Crime contra a Constituição Cidadã

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Na Assembleia Nacional Constituinte eu fui membro da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher e dentro dela participei da Subcomissão de Direitos e Garantias Individuais. Quando realizávamos aquele trabalho, não imaginávamos que um dia o veríamos ser tão absurda e brutalmente desrespeitado e destruído.

A ANC88 inseriu um grupo de dispositivos em nossa Carta Magna que não podem ser alterados nem mesmo por Proposta de Emenda à Constituição, as chamadas cláusulas pétreas, dispostas no artigo 60, § 4º. Ao fazermos isso nós pretendíamos resguardar valores que para nós eram os mais importantes de todos, aqueles que estabeleciam o rumo que acreditávamos que nosso povo e nosso país deveriam seguir.

São apenas quatro essas cláusulas pétreas: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais.

Este último dispositivo, os direitos e garantias individuais, estão consignados no artigo 5º de nossa Constituição e configuram-se na mais ampla gama de direitos jamais estabelecidos em uma constituição brasileira anteriormente, tanto que Ulisses Guimarães a chamou de “Constituição Cidadã”.

É nesse artigo que se estabelece todos os direitos que o cidadão brasileiro tem garantidos pelo Estado. No seu enunciado, diz: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…”

Somente pela simples interpretação desse texto, já se pode imaginar a abrangência do que nós constituintes pretendíamos quando o escrevemos.

Esse artigo possui, se não me engano,79 itens ou incisos, além de suas alíneas, mas vou aqui me concentrar hoje apenas em 3 deles.

Os itens IV, V e IX do artigo 5º da CF, dizem respectivamente: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”.

Com base apenas e tão somente nesses três itens, de um artigo que é clausula pétrea da Constituição da República, fica muito claro que o que alguns ministros do STF e do TSE, em alguns casos fizeram, foi desrespeitar a lei que eles juraram defender e proteger. Qualquer coisa que se diga em defesa de suas ações, é narrativa falaciosa, eivada de erro jurídico elementar, dolo e má fé, pois seus agentes sabiam o que estavam fazendo e não devem e não podem ser merecedores de desculpa ou perdão.

Eles fizeram a mesma coisa que faria um médico, que tendo obrigação de salvar um paciente, conscientemente, tira-lhe a vida.

Ministros do STF e TSE acham que é perfeitamente lícito interromper os efeitos de um direito contido num dispositivo constitucional, se for para impedir que um crime seja praticado. Ora, isso é completamente inadmissível, pois crime de tentativa só pode ser caracterizado depois que ele for cometido e depois de uma análise afirmativa do fato! Não há justificativa racional e aceitável para censurar alguém porque, permitir-lhe o direito constitucional de ter e manifestar sua opinião, pode vir a se configurar crime! Isso é uma completa e total sandice!

As justificativas e desculpas usadas por esses transgressores não se sustentam nem sobrevivem a uma breve e tênue análise, pois os crimes que por acaso pudessem advir do uso constitucional de algum desses citados direitos, são crimes tipificados por leis menores que a Constituição, logo, como tal devem ser apreciados, e essa apreciação deve tramitar na instância e no foro adequado.

O que está acontecendo em nosso país é o maior de todos os absurdos constitucionais. Aqueles que deveriam defender, resguardar, e em alguns casos interpretar e dirimir algumas dúvidas sobre a aplicabilidade de nossa Constituição, são exatamente aqueles que a estão desrespeitando e corrompendo.

A Constituinte de 1988 se esqueceu de incluir na CF um dispositivo importante. Um que estabelecesse claramente quem julgaria nossos supremos juízes, mas a emenda constitucional 45 solucionou esta falha e estabeleceu que, compete privativamente ao Senado Federal, entre outras coisas “processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade”.

Precisa o Senado Federal tomar vergonha e ter a coragem necessária de fazer cumprir a nossa Constituição e restaurar em nosso país o império do respeito a nossa lei maior.

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