Minha mãe, Clarice Pinto Haickel, aquela que nasceu para ser feliz, e foi… E mais que isso, levou amor e felicidade a todos aqueles com quem conviveu.

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Na ausência física dela, minha tristeza não será uma tristeza egoísta, será uma tristeza altruísta. Não ficarei triste pela falta que a ausência dela me fará, pela falta que sentirei de suas palavras carinhosas e de suas orações, não ficarei triste pela saudade que eu sentirei dela, de seus conselhos ou de suas brincadeiras. Minha tristeza será por não mais poder proporcionar a ela algumas das coisas que ela mais amava na vida: os almoços da família, às quartas e domingos; nossa juçara geladinha, com camarão seco e farinha d’água aos sábados; os passeios, junto com toda a família, em uma van alugada, por sua amada cidade de São Luís, passando pelos locais que marcaram a vida dela e as nossas; as missas do padre Cláudio, no Cantinho do Céu; os sabonetes, as caixas e os bordados que ela passava o ano inteiro preparando para o Bazar de Natal com suas amigas…

Minha tristeza será por não poder proporcionar a ela aquilo que ela realmente mais amava, lógico que depois de Deus, e de nós, sua família e seus amigos: a alegria e o prazer de nossa companhia.

Revoltado!? …Inconformado!?… Nunca!!!… Como eu posso ficar revoltado ou inconformado com a elevação de minha mãe? Isso nunca!!!… Agora eu a terei para sempre em minha memória e poderei fazer dela minha eterna companheira de pensamentos e orações, inclusive, as poucas que sei, foi ela quem me ensinou.

Tudo bem que eu não vou mais poder diariamente ligar para ela para dizer: “Mãe, liguei só para dizer que te adoro”. Não vou mais ouvir ela me chamar de “meu Jotinha”, nem vou mais ouvir dela as ironias finas que ela dizia ter herdado de meu avô, “Seu Pinto”, mas sempre ressaltando que mais afiada que ela nesse ofício, era minha tia e madrinha, Maria da Gloria.

Não vou mais poder contar para ela as histórias bíblicas que ela tanto gostava. Ela tinha a mesma reação que eu tinha, quando ela lia para mim os contos de Grimm e de Andersen, mesmo quando eu propositalmente destorcia as histórias, dando vazão ao meu agnosticismo.

Eu tive o privilégio de, da mesma forma como ela fazia comigo quando eu era criança, dar-lhe na boca sua última refeição. Naquele momento ela não era mais a minha mãe, naquele momento ela era minha filha.

Enquanto brincava de aviãozinho com as colheradas que levava até sua boca, ela suspirava e dizia: “Aí meu Deus!…” e gemia, mesmo que não sentisse dor. Ao ouvi-la chamar por Deus, a interpelei com uma provocação quase teológica: “Mamãe, não fica chamando por ele que ele acaba vindo, pois ele gosta muito de ti… E sabe mãe esse seu amigo anda muito ocupado, ele está dando plantão na Palestina, na Ucrânia, além de passar por Rio e Sampa, quatro vezes por dia. Ela deu um sorrisinho maroto e respondeu: “E tu já te esquecestes que ele está em todos os lugares, todo tempo!?”

Enquanto escrevia esse texto fiquei pensando, sobre qual evento mais havia me emocionado nestes dias de doença, internação e elevação de minha mãe, e descobri que foram as mensagens que recebi das pessoas que trabalhavam com ela. Litiane, sua companheira de aventuras culinárias, mandou mensagem pedindo que eu dissesse a minha mãe que ela estava morrendo de saudade dela, que ela voltasse logo pra casa; Luís, seu aprendiz de feiticeiro, disse: “Seu Joaquim, amanhã vou visitar minha mãezinha”; e Pedro, seu motorista, que me puxou pelo braço perguntou em tom grave e austero: “Quando eu vou levá-la para casa, seu Joaquim?”

Durante quase todo o tempo eu me mantive forte e não chorei, mas me desfiz em lágrimas todas as vezes que essas pessoas demonstraram seu incondicional amor por minha mãe, pois assim como eu, eles eram como filhos para ela.

Minha mãe viveu pouco mais de 94 anos, dos quais 64 deles eu tive o privilégio de estar junto dela. Ela partiu às 19 horas e 7 minutos do dia 27 de dezembro de 2023 e a foto que ilustra esse texto é o registro imagético da confraternização de Natal de nossa família, no dia 24 de dezembro.

