Oração de um homem de sorte

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Eu sou um homem de muita sorte. Não que tenha ganhado alguma coisa em sorteio ou em loteria. Isso Jamais aconteceu até hoje.

Minha sorte consiste em quase sempre conseguir aquilo que almejo. Tudo bem que me esforço para isso, mas algumas vezes não consigo o que desejo apenas por empenho, dedicação e esforço, mas por sorte mesmo. As vezes o universo conspira para que eu alcance meus objetivo, algumas vezes até os mais improváveis.

Em 2007, quando estava fazendo a pré-produção de meu filme “Pelo ouvido”, entrei em uma galeria de arte em São Paulo, em busca de um quadro para o cenário do filme, e me deparei com a tela que ilustra esse texto. Parei em frente dela e fiquei maravilhado com a visão que tive, com a mensagem que ela me passava. Senti uma imensa felicidade ao olhar aquela imagem.

Era apenas um corpo languido de uma mulher morena sobre uma cama. Imediatamente imaginei a cena. Um lençol branco como moldura, e sapatos também brancos espalhados pelo chão, completavam o cenário e me davam toda a perspectiva dos acontecimentos pretéritos e futuros. Entrei em uma espécie de transe, passou um filme em minha cabeça.

Ao me deparar com aquele quadro, minha única reação foi dizer para mim mesmo que eu precisar ter aquilo para mim. Queria ser dono permanente daquele sentimento e daquela sensação.

Mas aquele quadro não se encaixava nas necessidades do filme que eu iria realizar e acabei por não o comprar. Optei por outro, um que tinha uma relação mais direta com o filme.

Passaram-se alguns meses e quando estávamos gravando o filme, voltei naquela galeria e para minha surpresa o quadro continuava lá. Não tive dúvida que ele deveria ser meu. Imaginei que muitas pessoas poderiam ter passado por lá e comprado o quadro, mas ele continuava ali, no mesmo lugar, como se estivesse esperando por mim. Eu comprei o quadro e o trouxe para a casa que eu estava construindo, no Araçagy. Uma casa que deveria ser uma espécie de mosteiro e santuário para mim, minhas ideias e meus projetos.

Passeou-se um ano e quebrando todas as expectativas e as regras estabelecidas por alguém que com quase 50 anos, não pretendia mais se casar, encontrei o amor de minha vida, Jacira, a mulher por quem me apaixonei e com quem hoje sou casado, e assim que a vi, descobri que aquele quadro na verdade havia sido para mim, o roteiro, o storyboard, a direção de arte, antecipados, do filme que seria e minha vida dali em diante.

Hoje, 15 anos se passaram, a casa que seria mosteiro e santuário eu vendi, mas o quadro continua em minha parede e a mulher em minha vida… Para sempre.

Amém!…

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As lições que ficam

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Há trinta anos, quando meu pai morreu, não tive muito tempo para absorver, entender, nem sentir a falta que ele me faria, pois precisava fazer de tudo para minimamente tentar substituí-lo naquilo que fosse possível. Neste intento eu e meu irmão Nagib nos ajudamos naquilo que era possível e bem ou mal, conseguimos nos sair mais ou menos bem. Diria até que satisfatoriamente bem.

Hoje, passados esses trinta anos, foi mamãe que nos deixou, e ao contrário daquilo que sentimos com a morte de papai, o desamparo é imenso, diria que é total, pois se estávamos, eu e Nagib, e também as outras pessoas de nossa família, minimamente preparados para enfrentar os desafios que nos fossem apresentados na falta de Nagibão, o despreparo para enfrentar a vida sem a presença de mamãe é total.

Para se substituir o provedor, o lutador, o comerciante, o político e mesmo o pai e o amigo, bastava que trabalhássemos incansavelmente como ele fazia, que nos mirássemos em seus feitos e em seus ensinamentos silenciosos. Substitui-lo era uma questão de empenho e trabalho. Para substituir aquela que era a amálgama feita de amor, afeto, compreensão, doçura, carinho, aquela que era nosso escudo e nossa avalista divina, precisaríamos ter algo que sempre tivemos de graça, que jorrava dela como a luz do sol e o vento do mar. Substituir minimamente nossa mãe é algo impossível, pois não estamos equipados nem preparados substituí-la ou imitá-la.

Quando perdi meu pai fiquei durante muito tempo manco e caolho. Temo que perder minha mãe me torne um cego, tetraplégico, com demência e portador de uma profunda tristeza, eternamente.

Mas pensando bem e lembrando das frases que eles dois mais gostavam de repetir: “O difícil se faz logo, o impossível demora um pouco mais” e “Nasci para ser feliz”, vejo que ter tido a oportunidade de ter vivido 34 anos com meu pai e 64 anos com minha mãe, não me deixa nenhuma saída a não ser agradecer pela vida e pelos ensinamentos que eles nos legaram e continuar FAZENDO e sendo FELIZ.

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Ruído na comunicação

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A vida está muito cansativa, principalmente por causa da imensa e absurda exposição a que todos nós somos submetidos através dos mais variáveis dispositivos que compõem as redes sociais.

