Há tempo que eu queria abordar o assunto do artigo de hoje, mas foi preciso assistir ao extraordinário filme “Lion” para que pudesse me libertar das amarras que me impediam de reconhecer publicamente o amor que eu sinto por um homem.
Se você não viu “Lion”, sugiro que o veja! Quando saí da sala de exibição do filme tive certeza do tanto que PODE ser incomensurável o amor entre dois irmãos.
A singela história, verídica, de dois meninos indianos, ocorrida em meados dos anos de 1980, comprova que é no exercício da mais pura fraternidade, ou seja, laços que envolvem irmãos, que o amor tem a sua maior afirmação.
O amor de uma mãe por um filho é compreensível! O amor de um filho por uma mãe é facilmente explicável. O amor de uma mulher por um homem e vice versa, tem raízes naturais, biológicas e antropológicas. O amor entre dois irmãos está a alguns graus em latitude e em longitude do ponto concêntrico de uma explicação natural, e talvez por isso seja um amor tão bonito.
O exemplo bíblico do Gênesis onde Caim mata Abel por inveja, nos cega para a verdadeira relação que PODE existir entre irmãos.
Meu irmão Nagib, em quase todos os aspectos, é um homem que não poderia ser mais diferente de mim.
Filhos dos mesmos pais, criados da mesma maneira, com os mesmos valores e com os mesmos conceitos, nos tornamos pessoas bem diferentes em nossas atividades e na vida.
Nosso pai era um homem que tinha duas ocupações e seus filhos resolveram inconscientemente que cada um se dedicaria a um desses setores. Enquanto eu enveredei pela política, Nagib se incumbiu dos negócios. Enquanto eu cultivei a diplomacia, Nagib desenvolveu um modo inflexível de lidar com as coisas e as pessoas. Enquanto eu compensei minhas frustrações, buscando complemento às condições incômodas e inaceitáveis de minha vida, na cultura, nas artes, na literatura, no cinema, Nagib se embrenhou cada vez mais profundamente nos negócios, dando mais atenção a eles que à sua própria vida.
Ao saber da história de Saroo e Gaddu, personagens do filme “Lion”, me deu a chance de hoje vir até vocês para dizer o quanto eu amo o meu irmão, pessoa com quem nem sempre concordo, mas que hoje, acima e antes de todas, é aquela de quem eu mais dependo, uma vez que no que ele faz, é total e completamente insubstituível.
Eu sempre fiz uma brincadeirinha com minha filha Laila. Sempre disse a ela que eu tinha uma lista de pessoas que eu amava. Dizia a ela que essa lista mudava de ordem conforme a ocasião pela qual a vida se encontrava. Quando eu era criança e entendia pouco da vida, a ordem era meu pai em primeiro lugar, minha mãe em segundo e meu irmão em terceiro. Meu irmão ficou doente e por medo de perdê-lo, o coloquei em segundo lugar junto com minha mãe. Quando eu passei a entender as coisas, a lista mudou, Minha mãe foi para primeiro, meu pai foi para segundo lugar e meu irmão voltou ao terceiro, uma vez que havíamos nos distanciado, coisa natural naquela altura da vida. Quando minha filha nasceu ela passou de todos e ficou em primeiro lugar. Meu pai morreu medalha de bronze, naturalmente herdada pelo meu irmão. Pensei que fosse essa a ordem natural e definitiva dos amores de minha vida, mas depois de “Lion” descobri que os amores de filhos e pais não podem entrar nesse tipo de lista e que na verdade, é o meu irmão a pessoa a qual eu sou mais ligado, pois a relação que cultivamos se tornou algo tão essencial quanto o ar que eu respiro.
Outro dia, numa de nossas animadas conversas nos almoços na casa de nossa mãe, minha mulher, reclamando que eu não me cuidava, estava ficando sedentário, não praticava mais esportes, só queria saber de escrever, fazer filmes e assistir televisão, Nagib se virou pra mim e disse: “Tu estás proibido de morrer! Se tu morreres eu me mato, pois não vou poder tocar nossas coisas sozinho!” Todo mundo caiu na gargalhada, menos eu, pois ironicamente sabia que na verdade quem não pode morrer é ele, se isso acontecer EU estarei morto, pois nossa família pode ficar sem meus artigos, sem meus filmes, mas não pode ficar sem o trabalho que ele desenvolve todo dia, incansavelmente.
Somos muito, muito, muito diferentes! Não concordo com a grande maioria das coisas que ele pensa, política e culturalmente, mas o que seria de mim sem ele! Nada…