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O médico que receitava filmes

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Num domingo desses de calor escaldante, depois do sagrado almoço na casa de minha mãe onde me refastelei com a mais deliciosa carne assada na grelha, puxada na manteiga e no alho, feita por mãe Teté, regada pelo maravilhoso feijão mulata gorda e duas colheres de arroz branco, soltinho, feitos por minha mãe, voltei para minha casa e resolvi rever alguns filmes que marcaram a minha vida e de uma forma ou de outra alicerçaram o edifício de minha cinefilia.

Resolvi começar por um dos filmes que mais gosto, um filme que muita gente pensa que é de guerra, mas é de amor, que não tem nenhum personagem feminino em cena de relevância, pois ele fala de um tipo de amor diferente, o amor de um homem por uma ideia, por uma causa, por um povo: “Lawrence da Arábia”.

Como estava cansado, pois aquela manhã havia sido repleta de atividades: cumpri rigorosamente o sétimo mandamento dado por Deus à Moises (cobicei só a minha, e muito), depois fui para a praia onde joguei duas partidas de vôlei e em seguida pratiquei meia hora de intenso frescobol, acabei apagando antes da célebre cena em que Peter O’Toole aparece vestido em seu traje árabe branco e anda sobre o vagão de um trem descarrilhado.

Naquela tarde dormi um profundo e pesado sono e tive um sonho que valeu por muitos filmes. Foi um sonho muito interessante, tão interessante que mais parecia um filme roteirizado e dirigido por dois dos meus cineastas favoritos, Frank Capra e Stanley Kubrick.

Sonhei que eu era médico. Um tipo diferente de médico, pois ao invés de remédios, eu receitava filmes para meus pacientes. Neste sonho eu estava em meu consultório, que tinha aparência de uma sala de montagem de filmes, com uma velha Moviola Atlas de um lado e um divã do outro, onde pessoas das mais diversas procedências iam em busca de cura para os males que os afligia.

Lembro que um dos primeiros pacientes que apareceram em meu consultório foi um sujeito de baixa estatura, meio curvado, com cara de fuinha e já na casa dos 80 anos. Olhei para ele e imediatamente me veio à mente a figura de Ebenezer Scrooge célebre personagem de Charles Dickens. Nem pestanejei, receitei-lhe três filmes que se não o curassem, pelo menos iriam melhorar muito suas deficiências: “Adorável Vagabundo” na veia, “Assim estava escrito”, em cápsulas e um escalda pés com “Cocoon”.

Um amigo me ligou pedindo que eu atendesse emergencialmente uma senadora. Ela entrou em meu consultório e logo vi que ela precisava do melhor dos filmes de Frank Capra, “Mr. Smith goes to Washington” que no Brasil chama-se “A mulher faz o homem” e em Portugal, “Peço a palavra”. Por precaução receitei-lhe também “Nasce uma estrela” na versão com Bárbara Streisand.

Certa manhã, bem cedinho, me apareceu um antropólogo italiano, e depois de examiná-lo receitei para ele “A guerra do fogo” e “Agonia e Êxtase”. Lembro que aquele dia foi bastante movimentado, pois apareceram em meu consultório dois amigos, um padre católico e um pastor evangélico e prescrevi para eles, para que usassem juntos, “A Missão”, “O Mahabarata”, “A última tentação de Cristo” e “A vida de Brian”. Para estes pedi que voltassem assim que tivessem terminado os medicamentos, pois gostaria de ver os resultados.

Naquela mesma tarde fui procurado por um polêmico juiz. Pedi que ele se recostasse no divã, conversei um pouco com ele para saber quais males lhe afligiam e depois de uma minuciosa anamnese, indiquei-lhe “O caso dos irmãos Naves”, combinado com “O galante aventureiro”, mas caso não encontrasse este remédio antigo, poderia usar “Roy Bean, o homem da lei”, dirigido por John Huston com um elenco monumental. Já na porta do consultório o tal juiz me perguntou se eu poderia receitar-lhe algo que o fizesse dormir bem, pois segundo ele, há muito seu tempo de sono era pouco e não era restaurador. Disse-lhe então que ele procurasse algo leve, que o fizesse rememorar sua infância, algo como “Os Goonies”, “Willow, na terra da magia” ou algo mais juvenil, como “Volta ao mundo em 80 dias”, o original, ou mesmo algo mais adulto, mas também revigorante como “Hair”.