Quem não está nas redes, não existe. Quem existe, precisa ter zilhões de seguidores para que sua marca pessoal seja valorizada e ele possa ser considerado um influenciador, ou seja alguém que “impõe” suas opiniões sobre seus “seguidores”, uma coisa que beira o fanatismo.

Porém, mais que criticar as redes sociais em si ou mesmo quem a usa como instrumento de trabalho, gostaria de abordar um aspecto delicado desse instrumento, muitas vezes utilizado de forma tirânica, como temos visto ultimamente.

As redes sociais por si só não fazem mal a ninguém nem a coisa alguma, assim como uma arma de fogo, ou um carro. É o bom ou o mau uso dessas coisas que definem o que podem ser.

Quando Andy Warhol disse que no futuro todos teriam 15 minutos de fama, jamais imaginou que iria acertar tanto quanto a fama e errar tanto quanto ao tempo dela. A fama de todo mundo nas redes sociais é por muito, muito tempo e só deixa de existir em casos extremos e raros.

Eu sou o exemplo perfeito de fracasso das redes sociais, tenho poucos seguidores e acredito que não influencio ninguém ou se muito, uma ou duas pessoas que pensam como eu e se vêm refletidos nas coisas que eu mostro, falo e escrevo.

Outro dia, fiz uma postagem onde apresentei as fotos de dois criminosos. Um que roubou, um país inteiro, de diversas formas e através de muitos métodos, mais que isso, fragilizou seu povo, dividindo-o para poder escravizá-lo, e outro que assediou mulheres e cometeu estupro, crimes covardes e hediondos.

Naquela postagem eu dizia que me causava espécie que algumas pessoas perdoavam os crimes de um daqueles sujeitos, mas não perdoavam os crimes do outro.

Houve quem pensasse que eu estivesse comparando os dois criminosos e até seus crimes. Teve quem imaginasse que eu relativizava os crimes e até quem dissesse que eu estava politizando uma coisa que nada tinha de política.

Lembro que uma pessoa me acusou de defender um estuprador, quando na verdade eu deixei claro o seu abominável crime.

Uma outra pessoa me mandou ter cuidado com aquele tipo de mensagem, pois elas normalmente causam ruído, ao que eu reconheci a possibilidade, mas ressaltei que é preciso que se investigue para saber se o ruído é proveniente do transmissor ou do receptor.

Depois de toda aquela polêmica, eu fiz uma outra postagem, que transcrevo mais abaixo, onde eu esclarecia peremptoriamente a minha intenção ao publicar aquela matéria.

“Vejam bem, essa postagem não é sobre esse ou aquele criminoso nem sobre os crimes que eles cometeram, nem mesmo sobre perdoá-los ou não. Essa postagem é sobre a hipocrisia das pessoas que agem de maneira diferentes em situações parecidas, pessoas que usam pesos diferentes e medidas distintas em casos semelhantes, pessoas que acham que a razão está sempre do seu lado, que sistematicamente se vitimizam e costumam colocar sempre a culpa nos outros!…” Ainda assim algumas pessoas fizeram questão de não entender. Não sei até agora se o ruído está no transmissor ou no receptor, mas que ele existe, isso não resta a menor dúvida, e está ficando a cada dia mais insurpotável e ensurdecedor.

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Meus amigos

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Tenho pensado muito sobre minha mãe e não é difícil entender que por pensar muito em alguém ou em alguma coisa, seu subconsciente fique impregnado desse assunto que lhe acabe por fazer sonhar com ele.

Sonhei com minha mãe comentando sobre seu falecimento, seu velório, seu enterro, sua missa de 7º dia e sobre nossa vida sem a presença física dela.

Ela disse muitas coisas que não dariam para colocar em um único texto. Falarei delas depois, hoje quero falar da gratidão dela pelo carinho de todos, em especial sobre o apoio e a presença constante de amigos meus e de meu irmão, Nagib, há todo instante nos apoiando. Em nossa conversa ela disse que foi para isso que ela nos criou, para sabermos cultivar amigos verdadeiros, que nos apoiassem quando precisássemos e para que nós estivéssemos com eles quando eles de nós precisassem.

Depois que acordei, corri e vim escrever a poesia abaixo, inspirado naquilo que minha mãe me ensinou.

Meus amigos

Tenho amigos pretos e meu amor por eles não é menor por serem pretos.

Tenho amigos feios e meu amor por eles não é menor por serem feios.

Tenho amigos gordos e meu amor por eles não é menor por serem gordos.

Tenho amigos idosos e meu amor por eles não é menor por serem idosos.

Tenho amigos jovens e meu amor por eles não é maior por serem jovens.

Tenho amigos indígenas e meu amor por eles não é menor por serem indígenas.

Tenho amigos não binários e meu amor por eles não é menor por serem não binários.

Tenho amigas mulheres e meu amor por elas não é menor por serem mulheres.

Tenho amigos muçulmanos e meu amor por eles não é menor por serem muçulmanos.

Tenho amigos judeus e meu amor por eles não é menor por serem judeus.

Tenho amigos hinduístas e meu amor por eles não é menor por serem hinduístas.

