Ainda sobre o Oscar 2025 e “Ainda estou aqui”
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Para fugir do Carnaval, resolvemos viajar para Buenos Aires, com o compromisso prévio de que no domingo, dia da cerimônia de entrega do Oscar eu não sairia para jantar – o que, para mim já seria uma decisão bastante séria, pois por mais que aprecie os prazeres da boa comida, prefiro os prazeres do bom cinema. Eu renunciei a “cena” em um restaurante famoso para poder apreciar as “cenas” das entregas dos Oscars de 2025, desde o começo, sem perder nada.
Pedi uma pizza da Güerrin, aquela instituição portenha que serve pizza com mais recheio do que bom senso, e enquanto esperava, me peguei rindo sozinho da coincidência do nome: Güerrin, deveria ser casa de guerreiros, o que parecia ser uma metáfora sob medida para aquela noite, pois ali estava eu, em território argentino, por assim dizer, atras das linhas “inimigas”, assistindo um filme brasileiro disputar o Oscar, numa verdadeira guerra simbólica entre Brasil e Argentina, sempre irmãos e rivais, até quando o assunto é cinema.
Se tem uma coisa que os argentinos sabem fazer com inteligência e bom humor, é tirar sarro da nossa cara, isso quando lhes damos essa chance. Naquele momento, eu podia quase ouvir um deles me dizendo, entre uma fatia e outra de pizza: “Ganhou o Oscar, mas agora o jogo está de 2 a 1!” (referindo-se, é claro, aos dois Oscars de Melhor Filme Internacional que a Argentina já tem, isso sem contar com os outros 5 Oscars que foram ganhos por argentinos em diversas categorias, caso alguém não saiba).
A verdade é que esse Oscar do Brasil já vinha se desenhando há muitos anos. Antes de “Ainda estou aqui” tivemos “O pagador de promessas”, “O quatrilho”, “O que é isso companheiro?” e “Central do Brasil”
Além disso, na categoria de melhor atriz, uma outra Fernanda que nos levou também até aquele palco: a Montenegro, indicada por Central do Brasil, em 1999. De certa forma, mãe e filha acabaram dividindo esse caminho. Se Fernanda Montenegro abriu a porta, Fernanda Torres voltou a ela ao nos apresentar a história de Eunice Paiva, essa mulher que transformou sua dor em bandeira, a ausência de seu marido em grito e sua solidão em luta.
“Ainda estou aqui” não é só um filme – é um acerto de contas com a nossa memória, um reencontro com histórias que alguns tentaram apagar. Não sei quantas vezes já disseram que o cinema brasileiro não é levado a sério no exterior, mas desta vez, foi impossível ignorar. A história de Eunice Paiva e sua luta incansável para manter vivo o nome do marido desaparecido durante a ditadura nos faz lembrar que há dores que não morrem com o tempo, e que há vozes que nem a censura consegue calar.
Quando Walter Sales subiu ao palco para receber o prêmio de Melhor filme Internacional, me veio um arrepio diferente, não apenas pelo reconhecimento que é ganhar o mais importante prêmio do cinema mundial, mas por saber que mesmo antes daquele momento, “Ainda estou aqui” já era um grande vencedor, pois antes nenhum filme nosso havia sido indicado para competir em três categorias do Oscar e também por nenhum outro país sul-americano jamais ter tido um filme seu indicado a concorrer na categoria de melhor filme, de igual para igual com os filmes produzidos pela indústria cinematográfica americana.
Quanto ao fato de Fernanda Torres não ter ganho o prêmio de melhor atriz, não vejo nenhum problema. Sobre coisas como essa, costumo me lembrar do que dizia sempre meu velho e sábio pai: “Competições, assim como eleições, não são necessariamente justas”.