Acordei extasiado. Voltei a assistir “Lawrence” e depois chamei minha amada Jacira para assistir comigo “Cinema Paradiso”, fechando com chave de ouro um domingo perfeito, onde amei, pratiquei esportes, convivi com meus amigos e minha família, comi uma refeição divina, assisti filmes espetaculares, dormi e sonhei um sonho maravilhoso.

Na manhã seguinte liguei para meu psicanalista cancelando a sessão daquele dia pois ainda estava sob o maravilhoso efeito daquele sonho.

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Pérolas

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Um amigo meu, um desses bem marotos, me ligou um pouco antes da sessão que seria realizada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal que sabatinaria Paulo Gonet e Flávio Dino para as vagas abertas na Procuradoria Geral da República e no Supremo Tribunal Federal, perguntando quais seriam as perguntas que eu faria para ambos caso fosse um dos senadores da CCJ.

Inicialmente disse a ele que não estava preparado para responder, assim de supetão uma questão desta, uma vez que não estudei os casos mais profunda e detalhadamente. Ele insistiu e disse que me conhecia o suficiente para saber que eu tenho uma boa performance no improviso e pediu então que eu improvisasse. Achei engraçado e resolvi ceder.

Disse a ele que as perguntas para o Gonet deveriam ser técnicas, uma vez que a função de procurador geral da república, que faz o papel de promotor de justiça, de advogado do povo, tem aspectos muito técnicos que precisam ser observados e respeitados.

Disse a ele que essa função de advogado do povo ou da sociedade é tão importante para o pleno e satisfatório funcionamento da democracia americana que em algumas cidades e em alguns estados daquele país, os ocupantes desses cargos são eleitos por voto direto da população, de maneira semelhante aos representantes do poder legislativo.

Para Gonet as perguntas seriam relativas ao devido processo legal. Ele deveria ser arguido sobre o funcionamento do poder judiciário e do processo judicial. Ele deveria responder, sem rodeios ou subterfúgios, se ele concorda com aquilo que prevê a Constituição Federal, que diz literalmente que cabe ao ministério público a iniciativa do processo judicial.

Ele deveria responder se na opinião dele é licito que um processo judicial seja aberto por iniciativa de algum juízo ou alguma corte de justiça, em qualquer uma de suas instâncias. Ele deveria dizer se em um mesmo processo, as funções de denunciante, investigador, acusador e juiz podem ser exercido pela mesma pessoa, e qual deve ser a posição do procurador geral da república em um caso onde isso esteja configurado.

Disse ao meu interlocutor que qualquer outra pergunta que fosse feita ao candidato a vaga da PGR seria desnecessária, pois em minha modesta opinião, seriam essas as respostas mais importantes.

No que dissesse respeito a Flávio Dino, eu faria a ele essas mesmas perguntas feitas a Gonet, mas antes perguntaria se ele aprovaria o nome de um postulante a uma vaga de emprego se este mentisse na entrevista para o cargo que postula. Tenho certeza que a resposta dele e assim como a de todas as pessoas corretas e coerentes seria que não. Então faria a ele perguntas identitárias. Pediria que ele declarasse seu nome, sexo ou gênero, raça ou coloração epitelial, religião, estado civil, grau de instrução e profissão.

Depois de ouvir suas respostas, perguntaria se ele se sentiria confortável para julgar uma causa que envolvesse alguém de quem ele é declaradamente um desafeto, um adversário, um inimigo.

E por fim, e antes de direcionar a ele as mesmas questões que foram direcionadas a Gonet, comentaria com ele que em uma entrevista, um repórter perguntou-lhe se ele era comunista e que a resposta dele àquela pergunta foi “sim, sou comunista, graças a Deus”, e que seria importante que todos soubessem se ele é realmente comunista e se em caso afirmativo, se ele acredita que suas convicções ideológicas vão permitir que ele possa julgar com total isenção causas que se contraponham aquilo que ele professa ideologicamente.

Disse ao meu interlocutor, que eu acreditava que mais que isso, seria completamente improdutivo fazer qualquer outro tipo de pergunta.

Por fim meu interlocutor me fez a pergunta fatal, me deu o golpe de misericórdia. Perguntou-me se eu fosse um dos senadores, se eu votaria contra ou a favor os indicados.