Tenho amigos espíritas e meu amor por eles não é menor por serem espiritas.

Tenho amigos ateus e meu amor por eles não é menor por não acreditarem em Deus.

Tenho amigos agnósticos e meu amor por eles não é menor por não terem religião.

Tenho amigos cristãos e meu amor por eles não é maior por serem cristãos.

Tenho amigos pouco inteligentes e meu amor por eles não é menor por serem pouco inteligentes.

Tenho amigos esquerdistas e meu amor por eles não é menor por serem esquerdistas.

Tenho amigos direitistas e meu amor por eles não é maior por serem direitistas.

Tenho amigos com problemas físicos e meu amor por ele não é menor por terem problemas físicos.

Tenho amigos autistas e meu amor por ele não é menor por serem autistas.

Tenho amigos pobres e meu amor por ele não é menor por serem pobres.

Tenho amigos ricos e meu amor por ele não é maior por serem ricos.

Tenho amigos flamenguistas e meu amor por ele não é menor por serem flamenguistas

Tenho amigos vascaínos e meu amor por ele não é maior por serem vascaínos.

Tenho amigos chatos e meu amor por eles não é menor por serem chatos.

Tenho amigos simpáticos e meu amor por eles não é maior por serem simpáticos.

O que eu não quero, é ter amigos insensíveis, desumanos, cruéis e malévolos, que não sejam honrados, nobres, altruístas e generosos.

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Minha mãe não morreu

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Em março de 2014, publiquei um texto cujo título era “O maior amor de minha vida”, sobre a operação cardiovascular que minha mãe fizera, em São Paulo. Na verdade, eu nem me lembrava mais daquele texto, até o padre Cláudio rememorá-lo, na homilia da missa de corpo presente que ele proclamou no velório de minha mãe.

É importante que eu diga que antes de Cláudio, estiveram conosco o padre Crispim, pároco da igreja que minha mãe frequentava, que disse belas palavras e cantou algumas das músicas que minha mãe mais gostava, e o pastor presbiteriano, António, que ela conhecera através de amigos e que passou a frequentar a casa dela para administrar estudos bíblicos.

Eu já conhecia António, mas não imaginava que ele era amigo de minha mãe e que frequentava a casa dela!

Em sua pregação no dia do velório de minha mãe, António contou uma história linda, estabelecendo uma metáfora poderosa sobre o cuidado que um pai tem para com seus filhos. Ele contou-nos que um filho adormecera na sala, assistindo televisão e o pai dele o carregou até seu quarto, o cobriu com um lençol e no dia seguinte, quando o garoto acordou, ficou intrigado, pois se lembrou que adormecera num lugar e despertara em outro, como isso era possível!?… E o pastor nos respondeu: “É o amor do pai que nos carrega, aconchega e protege, foi isso que aconteceu com Dona Clarice”.

Mas voltemos ao Cláudio. Ele não é apenas um padre! Pedagogo e psicólogo, ele é, já faz algum tempo, um religioso de referência, não só em São Luís, como também em todo estado do Maranhão, e uma das coisas que o fazem se diferenciar, é sua incrível capacidade de abordar, em suas homilias, temas que preenchem todos os espaços em que tais assuntos precisam ser observados. Naquele dia ele trouxe a baila o texto que eu escrevera 10 anos antes, em que eu declarava que o maior amor de minha vida era minha mãe.

Naquele mesmo dia, depois do enterro, ao chegar em casa fui procurar em meus arquivos o tal texto que Cláudio se referira em seu sermão. Quando o achei, fiquei perplexo com o que eu havia dito e escrito. Era exatamente aquilo que Cláudio havia falado e é exatamente tudo aquilo que eu estou sentindo agora.

Vou transcrever um trecho daquele texto para que você que me dá a honra de sua audiência, possa entender exatamente o que eu penso e o que eu sinto sobre a morte, não só de minha mãe, mas sobre ela de modo geral.

“Por que eu estou publicando esse texto hoje? (…) Porque daqui a muitos anos, na ocasião em que ela tiver ido, não escreverei sobre tal evento, não lamentarei nada, pois o tempo que ela tem passado conosco tem sido tão engrandecedor que já está eternizado em nossas vidas.

Escrevi este texto para dizer que minha mãe jamais morrerá enquanto alguém a quem ela tenha se dedicado, que ela tenha amado, se lembre dela.

Escrevi este texto para comemorar a vida da pessoa que mais amo e para agradecer a todos que a amam também”.

Pois bem, eu proclamo novamente, a quem interessar possa, que minha mãe, Clarice Pinto Haickel, não morreu e não morrerá enquanto alguém que a conheceu e a amou ou foi amado por ela, se lembrar dos momentos maravilhosos que passaram juntos.

Tenho dito para meus familiares e para alguns amigos, que minha mãe não morreu, que ela está em uma longa viagem, e que entrará sempre em contato conosco, nos dedicando a mesma atenção e o mesmo carinho de sempre, toda vez que nos lembrarmos dela, e que se observarmos atentamente nossas lembranças sobre ela, sentiremos os conselhos que ela nos daria se estivesse fisicamente ao nosso lado.

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