Cá entre nós

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Existem pequenos prazeres na vida que superam em muito as maiores e melhores sensações que se pode ter. Não estou falando de um orgasmo sexual ou gastronômico. Não falo da realização de um velho sonho nem da sensação quase divina que o exercício do poder, às vezes, pode nos oferecer. Falo de coisas que em alguns casos poderiam passar despercebidas ou pouco valorizadas, como o frisson de uma paixão adolescente, a satisfação pessoal que só a prática da genuína solidariedade ou da gratidão sincera podem proporcionar.

Outro dia senti uma coisa assim. Fui ao cinema.

É!.. Eu sei!… Você vai dizer que isso não é novidade, pois uma das coisas que eu mais faço na vida é ir ao cinema. Acontece que naquela noite eu fui assistir a um filme que me deixou sentindo essa sensação que descrevi acima. Saí da sala leve como uma pluma. Voando como um pequenino e elegante pássaro. Realizado, como se eu houvesse escrito, produzido e dirigido aquele filme e com o peso honroso dessa responsabilidade.

Na verdade havia em minha garganta um nó que sintetizava a alegria angustiante que eu sentia por não ter sido eu quem fez aquele filme. Nele pude ver uma obra extremamente fiel ao sentimento de toda uma geração, de todo um tempo, de pessoas que viveram aquelas mesmas experiências, que sentiram aquelas sensações e podiam se ver ali, naquele gigantesco espelho luminoso que pode se transformar o cinema.

Sou muito emotivo, mas o que senti naquela noite foi mais que simples emoção. Foi um êxtase, motivado por um roteiro pensado em seus mínimos detalhes, levando em conta a realidade factível, sem exageros ou excessos. Foi a visão de um cenário perfeito onde qualquer história daria certo. Uma escolha perfeita de elenco, dirigido de forma magistral.

Lembro que os maiores elogios que recebi pelo meu filme “Pelo Ouvido”, foi quando no festival de Boston, um crítico de cinema de lá, me disse que ao ver meu filme, sentiu como se aquela fosse uma obra feita totalmente por ele. Que a emoção que ele sentiu ao ver meu filme, foi maior porque parecia que ele o havia feito, que aqueles sentimentos saíram de dentro dele. Penso que essa sensação só as artes podem proporcionar ao ser humano.

Em São Paulo, um daqueles curadores de festivais de filmes cabeça, da paulicéia desvairada, me disse que teve uma imensa vontade de “quero mais”, que eu não deveria ter feito um curta-metragem, que eu tinha nas mãos material suficiente para fazer um longa-metragem de sucesso garantido.

Naquela noite tive a mesma sensação do bostoniano e do paulistano. Parecia que eu havia feito aquele filme. A angústia vinha disso. Não o fiz. A alegria vinha do fato de alguém tê-lo feito igualzinho eu faria. O fato de ter ficado na sala depois da subida dos letreiros finais era porque eu queria mais. Fiquei imaginando quantas outras historias parecidas poderiam ser contadas. Queria ouvir mais sobre aquela história, seus desdobramentos, suas consequências. Que se não era a história de minha vida e se não foi eu quem a contou, bem poderia ter sido.

Há um outro fato que me deixou mais fascinado por aquele filme. É que a música tema dele é “Na Asa do Vento”, magnífico poema de meu amigo, nosso conterrâneo João do Vale, musicado por Luiz Vieira.

Essa foi uma das músicas que embalou a minha adolescente juventude na São Luís de meados dos 70 a meados dos 80.

Quando a música começou a tocar, foi como se meu coração quisesse sair pela boca. Foi aí mesmo que senti que aquele filme não era apenas de Paulo e Pedro Morelli, mas sim meu e de toda uma geração de pessoas que “muita gente desconhece”.

Semana passada comentei sobre o Oscar 2014 e naquela ocasião falei sobre o fato de que agora o Brasil possui uma indústria cinematográfica respeitável e consolidada. Essa é uma verdade que deve ser levada em consideração, pois o cinema é a mais transformadora das artes. Ele articula e faz movimentar engrenagens poderosas que dão equilíbrio e sustentabilidade para quase todas as outras artes que com ele se interligam.

“Entre Nós”, em minha modesta opinião deve ser o filme que representará o Brasil na seleção para o Oscar de melhor filme estrangeiro do próximo ano. Ele fala da alma de uma importante geração de brasileiros, prensada entre o fim da ditadura e o começo da democracia.

Esse filme fala de sentimentos pouco comentados ou ditos. É realizado de forma tão leve, sutil e subliminar que quando se vê, já foi. Faz ter “saudade do que somos”, como escreve em carta ao futuro, um dos personagens.

Parabéns ao Paulo e ao Pedro Morelli e a todo o incrível time de realizadores deste filme. Obrigado por terem me feito sentir sensações tão maravilhosas, por terem registrado de maneira tão extraordinária um tempo tão precioso para mim e para tantos outros.

A vontade que me dá é de ter coragem para ir “brincar no vento leste”.

 

PS: Sobre política, de agora por diante vou me esforçar ao máximo a falar só sobre fatos acontecidos. Parece que não adianta chamar atenção para possíveis tropeços que possam acontecer pelo caminho. Negada não ouve…

 

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