Eu dei uma sonora gargalhada e respondi sem pestanejar e justifiquei minha escolha: “Sim, eu votaria favorável às indicações, por motivos muito simples e claros. Os dois possuem os requisitos exigidos para ocuparem os referidos cargos, como manda a Constituição Federal, da qual sou um dos signatários, e penso que ambos sejam bem melhores que muitos que aqueles que poderiam ser indicados em seus lugares, além do que, no caso de Flávio, ele é melhor que aqueles que já ocupam uma cadeira em nossa Suprema Corte.

Desliguei o telefone e fui assistir a sabatina.

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Decepcionante

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Me pediram para usar uma única palavra para definir “Napoleão”, o novo filme do genial diretor Ridley Scott e eu escolhi uma palavra que para mim é muito cara, quando se trata de cinema e de um cineasta que eu admiro: “decepcionante”.

Em primeiro lugar, a história do corso, não cabe em um filme, já que comercialmente eles não devem ultrapassar, a casa dos 150 minutos, e olhe lá. O filme tem quase isso, mas deixa de fora fatos indispensáveis para se apreciar o contexto não só da história em si, mas principalmente de tudo que envolve os acontecimentos de um tempo que foi marcante para a evolução e o crescimento da humanidade, naquele espaço que era então o centro do mundo.

Em segundo lugar, um filme que retrata figuras históricas de extrema relevância, como desse general baixinho que submeteu e conquistou durante algum tempo, alguns dos países e algumas culturas mais importantes da terra, não podem se descolar dos relatos fidedignos dos acontecimentos, sob pena de apresentar contextos através de pontos de vista míopes e coxos.

Em terceiro lugar, a liberdade criativa e autoral não pode, de forma avassaladora, ser exercida neste tipo de história, sob pena de desagradar quem minimamente conhece os fatos e contribuir para construir na cabeça de quem não os conhece, ideias equivocadas sobre eles.

Se eu não conhecesse a história, se este fosse o meu primeiro contato com Bonaparte, o acharia um idiota como homem, mesmo que o aplaudisse pelo que fez em Austerlitz, para depois tê-lo como um completo temerário pelo que fez em Waterloo.

Dizem que este filme terá uma outra montagem para exibição exclusiva na Apple TV, com mais de 4 horas de duração. Estou ansioso para assisti-la, para poder ver onde foram parar pedaços importantes da história que foram arrancadas dessa montagem que vi, por exigência prática da exibição em salas de cinema.

Pra falar a verdade, eu nunca vi um filme cuja montagem deixasse o espectador como eu, mais aflito e incomodado, pois conhecedor da história, vi, ou melhor, não vi retratado na tela, pedaços importantes e capazes de dar conectividade com o desenrolar dos acontecimentos.

Ridley Scott é certamente um dos melhores cineastas de todos os tempos. Ele tem filmes extraordinários, e quase não possui em seu portifólio nenhum fracasso. Nem se pode dizer que seu “Napoleão” é um fracasso, primeiro porque a sala estava lotada e segundo pela maravilhosa performance que ele apresenta do ponto de vista técnico do filme, pois a cenografia, o figurino, a fotografia, as cenas de batalhas, são realmente extraordinárias, mas um filme desta grandeza não pode ser insuficiente nem quanto ao roteiro, nem no tocante a montagem!

Quem já fez filmes como “Os Duelistas”, “Alien – O Oitavo Passageiro”, “Blade Runner – O Caçador de Andróides”, “Thelma e Louise”, “1492: A Conquista do Paraíso”, “Gladiador”, “Falcão Negro em Perigo”, “Cruzada” e “Casa Gucci”, pode se dar ao luxo de fazer um filme controverso, como este “Napoleão”.

Decepcionante não quer dizer que “Napoleão”, de Ridley Scott é um filme ruim. Isso não. Ele é simplesmente decepcionante para pessoas que como eu esperava outra coisa.

A sensação que eu tive ao assistir esse filme, é mais ou menos a mesma sensação que teve um dos mais icônicos personagens de Jorge Amado, o meu xará, Quincas, que acostumado a tomar uma dose deliciosa de pinga, num de seus bares favoritos da cidade de Salvador da Bahia, deram-lhe, no copinho de cachaça, uma talagada de água. Resultado: Quincas veio a óbito, mas passou toda história passeando com seus amigos pela cidade, como sempre faziam os farristas.

Fui ao cinema tomar uma dose de um Napoleão e degustei outro.

