanto à história propriamente dita, é uma boa história, enredo de muitas pessoas e famílias daquela época. A história de Cléo, interpretada por Yalitza Aparicio, e a relação de amor entre ela e a família não é apenas verossímil, mas é verdadeira e realmente aconteceu muitas e muitas vezes pelo mundo afora. Com a minha família, foi Santana e Raimundinha.

A delicadeza e a poesia de Cuarón, ao contar o que dizem ser parte de sua própria história, faz o diferencial no filme que também tem pontos fracos como a lentidão e as sequências grandes demais, mas são coisas que não estão colocadas de forma aleatória no filme. Era exatamente assim que o roteirista e o diretor queriam que fosse feito.

Este é eminentemente uma obra de autor, quase amadora em sua mais profunda concepção, até porque o roteirista, o produtor, o diretor, o fotógrafo e o montador são a mesma pessoa.

“Roma”, de Alfonso Cuarón, é um grande filme, e parece que no ano de 2018, poucos foram aqueles tão bons quanto ele.

PS: Depois comentarei sobre “Bird Box”.

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