Não gosto de Bolsonaro. Nunca gostei. Sempre o achei um efeito colateral de nossa política, causado pela inexistência de bons quadros nesse setor. Existem muitos outros iguais a ele também na esquerda, que só parecem ser menos asquerosos, pelo discurso ideológico “bonitinho”.
Conheço Lula desde 1987. Convivi com ele na constituinte. Votei nele. Penso que no seu governo, entre 2003 e 2004, tivemos a melhor fase administrativa do Brasil, graças a fatores internos e externos excepcionais, da política e da economia. Depois disso foi um desastre crescente.
Nosso problema real não é Lula e Bolsonaro, nem a divisão entre esquerda e direita. Isso é superável, mesmo que difícil e sofrido para ambas as correntes. Nosso problema é a destruição do império da lei e da ordem, promovida pelos tribunais superiores com a conivência da imprensa.
Devo acrescentar o grave crime de omissão de socorro perpetrado pela intelectualidade brasileira que vê tudo que está acontecendo, coisas contra as quais lutaram, absurdos legais e afronta a constituição, coisas que agora aceitam calados. Covardes! A história os registrará.
Onde estão alguns de meus queridos amigos, pessoas sérias, corretas, honestas e honradas, que neste momento não conseguem ser coerentes com aquilo de mais importante em que acreditam, não conseguem ou não querem ver a realidade, serem justas, e se levantarem contra essa infâmia?
Onde estão meus professores, que me ensinaram o que é certo e justo? Onde estão os meus colegas que defendiam as liberdades de forma ampla, geral e irrestrita? Onde está essa boa gente?
Onde foram parar meus amigos deputados que muitas vezes tiveram seus direitos de opinião e de manifestação, seus direitos de reunião e protesto, cerceados e cassados? Onde estão meus amigos poetas que cantavam a liberdade como direito inalienável das pessoas? O que terá acontecido com essa boa gente, que eu tanto admiro e respeito?
Onde estão a OAB, a CNBB e outras instituições respeitáveis? Esconder-se atrás de crimes não tipificados em nenhum de nossos códigos, não é desculpa para apoiar atos arbitrários, com desculpa de defender a democracia.
São inaceitáveis e inadmissíveis a desvirtuação e o desrespeito a preceitos legais e constitucionais, principalmente por parte de quem tem obrigação de zelar e proteger esses valores, sem os quais nada pode funcionar de maneira correta, justa e aceitável em nosso país.
O povo brasileiro tem espírito esportivo suficiente para aceitar uma gozação como “perdeu mané”, desde que fique claro, provado sem sombra de dúvida que a sua derrota foi resultado de disputa equilibrada e justa, onde os juízes da partida estiveram neutros e cumpriram as regras do jogo.
A ninguém interessa que paire uma eterna dúvida ou se tenha uma triste certeza sobre o resultado errado de um jogo, como aquele dito por um certo ministro do STF, onde uma bola na trave foi considerada gol e mudou o resultado da partida, entristecendo uma imensa nação-torcida.
NÃO APOIO GOLPE MILITAR, DA MESMA FORMA QUE NÃO ACEITO GOLPE JUDICIAL. A constituição que eu e Lula ajudamos a escrever e construir, que eu assinei e ele não, por não a reconhecer como uma boa lei, não pode ser desrespeitada. Não será desrespeitada! Não sem que haja graves consequências.
Essa mesma Constituição, que Ulisses Guimarães chamou de CIDADÃ, está sendo corrompida e manchada exatamente naquilo que ela tem de melhor e mais importante, em relação aos direitos e garantias do cidadão, cláusulas imutáveis, segundo seus autores, constituintes originários.
Enquanto a história acontece, ela pode ser deturpada e destorcida por narrativas falsas, já vimos isso diversas vezes, como nas guerras do Paraguai e de Canudos, por exemplo. Algumas vezes as deturpações podem se estender e algumas até perpetuar, mas isso não acontecera no caso de agora.
As boçalidades, ignorâncias, os atos criminosos, de corrupção e aparelhamento promovido pelos políticos devem ser combatidos com o voto, mas os atos de desrespeito às leis, principalmente à Constituição, devem ser duramente combatidos e eliminados. É isso que o povo está nas ruas, pedindo. É isso que eu apoio.
Nunca antes na história desse país, seu povo esteve tão consciente e unido em torno de uma justa causa. Pena que quem aparece como estando à frente desse povo seja uma pessoa despreparada, mas o que fazer!? Na falta de um bom líder, serve qualquer um que minimamente o represente. Essa triste realidade serve para os dois lados.
Quintana grita em minha mente, não sai de meus ouvidos: “Eles passarão…” Como passou Vargas, o ditador, como passou o regime militar de 64, autoritário, como passou Dilma, o poste, como passará Bolsonaro, o boçal… Moraes, Barroso e os outros, também passarão. Nossa Constituição, essa não passará.
Caso queiram me caluniar, injuriar, difamar, criminalizar, processar, e até mesmo me condenar, fiquem à vontade. Será um imenso prazer ser submetido a essas atrocidades, pelo simples fato de manifestar meu pensamento e defendê-lo, direito que tive a honra de escrever em nossa Carta Magna, e pelo qual sempre lutarei, independentemente dessa ou daquela situação política.
Se alguém deixar de ser meu amigo por defender aquilo que eu acredito, sempre buscando agir com consciência, correção e coerência, por ser quem e como eu sou, é porque esse alguém não é verdadeiramente meu amigo. Amigo faz como os iguais a mim fazem, respeitam as pessoas, o que elas pensam, dizem e fazem, desde que se responsabilizem por isso.
Se com duas páginas eu não conseguir justificar aquilo que penso e os motivos que me levam a agir como o faço, não serão vinte, duzentas ou duas mil que o farão.
Tenho dito.