“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.
Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.
Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.
Cinéfilo inveterado, é autor do filme "Pelo Ouvido", grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.
Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.
A minha coerência não me permite discordar da atitude do ministro Flavio Dino no tocante a suspensão de mais de 4 bilhões de reais em emendas parlamentares, que através de uma manobras diversionista desobedecem aos critérios éticos, morais, legais e constitucionais para suas distribuições e execuções. Não devemos e não podemos abrir mão de fazermos o que é certo.
Da mesma forma, minha inteligência não me permite desconhecer que o ministro Flávio Dino esperou que os deputados e senadores votassem a favor das matérias que eram de interesse do presidente Lula e do PT, para só depois disso torpedear as emendas, que foram fruto de um acordo, que a bem da verdade tem contornos de chantagem e extorsão, entre os poderes legislativo e executivo. Não devemos e não podermos fazer o que é errado.
Analisando friamente todos os fatos e os acontecimentos, fica a certeza de que os três poderes da república brasileira estão desgastados, desfigurados, corroídos, podres. Um executivo corrupto e fraco, sem sustentação junto a população e ao poder legislativo, que o chantageia e por isso o obriga a cometer os mais diversos absurdos administrativos e financeiros; Um legislativo formado em sua maioria por parlamentares despreparados e corruptos, que só pensam em conseguir instrumentos para se manterem no poder, e que chantageiam o executivo como podem; Um poder judiciário, representado pelo Supremo Tribunal Federal, que tomou para si, arbitrária, autoritária e ditatorialmente, as rédeas do país, intrometendo-se na atribuições dos demais poderes, legislando e estabelecendo políticas e metas a serem cumpridas, além de subverter o devido processo legal, e abolir com suas ações, o sistema republicano e o regime democrático.
A minha coerência e a minha inteligência, juntas, observam e entendem os acontecimentos, mas elas são incapazes de vislumbrar uma solução para esse imenso desastre institucional que assola nosso país.
Uma pessoa que trabalha comigo, me deu de presente de aniversário, uma caixa de sabonetes, e quando ela me entregou o pacote, disse que se tratava de “produto esfoliante, a base de ervas e frutas, ingredientes que fazem muito bem a pele”.
Naquele momento, imediatamente me veio a lembrança o dia em que meu pai inventou o seu sabonete esfoliante.
Ele havia chegado em casa, por volta de duas horas da tarde de um daqueles sábados em que saía com seu amigo, Newton Bello Filho, flauteando pelos mercados da cidade, comprando frutas, legumes, verduras, peixes, carnes e tudo mais que de interessante encontrasse pela frente.
Depois daquele périplo pelos mercados, eles iam comer umas tripinhas e umas moelas no Bar do Cadeado, no Olho D’água, juntamente com outros amigos.
Naquela tarde, ao chegar em casa, foi ao banheiro, lavar as mãos e encontrou sobre a pia, um sabonete que minha mãe havia comprado e tendo ele achado o produto meio áspero e causticante, perguntou a ela do que se tratava, se haviam deixado o sabonete cair na areia, que ele o estava machucando. Minha mãe com a paciência que lhe era comum, explicou que aquele era um sabonete esfoliante, usado para ajudar na descamação da pele, que ciclicamente morre e precisa ser removida, principalmente do rosto das pessoas, ao que meu pai retrucou que no Pindaré não tinha dessas coisas.
Ele então disse a minha mãe que aquele tipo de sabonete deveria ser mais caro que os demais e ela concordou com ele.
Depois da resposta dela, ele pegou sua toalha de banho e sua saboneteira e foi tomar banho no gigantesco chuveiro que ele havia mandado confeccionar na metalúrgica TIN, especialmente para ser usado na piscina de nossa casa.
Colocou a toalha num gancho, abriu a saboneteira, encheu-a de água, tampou e começou a sacudi-la. Passou algum tempo fazendo isso, pois queria enxaguar o seu maravilhoso sabonete Phebo, daqueles pretos. Depois, imaginando que o sabonete já teria amolecido um pouco, chamou-me e pediu que eu pegasse um pouco de areia no campinho de futebol, mas que procurasse uma areia limpa. Fiquei curioso, mas obedeci. Levei para ele uma mão cheia de areia bem alvinha. Ele abriu a saboneteira, tirou o Phebo de dentro, jogou a água que estava na saboneteira fora, mandou que eu colocasse a areia dentro da saboneteira, o que eu fiz com certo espanto, e depois ele colocou o sabonete novamente dentro dela, fechando-a e sacudindo-a, com um sorrisinho maroto no rosto.
Pouco tempo depois, com um ar vitorioso ele abriu novamente a saboneteira tirou o sabonete de dentro dela, lavou a saboneteira e disse em um tom majestoso: “Agora temos um sabonete esfoliante digno de um Caboclo do Pindaré”, e soltou uma frondosa gargalhada.