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Pode até ser pecado…

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Eu sei, já faz algum tempo, que dois dos pecados tidos como capitais estão presentes no meu perfil, porém só muito recentemente constatei que sou acometido por um outro desses tais pecados, um que jamais pensei que eu fosse portador, por ele, nem de longe, condizer com a ideia que sempre fiz de mim mesmo. Trata-se da soberba, que alguns chamam de orgulho e que eu prefiro chamar de vaidade.

Como disse, eu sempre soube que sou acometido por dois dos pecados capitais, só que em menor grau e intensidade, proporções que não configuram perigo nem para mim nem para outras pessoas. Eu penso que a gula e a luxúria, desde que sejam facilmente controladas, não chegam nem a ser pecados.

Sou declaradamente um apreciador dos prazeres da mesa e da cama, mas de forma comedida, racional e consciente, não permitindo que essas coisas jamais se transformem em compulsão. Prefiro encarar esses comportamentos controversos como dois Mastins, amansados e domesticados, que foram resgatados do meu Hades e transformados em dois Goldens Retrievers, que passaram a ser companheiros alegres e fiéis de minha feliz existência.

Quanto à avareza, a inveja, a ira e a preguiça, essas são coisas que passam muito longe de mim e de minha personalidade, não afetando de forma alguma o meu caráter e o meu comportamento.

Antes nunca havia pensado em mim como alguém que pudesse ser vaidoso. Ser portador do orgulho nocivo ou da soberba repugnante, são coisas que para mim são completamente inadmissíveis. Antes eu não admitia ter nem mesmo a mais tênue das vaidades, até porque eu sempre tive consciência de não ser o mais belo, nem o mais inteligente, muito menos o mais endinheirado, e imaginava que assim sendo jamais poderia me envaidecer com nada, até que descobri que a vaidade nos ataca das maneiras mais inusitadas.

Ela se manifesta pelo simples fato de se ficar feliz por ter feito alguma coisa boa, por ter agido com honra e nobreza, e mais ainda, por sentir imensa satisfação pelo fato de outras pessoas observarem os acontecimentos e os valorizarem tanto ou até mais que nós mesmos.

Outra forma de vaidade é você se orgulhar das pessoas que você ama e que te amam, como seus pais, seus irmãos, seus filhos, suas esposas ou esposos, seus amigos. Se isso for pecado eu quero ser o maior de todos os pecadores.

Essa é uma sensação maravilhosa que enebria tanto quanto a sensação que se tem ao desfrutar dos prazeres proporcionados pelos alimentos e pelo sexo.

Outro dia, em um evento social, conversando com dois amigos, um deles, com o qual tenho menos contato e ligação me fez um elogio que muito me envaideceu. Ele disse que em sua opinião eu era uma das pessoas mais coerentes que ele conhecia e arrematou dizendo que essa era uma qualidade difícil de ser alcançada. Imediatamente me senti um pecador, por me envaidecer com aquilo.

Essa semana foi minha mulher, Jacira, que me conhece melhor que qualquer pessoa, quem ligou o botão de minha vaidade ao dizer que estava muito orgulhosa de mim, por eu ter mandado uma mensagem de congratulações para Flávio Dino, pessoa de quem discordo ideologicamente, por sua indicação para ministro do STF. Segundo Jacira, seu orgulho se deve ao fato dela ter sentido naquela mensagem sinais claros de minha sinceridade, pelo fato de eu ter dito aquilo em que realmente acreditava, com temperança, sem ser nem bajulador nem indelicado, dizendo o que eu desejava dizer, com nobreza e honradez. Minha vaidade, neste caso, reside em dois pontos, naquilo que fiz e no fato de Jacira me conhecer tão bem, pois ela sabe que se não fosse para eu me sentir bem, eu jamais tomaria aquela atitude.

Mas de tudo o que mais me envaideceu até hoje foi o fato de que em um desses domingos, numa das praias de nossa cidade, um rapaz que estava acompanhado de seu pai, se aproximou de mim e me perguntou se poderia apertar a minha mão e me dar um abraço. Achei estranho, mas disse que sim. Foi aí que ele disse que ele só havia conseguido alcançar seu objetivo esportivo, graças ao benefício que foi proporcionado a ele pela Lei de Incentivo ao Esporte. Fiquei emocionado com aquela atitude, e o pai dele me disse que as pessoas beneficiadas pelas leis de incentivo ao esporte e a cultura, não sabem quem foi que teve a ideia de fazer aquelas leis, mas que se soubessem, todos fariam o mesmo que o filho dele estava ali fazendo.

Esses podem até ser pecados, mas as sensações que eles nos dão, são muito boas, viu!…

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