Celso Borges
Nos últimos dias senti uma dor que já fazia trinta anos que não sentia. A dor da perda da presença física de uma pessoa. Em 1993 perdi meu pai, Nagib Haickel, e no último dia 23 de abril, perdi meu “irmão” Celso Borges.
No caso da morte de meu pai, eu perdi o chão embaixo de mim. Perder Celso me tirou a lateralidade e a visão em profundidade, em perspectiva.
A perda de meu pai me obrigou a, em alguns aspectos, tomar o lugar dele, a perda de Celso faz de mim um inútil, pois nada que ele fazia eu posso minimamente imitar.
Há mais de quarenta anos eu conheci um garoto de seus vinte e poucos anos, magrinho, lourinho, risonho. Literalmente um garoto, coisa que ele, para o seu bem e para o bem de quem com ele convivia, jamais deixou de ser.
As pessoas se identificam com as outras por suas semelhanças e havia muitas entre nós. Assim como havia diferenças, que não servindo para nos identificar, estabeleceram os parâmetros que nos fizeram buscar a compreensão e o entendimento.
Eu e Celso, desde sempre construímos nossa amizade baseados na admiração por nossas semelhanças e no respeito por nossas diferenças. Eu sempre pude beber da fonte da pureza e da inocência dele e ele sempre pode aproveitar de meu celeiro de praticidade e objetividade.
Em 1982 reunimos um seleto grupo e resolvemos fazer um programa de rádio, onde só tocaríamos músicas maranhenses e só falaríamos de arte e de cultura de nossa terra. Foi o “Em tempo de guarnicê”. No ano seguinte, transformamos o programa de rádio em uma revista, a “Guarnicê”. Junto com ela vieram uma gráfica, uma editora e uma produtora de audiovisual e mais que isso, vieram Kenard, Paulinho Coelho, Érico Junqueira Ayres, Cordeiro Filho, Dulce Brito, Ronaldo Braga, e tantos outros amigos e parceiros, que durante toda a vida iriam, de uma forma ou de outra, caminhar conosco.
O tempo passa e passa muito depressa, e nem sempre se percebe as mudanças que ele traz consigo.
Eu que já era deputado estadual, em 1986 me elegi deputado federal constituinte e nossa aventura editorial teve fim, mas nossa amizade não, mesmo que fosse ser modificada, primeiro pela distância e depois pelo tempo.
Cada um tomou seu rumo. Eu fui para Brasília, Celso foi para São Paulo, Kenard para o Rio de Janeiro, Paulinho foi trabalhar com Antônio Carlos, na Gráfica Minerva, Érico continuou dando aulas e fazendo seus maravilhosos desenhos… A vida iria continuar e cada um de nós iria em busca de seu destino. O meu foi durante trinta e poucos anos, a política, com suaves e discretas incursões na literatura. O de Celso foi a poesia e a fecundidade… Em todos os aspectos. Com cinco filhos, ele tem mais que eu, Kenard, Paulinho e Érico juntos! Fecundo em tudo.
Fico falando do Celso da década de 80, porque é nele em que o meu sentimento se reflete. No irmão, com quem dividíamos nossas famílias. Nossas mães, amigas de infância eram nossas.
É verdade que eu era mais filho de “Marrenha” que CB de “Cici”. É que a timidez dele o fazia desfrutar pouco daquilo que eu muito desfrutava: do convívio com a família dele, onde todos, menos “seu” Mário, me chamavam de “Rua”, apelido que ele e Kenard me deram, em homenagem a Joaquín Murieta, uma espécie de Robin Hood do velho oeste, que era visto por uns como um revolucionário patriota e por outros como um bandoleiro mexicano. Bem como acontece realmente comigo.
Lembrar dessas coisas é um balsamo para a dor latejante que tenho em meu peito e em minha cabeça. Melhor que essas lembranças, só a certeza de que CB realizou quase tudo a que se propôs. Digo quase tudo porque em nenhuma agenda cabem os planos que ele tinha.
Mesmo que não tivéssemos o mesmo convívio dos anos 1980, continuamos realizando muitos trabalhos juntos. Participei de vários projetos literários de e com Celso. Produzi pra ele um disco com poemas de Tribuzi adaptados e musicados por ele e seus parceiros. Ele fez comigo e Beto Matuck diversos filmes, entre eles, dois inéditos, um sobre o próprio Tribuzi e outro sobre músico Miguel Damous. Além disso estávamos começando a trabalhar num documentário sobre o mestre Catulo da Paixão Cearense. Eu e Beto teremos um grande problema: Arrumar alguém que minimamente possa fazer o mesmo trabalho sensível de Celso, quanto aos textos para este filme.
O espaço está acabando e eu ainda não disse quase nada efetivamente sobre Celso, mas pelo menos preciso dizer que seus amigos estão programando fazer uma homenagem para ele no próximo dia 18 de maio, quando ele COMPLETARÁ 64 anos, algo que deixe claro que a nossa alegria por ele ter existido e por nós termos podido desfrutar de sua companhia, é infinitamente maior que a tristeza que sentimos por ele ter partido.
Para o ano que vem, quando Celso COMPLETARÁ 65 anos, quem sabe possamos exibir um documentário completo, e apoiarmos sua família a lançar um livro de poemas dele, com suas poesias inéditas ou talvez com suas obras completas.
Avé, Celso!… Todos por aqui de saúdam!…