Naquela mesma tarde, depois de tomar seu banho de chuveiro, o meu inventivo pai, resolveu continuar seus experimentos no ramo da cosmética. Ele havia comprado uns maracujás e resolveu mandar fazer um suco, só que os caroços da fruta deveriam ser separados e levados ao forno, não por muito tempo, não para que torrassem, mas apenas para que secassem. Depois de secos, ele pegou um liquidificador, colocou as sementes secas do maracujá e deu uma quebrada nelas, apenas 3 ou 4 rotações, o suficiente para quebrar as sementes, não para transformá-las em pó.
Fiquei olhando aquilo tudo, imaginando o que passava pela cabeça daquele homem que tanta coisa fazia, e que tanta energia tinha, que não era uma pessoa letrada, não cursou escolas nem a universidade, mas que tinha uma visão extraordinária das coisas, da vida e das pessoas.
Ainda não tendo parado seus experimentos, ele sentou-se à mesa que ficava em uma espécie de passarela em nossa casa, abriu novamente a saboneteira, tirou o sabonete Phebo de dento, pediu-me que conseguisse uma pequena bacia daquelas de cozinha, derramou dentro dela as sementes de maracujá que haviam sido trituradas, e começou a esfregar o sabonete nelas. Depois, portando aquele mesmo sorriso maroto, virou-se para mim e disse, majestosamente: “Aqui está a evolução do produto. Antes era só um pouco de areia ou sílica para ficar mais pomposo, agora além disso, introduzimos sementes de maracujá, ou como diz Newtinho, “frutdelapaxion”. Esse sabonete é melhor que aquele que tua mãe comprou!” e deu sua tradicional gargalhada.
Esse era meu pai, a quem não vejo há 31 anos, mas que está comigo todos os dias.
O segundo maior problema que enfrentamos hoje o nosso país é o negacionismo, pois o que tem acontecido nos nossos dois últimos governos é o predomínio total e absoluto da incapacidade de nossos governantes reconhecerem, terem consciência, dos problemas que nos afligem.
Durante o governo Bolsonaro imperou o negacionismo do bom senso, tendo como ponto básico a falta de consciência da situação política em seus aspectos social, diplomático e de convivência em geral. Agora, no governo Lula, impera o negacionismo do bom senso tendo como ponto central a falta de consciência em relação a situação política em seus aspectos econômico, administrativo e gerencial.
Em português claro e direto: Os nossos dois últimos governantes e seus respectivos governos não foram capazes de reconhecer os problemas simples que lhes atravessaram o caminho. E o que é pior, não sabem que para a solução de qualquer problema, a primeira coisa que precisa ser feita, é reconhecer a existência dele, e está realmente disposto a enfrentá-lo e solucioná-lo.
Já o primeiro maior problema que enfrentamos hoje em nosso país é a destruição do devido processo legal, a ruptura do pleno estado de direito, a eliminação direta e sistemática de nossos preceitos constitucionais e a consequente abolição do sistema republicano e democrático, tudo isso implementado exatamente por aqueles que deveriam zelar e proteger tais bens inestimáveis.
Nosso terceiro maior problema é a péssima qualidade de nossos representantes no legislativo, nas três esferas de atuação, municipal, estadual e federal. Este problema é grande e complexo, pois em parte depende da conscientização do eleitor e em boa parte da mudança de atitude dos eleitos.
Quanto ao nosso quarto maior problema e todos os outros problemas que temos, eles serão facilmente solucionados se conseguirmos resolver, minimamente, os três primeiros.
Há muito tempo atrás, em nosso país, como em quase todos os demais países, o controle do poder legislativo era feito pela pressão exercida pelo poder executivo sobre seus membros, principalmente sobre os mais fracos e vulneráveis.
Depois do advento das emendas parlamentares, isso começou a mudar. O legislativo passou realmente a ser um poder, pois apenas propor, discutir, votar e aprovar leis não gera assim tanto poder, principalmente em uma sociedade como a nossa, tão carente de tudo.
Um evento conhecido de todos foi o famoso caso de corrupção quase que generalizada que assolou o Congresso Nacional, conhecido como “Mensalão”, que era na prática a distribuição de “benefícios” a parlamentares ligados ao governo de então, quase sempre através de liberação de uma quantidade maior de emendas, isso quando a propina não era diretamente entregue aos beneficiários em espécie ou bens.
O legislativo gostou do “poder” e as “facilidades” que lhe foi proporcionado pelas emendas parlamentares e resolveram fazer certos “melhoramentos”. Criaram as emendas de bancada, que em certo sentido podem ser muito boas, pois se destinam a obras nos estados e municípios das diversas bancadas de parlamentares. Depois criaram as emendas impositivas, que podem ser boas se respeitarem um certo limite quantitativo por parlamentar. Inovaram com as emendas secretas, termo que não se coaduna em nenhum aspecto com a gestão da coisa pública, pois viola entre outros o princípio da publicidade que é exigida em nossa legislação. Por fim implementaram as emendas pix, que não se sabe de onde veio nem para onde vai, nem também qual suas destinações.
