As voltas que a vida dá

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Em 2008, três coisas muito importantes aconteceram em minha vida. A primeira foi a realização do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de crítica e de público, tendo participado, de mais de 120 festivais, no Brasil e no exterior, onde ganhou 28 prêmios.

A segunda coisa importante daquele ano foi ter terminado a construção de minha casa, um verdadeiro paraíso, feito sob medida para que nela eu fosse eternamente feliz.

A ideia era ter uma casa que me possibilitasse economizar tempo e trabalho na conquista das mulheres. Bastaria levá-las na casa para que elas ficassem seduzidas pelo ambiente, pelo clima e pelas sensações que emanariam dela.

“Pelo Ouvido” me fez alçar outros voos, conhecer pessoas e mudar o rumo de minha vida. Depois dele resolvi que aquele seria meu último mandato como deputado, que não mais me candidataria a cargos eletivos e que iria me dedicar apenas a literatura, ao cinema e a amar as mulheres, exatamente naquela casa que foi construída para ser o refúgio de um lobo velho, que se algum dia tivesse sido mal, dali por diante seria apenas um carneirinho.

Depois de “Pelo Ouvido” vieram dezenas de filmes e séries. Foram curtas, médias e longas metragens, que variaram entre documentários, animações e ficções, abordando temas históricos, sociais, culturais e sentimentais, em voos solos e em parceria com produtoras de outros estados do Brasil.

Só para se ter uma ideia, no último balanço que fizemos, já temos mais de 3.000 minutos de filmes finalizados, ou seja, mais de 50 horas de produção efetiva, além de cinco vezes mais que isso em material bruto.

Foi graças ao “Pelo Ouvido” que fizemos, “A pedra e a palavra”, “Manufatura Fashion”, “Celso Antônio”, coproduzimos “O pai da Rita”, estamos finalizando “Arcanos” e já temos engatilhados mais uma dúzia de projetos fantásticos, entre eles “Senta a pua”, que pretende ser um marco no audiovisual brasileiro.

Ter deixado de ser político, não mais concorrer em eleições me possibilitou tudo isso.

Quanto a minha casa… Lembro que meu pai gostava de dizer que a choupana do homem é o seu castelo, e que por isso, era muito importante visitarmos nossos amigos e correligionários, era indispensável que fôssemos nas casas deles, fazer refeições com eles e seus familiares e amigos, pois eles tinham orgulho de abrir as portas de suas casas para nos receber.

Tinha uma sensação parecida em relação a minha casa, queria que ela fosse uma espécie de sala de visitas, um playground, uma grande alcova… Tudo que pudesse unir satisfação e prazer ao redor de mim e das pessoas que me fossem importantes, irmão, amigo e camarada…

Seria a casa de um solteirão convicto, um homem leal, mas não necessariamente fiel, alguém que se apaixonasse desesperadamente por uma morena num dia, por uma loura dias depois, para em seguida se envolver com uma mulher tão ruiva e apaixonante quanto Gilda, a quem Rita Hayworth deu vida.

Essa vida de paixões calientes me daria oportunidade de produzir literatura para suprir minha alma, minha mente, meu corpo e minhas demandas de trabalho.

A terceira coisa muito importante daquele ano foi eu ter encontrado a mulher que mudou completamente meus planos, primeiro em relação a minha casa, pois a minha morada passou a ser o coração dela, depois em relação a todo o resto.

O amor faz dessas coisas. Nos faz trocar planos faraônicos e nababescos por coisas simples como um sorriso e um cafuné, motivados não apenas por paixão avassaladora e passageira, mas por amor verdadeiro e maduro.

Depois que conheci Jacira, a casa e os planos que tinha para ela, ficaram de lado.

O tempo se passou e eu havia cogitado vender a casa várias vezes, mas no final das contas eu não conseguia me desapegar dela.

Numa manhã acordei assustado. Havia sonhado com meu pai me dizendo umas coisas que na hora parecia não fazer o menor sentido, inclusive pensei que ele tivesse se referindo a fatos da política. Ele dizia para que eu procurasse pessoas iguais ou parecidas conosco, pessoas confiáveis, com quem se pudesse fazer acordos tendo por aval o fio do bigode, gente trabalhadora e de preferência com um histórico de ligação fraternal.

A princípio pensei que ele estivesse falando dos Brandão, pela amizade dele com o deputado Orleans e pela minha com Carlos e Zé Henrique, e a de Nagib com Marquinhos.

Acontece que naquela mesma manhã, recebi um telefonema de um velho amigo de meu pai, alguém que trabalhou com ele no comércio… António Garcez. Ele me disse que havia conhecido minha casa, que ela era muito linda e que ele desejava passar, juntamente com Dona Dica e sua família, o ano novo nela e queria saber se eu a alugaria para ele.

Aquele foi um dos maiores elogios que eu já recebera. A casa nem estava na sua melhor forma e ainda assim seduziu alguém. Achei o máximo. Mesmo adormecida ela ainda seduzia e apaixonava as pessoas.

Aceitei finalmente me desapegar da casa, até porque a ideia de fazer dela o refúgio de um lobo solitário, não era mais cogitável,

Sobre o sonho que tive com meu pai, o casal para quem vendi a casa, Garcez e Dica, tem uma relação parecida com a que meus pais tinham. Ele é um homem simples e dinâmico, e ela, que também é uma grande empreendedora, serve de âncora e porto seguro para ele.

Minha casa estará em boas mãos.

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