Meu querido confrade e mestre Sebastião Moreira Duarte, a quem devoto verdadeira amizade, fundada em respeito, confiança e admiração, por ocasião de meu aniversário, me presenteou com o texto que, com genuína humildade e indisfarçável orgulho, transcrevo abaixo.
A César o que é de César
Por Sebastião Moreira Duarte
Eu amo a justiça: por instinto, temperamento, caráter e personalidade, eu amo a justiça. Nada demais: é dever meu, de pessoa, de animal político. E, outra vez, nada demais: é dever de todo cidadão amar a justiça, buscar a justiça, praticar a justiça.
Recorro a um exemplo antiquíssimo, para fazer atual o meu caso: está na biografia do poeta latino Virgílio. Por ocasião de uns jogos cerimoniais mandados celebrar pelo imperador Augusto, o poeta, ainda jovem e desconhecido em Roma, escreveu uns versinhos simples e os pregou, sem assiná-los, em uma parede pública. Chegou um fanfarrão – conhecido pelo nome muito adequado de Cornifício – e tendo sabido que aquelas palavrinhas haviam agradado ao então Senhor do Mundo, pôs o próprio nome como dono da obra alheia. Virgílio viu, mas não se aborreceu. Acrescentou apenas, abaixo do que ele havia escrito: “Hos ego versiculos feci. Tulit alter honores.”
“Ah, vocês vão dizer, é latim!” Claro, é Virgílio, um dos pais da literatura ocidental. Virgílio falava a língua-mãe da “última flor do Lácio”. Mas não se amedrontem. Eu traduzo em cima da bucha: “Esses versinhos quem fez fui eu, viu? Mas apareceu um espertinho e me furtou o mérito de havê-los escrito.”
O imperador percebeu a malandragem, e premiou o verdadeiro autor com o privilégio de sua amizade.
Eu respondo, antes que me perguntem, por que estou contando esta história. Por causa de outra, de uma injustiça que eu teria grande satisfação se visse reparada: há mais de dez anos, o Maranhão conta com duas importantes leis de incentivo, a Lei de Incentivo à Cultura, e a Lei de Incentivo ao Esporte.
É normal que leis levem o nome de seus proponentes. A Lei Afonso Arinos é a lei contra o racismo, antes de este crime ser condenado, com toda clareza, na Constituição de 1988. A Lei Nelson Carneiro pôs ordem na vida matrimonial, trocando o desquite pelo divórcio. A Lei Darcy Ribeiro, todo mundo sabe que é a LDB de 1996. Lei Rouanet é lei que um ex-secretário de Cultura, notoriamente a mandado, modificou do que deveria chamar-se Lei Sarney, concebida por José Sarney, quando senador, e por ele implementada na condição de presidente. Já nem falo das Leis Eusébio de Queiroz e Saraiva Cotegipe, que são das eras do Império.
Admito exceções, para que a regra sofra a devida desmoralização, nesta terra em que leis se multiplicam com o mesmo açodamento com que não são levadas a efeito. As exceções ditas homenagens: Lei Aldir Blanc, Lei Paulo Gustavo e, se quiserem, Lei Xuxa (que país incrível, este Brasil!)
O que honesta, simples, sincera e abertamente não entendo é por que às Leis de Incentivo à Cultura e ao Esporte do Maranhão, não se dá o nome de seu autor.
Talvez porque o seu autor não tem o tempo que outros têm, de catar papéis no chão e achar que são currículo.
Pois as Leis de que falo têm autor e este deveria ser nominado. As Leis de Incentivo à Cultura e ao Esporte existem graças ao trabalho de Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel – assim mesmo: muitos nomes juntos, porque ele não é apenas um ativista, um animador, mas, na verdade, um agitador cultural e esportivo, que se movimenta em raios de ações variadas e simultâneas, entre as letras, as imagens e os esportes.
Joaquim Haickel foi deputado por diversas legislaturas, inclusive Constituinte. Foi secretário dos Esportes, e teria sido um dos melhores secretários de Cultura com quem poderíamos contar. Mas, nesta província, ser bom não é garantia de nada. Ser melhor é garantia, sim: de tiro na testa. Certeiro, sem que se saiba nem de onde disparado.
As Leis Joaquim Haickel existem e beneficiam a muita gente há mais de uma década. Elas foram criadas para trazer justiça e equidade ao processo de apoio e patrocínio estatal. Elas não nasceram de capricho, vaidade ou veneta, ou porque o seu autor tenha querido se mostrar e fazer bravata. Foi redigida e apresentada depois de estudo sério, confrontado com o que já existia ou se propunha em outros estados da Federação, e até no exterior. Significativamente, o projeto original não foi alvo de emenda e, mais, recebeu aprovação unânime nas Comissões Temáticas e no Plenário da Assembleia Legislativa do Maranhão.
Lembrei-me desses fatos, porque fui procurado por alguém a quem eu dava a impressão de ainda ser membro da comissão avaliadora de projetos submetidos a referida lei, na esfera cultural, na condição de representante da Academia Maranhense de Letras. Trabalhei naquele grupo por anos, e pude calcular, de perto, os milhões de reais, aproximadamente 800 milhões, desembolsados até hoje para descobrir, revelar e promover talentos culturais e esportivos, que, por esta forma e só por esta forma, encontraram meios de surgir à luz do sol, no Estado do Maranhão.
É justo, assim, o apelo à imprensa convencional e à mídia eletrônica – blogueiros, influenciadores digitais: façam alarde, convoquem um mutirão, clamem e reclamem, trombeteiem e reivindiquem, por sobre todos os telhados, que se chame Lei Joaquim Haickel as Leis de Incentivo à Cultura e ao Esporte no Maranhão.
Por uma questão de justiça. A César o que é de César. Mesmo porque Joaquim Haickel não vai repetir o gesto de Virgílio diante de Cornifício.