O descontrole, as arbitrariedades e principalmente a omissão, praticadas pelo poder legislativo, causados inicialmente pelo fato dele ser um poder fantoche, que o executivo manipulava ao seu bel prazer, criou um mostro, que tendo se esquecido de suas funções primordiais, aquelas que geravam pouco poder, propor, discutir, votar e aprovar leis, passou a buscar um poder que o equilibrasse aos demais, um que controlava o dinheiro e outro que na prática ditava as leis, estabelecendo a “justiça”.
Se nos aprofundarmos na investigação para descobrirmos qual de nossos três poderes tem mais culpa em toda essa tragédia pela qual passamos, vamos descobrir que não descobriremos nada, que nunca chegaremos a uma conclusão minimamente confiável e justa.
O executivo substituiu o poder do rei, só que esse rei é escolhido pela massa insana, os eleitores, e tem mandato de quatro anos, renovável se convencer a tal massa que ele lhes faz bem, ou se conseguir enganá-la.
A escolha dos representantes do legislativo pulveriza o poder de escolha da massa insana que elege seus representantes pelos mais diversos motivos e são impactados pelas mais diversas abordagens. A tal massa insana é dividida em grupos como os ligados ao meio ambiente, a gêneros, a religiões, a raças, a ideologias políticas e até a partidos políticos, estes últimos, quase sempre sem nenhuma identidade identificável. Há quem escolha seu representante no legislativo, por seu status financeiro ou por ele ser uma pessoa bonita, isso sem contar com aquela parcela bastante grande, que simplesmente prefere vender seu voto, o que é um crime grave.
Quanto ao poder judiciário, ele até começa de forma mais ou menos ordenada. Alguém que tenha se formado no curso de direito, que tenha um diploma de advogado, conseguido em alguma das milhares de faculdades espalhadas por nosso imenso país, algumas sem condição de formar de maneira correta nem um porteiro, pode entrar em um concurso público para algumas das diversas carreiras ligadas ao judiciário. Os aprovados, a maioria com muito pouca idade e com a inexperiência que advém deste fato, serão nossos agentes nas diversas polícias judiciárias, delegados, promotores, procuradores e juízes, do nosso Brasil varonil formarão o time do poder judiciário, como concursados, não como eleitos.
Mas até aí temos que concordar que a única coisa que pode ser feita para melhorar esse time é estabelecer uma idade mínima para o ingresso nas carreiras. Que tal usarmos o mesmo critério de idade para se ser senador? Quem sabe um pouco menos, 30 anos!? Tem juiz e promotor por aí, com 22 anos!
O problema grave mesmo ocorre nas escolhas daquelas pessoas que vão ocupar cargos no topo da carreira judicial: desembargadores estaduais e federais, ministros dos tribunais superiores, procuradores gerais dos estados e da república e por fim, ministros do STF. Estes, em diversos casos, são escolhidos pelos chefes dos poderes executivos dos estados e da república, e uma coisa assim costuma nem sempre dar lá muito certo.
Penso que o caos em que vivemos provém das arbitrariedades que estão sendo cometidas pelo poder judiciário, que subverte o devido processo legal, atenta contra as liberdades individuais e coletivas dos cidadãos e desestabiliza o estado democrático de direito, isso com o apoio do poder executivo e graças em muitos casos a omissão do legislativo, e o que é mais grave, algumas vezes graças a ação deste poder.
Essa constatação nos leva ao quarto poder deste contexto. O eleitor, a tal massa insana, que elege o legislativo e o executivo, que permitem, cada um por seus motivos, que o judiciário faça o que faz.
Nem vou falar do quinto poder, a imprensa, que quase sempre é manipulada pelos mais diversos interesses, dos mais honrados e nobres, que são poucos e raros, até aos mais canalhas e asquerosos, que são abundantes e comuns.
O que se pode deduzir numa apuração mais rígida de todos esses conturbados cenários, é que se o poder legislativo se preocupasse mais em propor, discutir, votar e aprovar leis necessárias, boas e realmente indispensáveis ao bom, harmônico e saudável convívio de todos, muitas dessas coisas não estariam acontecendo. Que se o poder executivo, fosse realmente legítimo e consequentemente confiável pela ampla maioria da população, não precisaria se curvar a ações covardes e corruptas para conseguir seu intento. Que se o poder judiciário não agisse de forma ideológica e partidária, caso se ativesse aos preceitos legais, que seus membros não tivesses inspirações e aspirações políticas, não estariam cometendo tantas irregularidades e crimes contra nossa constituição.
Depois de duas páginas, me sinto exausto e preocupado. Exausto não pelo fato de escrever esse texto, mas pelo fato de estar assistindo ao filme descrito neste roteiro já há muito tempo. Preocupado, não por não saber se vou ser entendido, mas pelo fato de não saber se é tão difícil assim, ver e comprovar tudo isso que está dito aqui.